Palavra do Associado

Sob o signo da resistência, a devoção dos negros à Nossa Senhora

Escrito por Ciro Leandro Costa da Fonsêca

07 ABR 2016 - 09H31 (Atualizada em 20 NOV 2023 - 08H10)

Sidney de Almeida/ Shutterstock

No ano de 2016, nós que compomos o Grupo de Estudos em Literaturas de Língua Portuguesa - GPORT da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN, Campus de Pau dos Ferros) realizamos o nosso I Simpósio Nacional que teve como tema “Cartografias literárias e culturais africanas e afro-brasileiras”. 

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O nosso foco foi a interação entre os espaços literários e culturais Brasil- África, as trocas e misturas culturais entre as nações que falam a língua portuguesa e sofreram o processo de colonização por exploração.

Dentre os temas abordados e com oferta de minicursos e conferências estiveram a produção de literaturas de caráter africano e afro-brasileiro, bem como as hibridizações culturais, a cultura e a religiosidade afro-brasileira que dialogou com o catolicismo e ambas se influenciaram.

Como um espaço conflituoso dessa hibridização estava a religiosidade do negro, proibido de viver a fé que atravessou o Atlântico e de frequentar os mesmos espaços que os seus senhores brancos.

Já havia no Brasil a devoção a Nossa Senhora do Rosário, que adotado por eles como sua protetora se revestiu de uma nova identidade: Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, cujas irmandades fundadas pelos brancos no fim da colonização passaram a ser formadas por pessoas negras.

Essas irmandades cultuavam a Virgem Maria, cuidavam dos doentes negros, compravam suas alforrias, enterravam os mortos e se constituía como uma forma de resistência identitária dos povos negros escravos e forros.

Um símbolo dessa luta eram os rosários fabricados de sementes de capim cujas contas grossas eram chamadas de “Lágrimas de Nossa Senhora”, em um simbolismo em que percebemos a importância da fé como resistência, solidariedade e socialização desses povos que sentiam o apoio da Mãe de Deus a sua causa.

Um acontecimento da nossa região que ilustra essa fase é o fato de os negros de Pau dos Ferros, impedidos de frequentar a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, tiveram que construir uma igreja para realizar seus cultos e de escolher um santo negro, no caso São Benedito.

A capela é um símbolo dessa resistência a opressão branca herdada da colonização e da capacidade do povo afro-brasileiro de reelaborar sua cultura de forma a manter vivos os seus laços ancestrais e identitários.

Mais tarde, surgiram outros símbolos dessa resistência, como a histórica capela da Vila Aparecida construída na década de 1920 na divisa dos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba entre os municípios de Luís Gomes em terra Potiguar e Uiraúna em terra Paraibana.

Fundada para abrigar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida que era venerada na casa de uma família no Sítio Alívio, a devoção se iniciou de maneira conflituosa, pois as pessoas tinham uma forte resistência em cultuar a Virgem de Aparecida Negra, segundo populares as pessoas diziam que não rezariam para uma santa negra.

Segundo a tradição, uma das antigas imagens teve de ser “clareada” para que houvesse uma maior aceitação do seu culto. Hoje a capela próxima do seu centenário, foi palco da passagem da Coluna Prestes em 1926 é um signo de resistência onde os povos negros e de sua fé, tão bem simbolizada na imagem de Aparecida.

O nosso grupo de pesquisa se concentrou, então, nessas relações, na herança africana para o Brasil e nas representações históricas, culturais e literárias. O nosso simpósio espera contribuir para o amadurecimento das relações para uma compreensão mais ampla da hibridização Brasil-África.

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