Por Alexandre Santos Em Notícias

Há 29 anos, bloco resgata aspecto familiar de velhos carnavais

A cidade de João Pessoa (PB) amanhece num frisson só. Todo mundo ansioso para o grande momento. Polícia mobilizada, esquema de saúde de prontidão, os ambulantes disputam os melhores lugares. A rua está decorada, os artistas, prontos. As pessoas vão chegando à concentração. Às 9h da noite, os estandartes estão a postos no mesmo local de onde saíram pela primeira vez: a casa número 127 da rua José Liberato.

Foto de: Muriçocas do Miramar

Lucas Suassuna - Muriçocas do Miramar Assesoria de Imprensa

Arrastando cerca de 500 mil pessoas, 
o bloco este ano homenageou o poeta
e dramaturgo Ariano Suassuna.
O estandarte foi confeccionado
pelo neto de Ariano, Lucas Suassuna

Uma voz de comando, e os fogos estouram. É o anúncio de que a multidão está saindo para a avenida Presidente Epitácio Pessoa, a principal da cidade. Começou a Quarta-feira de Fogo. “A orquestra de frevo começa a tocar e eu digo: ‘Muriçocas 2015 está na rua’. Fico arrepiado só de descrever esse momento”, emociona-se o presidente e um dos fundadores do bloco, Antônio Gualberto.

Há quase 30 anos, um grupo de jovens revolucionou o carnaval da capital paraibana ao criar o Muriçocas do Miramar. O nome do bloco tem explicação. “Na época, a cidade ficava vazia nesse período. As pessoas saíam para brincar carnaval em Olinda, Recife e Salvador. Dizia-se que só ficavam na cidade as muriçocas (pernilongos), que abriam alas para voar. Os fundadores resolveram homenagear as muriçocas do bairro Miramar, onde moravam”, explica Gualberto.

Quarta-feira de fogo?

É assim que é chamado o dia do desfile do segundo maior bloco de arrasto do país, que anima o pré-carnaval da cidade de João Pessoa (PB). A explicação é simples: o bloco desfila na quarta-feira que antecede o Carnaval. Se após a Festa de Momo vem a Quarta-feira de Cinzas, antes tem a Quarta-feira de Fogo. O idealizador do termo foi o cantor e compositor Fuba, diretor artístico e cofundador do bloco.

A ideia surgiu no aniversário do filho de Gualberto, em 1986. As crianças estavam fantasiadas de Pirata. Um grupo de amigos, ao final da festa, resolveu sair pelas ruas do bairro fazendo barulho, batendo em latas e panelas. Era uma terça-feira de carnaval. A folia foi tão boa que os jovens amigos decidiram fazer um bloco para sair pelas ruas no ano seguinte. Porém, escolheram outro dia. “Decidimos fazer na quarta-feira porque, naquela época, quando chegava a quinta-feira, todo mundo viajava. Isso acabou sendo fundamental para o sucesso do bloco”, conta o presidente. Na madrugada da terça para a quarta-feira, o bloco “Acorde Miramar” percorre as ruas do bairro anunciando a chegada da Quarta-feira de Fogo.

O bloco ganhou as ruas da capital paraibana pela primeira vez em 1987. Eram cerca de 50 foliões acompanhando um carro de som. Uma carroça puxada por um burrinho levava as crianças. Quase 30 anos depois, cerca de 500 mil pessoas tomam a principal avenida da cidade animadas por 11 trios elétricos e diversas atrações musicais. Já os pequenos hoje têm um bloco próprio: as Muriçoquinhas.

Após o sucesso de o Muriçocas se consolidar, outros blocos foram surgindo e foi criado o movimento Folia de Rua, que anima o pré-carnaval de João Pessoa. A revolução cultural gerada pela criação do bloco foi tão significativa que o Muriçocas do Miramar foi oficializado pelo governo do estado como Patrimônio Cultural e Imaterial da Paraíba. “Deixou de ser simplesmente um bloco e se transformou num movimento cultural da cidade, reunindo todos os segmentos de cultura: artistas plásticos, músicos, artistas cênicos, coreógrafos, bailarinos, atores, que fazem desse dia uma grande celebração da alegria”, afirma Fuba.

MuriçocAriano

A cada ano, o bloco escolhe uma personalidade da cultura nordestina para homenagear. Este ano foi o poeta, dramaturgo e romancista Ariano Suassuna, que morreu em julho do ano passado, aos 87 anos.

Foto de: Marco Pimentel

Fuba e Mayara - Marco Pimentel

Fuba e Mayara Gonçalves: pai e filha cantam juntos
no desfile do bloco. Duas gerações a serviço da alegria

Suassuna criou obras como O Auto da Compadecida, A Pedra do Reino, O País de São Saruê, entre outras. Ele também foi o idealizador do Movimento Armorial, que buscava criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular nordestina, da qual Ariano era profundo conhecedor e defensor. 

Como parte da homenagem, o tradicional estandarte do bloco este ano foi pintado pelo artista plástico Lucas Suassuna, neto do grande pensador paraibano.

A cada ano, os estandartes são um espetáculo à parte. Cria-se a expectativa a respeito de que artista ficará responsável pela confecção. A obra de arte só é revelada quando as Muriçocas do Miramar levantam voo na avenida. Todos os estandartes ficam expostos na sede do bloco. Na Quarta-feira de Fogo, todos vão para a avenida, contando a história da agremiação.

Além dos estandartes confeccionados por artistas da região, a parte musical também busca valorizar a prata da casa. Além dos artistas locais, a organização escolhe uma atração de alcance nacional, que este ano foi Alceu Valença.

Nova geração

Filha do cantor Fuba, Mayara Gonçalves desfilou pela primeira vez no Muriçocas do Miramar ainda na barriga da mãe, a musicista paraibana Guta Gonçalves. Ela cresceu vendo a luta para colocar o bloco na rua e hoje é uma das atrações musicais do bloco. “A avenida pega fogo na quarta-feira, mas os bastidores são bem mais quentes, movidos pela paixão de ver o que começou como uma brincadeira entre amigos virar o maior bloco pré-carnavalesco do Brasil”, afirma.

Hoje, os filhos dos fundadores participam ativamente da direção do bloco. Uma nova geração vai, aos poucos, tomando conta do gerenciamento e inovações do Muriçocas. Mas para Mayara, a principal característica do bloco é a participação familiar. “As pessoas brincam o carnaval em família. Pessoas de todas as idades, de todas as classes sociais conseguem participar da mesma alegria, sem cordão de isolamento, sem abadás. Uma verdadeira festa para todos”, conclui.

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