Por Eduardo Gois Em Notícias Atualizada em 18 MAR 2019 - 11H05

Papa escreve Encíclica "Laudato si"

“Certo é que o atual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas finalidades da ação humana: Se o olhar percorre as regiões do nosso planeta, apercebemo-nos depressa de que a humanidade frustrou a expectativa divina”. É com essa forte observação que o Papa Francisco termina o primeiro dos seis capítulos da Encíclica Laudato si, lançada no dia 18 de junho e que fala sobre o cuidado da casa comum, também chamada de modo mais popular de Encíclica Ecológica ou Encíclica Verde.

Foto de: Agência Brasil

Francisco - Agência Brasil

Francisco desafia atuais modelos
de desenvolvimento e consumo

Francisco desperta, entre outros assuntos, toda a humanidade a observar em quais pontos os seres humanos erraram na relação com o planeta e de que forma deve-se seguir. Ele lembra a poluição, as mudanças climáticas, a relação das pessoas com a água, a perda da biodiversidade, a deterioração da qualidade da vida humana, a degradação social, mostra onde o dedo humano foi o principal agente de destruição, questiona sobre a falha em garantias dos direitos dos mais pobres e excluídos e indica uma educação ambiental.

“O que mais me impressiona na encíclica é que o Papa logo no primeiro capítulo fala da Amazônia. Eu estive com o Papa e ele me falou que estava pensando em uma encíclica. Então pedi que ele não se esquecesse da Amazônia e dos povos indígenas, que têm uma função importante no planeta. Realmente fico muito grato que o Papa assumiu nossas preocupações”, comenta o bispo da prelazia do Xingu, dom Erwin kräutler.

No trecho dedicado a Amazônia o Papa cita a importância destes lugares para o conjunto do planeta e para o futuro da humanidade. “Os ecossistemas das florestas tropicais possuem uma biodiversidade de enorme complexidade, quase impossível de conhecer completamente, mas quando essas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos desertos”, cita o Papa.

A encíclica também pede que as lideranças políticas e empresariais alterem o atual modelo de desenvolvimento que implica uma tendência de privatização da água pelas multinacionais e a sua consequente escassez.

Na avaliação de dom Erwin é impossível também pensar que um dom de Deus, como a água absolutamente necessária para a sobrevivência da população, seja privatizado.

O especialista em política internacional e Mestre em Integração da América Latina e autor de diversos artigos sobre política, economia, sustentabilidade e ecologia, professor Marcus Eduardo de Oliveira, comenta que o uso das águas, dos solos, dos oceanos, das florestas, da vida plena e soberana que perpassa pela questão ecológica é um direito de todos. Garantir isso sem ameaças à sobrevivência da humanidade passa, em primeiro plano, por assegurar às condições para que isso aconteça. “Quando falamos então que agredir a Terra é agredir o próprio homem, estamos fazendo alusão ao fato de que todos nós nos pertencemos mutuamente. Essa me parece ser a ideia central da encíclica de Francisco ao destacar e enfatizar a ecologia integral. Há uma passagem na encíclica que me apraz muito: ‘Gemidos da irmã Terra se unem aos gemidos dos abandonados deste mundo’”.

 

Na opinião do professor a encíclica resume duas problemáticas interligadas que carecem de resolução: a questão ambiental, com o esgotamento do patrimônio natural (depleção ecossistêmica), e a questão da desigualdade social que vem a reboque do problema ecológico, tendo em conta que inegavelmente os pobres são os mais afetados pelos desequilíbrios climáticos e ecológicos. 

Foto de: Deniele Simões / JS

Dom Erwin - Deniele Simões JS

Dom Erwin: "A Encíclica é bem clara e quer atingir
a todas e a todos, independentemente de que
confissão ou religião sejam"

Para o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo de Brasília, dom Sérgio da Rocha, o Papa traz à tona um tema atual. “Os problemas são muito urgentes”, ressalta. 

Na explicação de dom Sérgio temos as responsabilidades compartilhadas quando o assunto é o planeta. “Temos vários níveis. Dá para se perceber um nível mais pessoal, um nível comunitário e um nível social, com graus diferentes. Aqui se fala de governo, de empresas, de organizações da sociedade civil, internacionais, e o que cada um de nós pode e deve fazer para esse cuidado da casa comum. Ler e conhecer bem a temática ecológica, as reflexões, as indicações são muito importantes”, aponta.

Francisco critica o comportamento suicida de um sistema econômico mundial que transformou o planeta em um deposito de lixo. Segundo ele, o mercado cria um mecanismo compulsivo para promover os seus produtos, mas esse não pode ser o paradigma de vida da humanidade.

Aplicando ao Brasil, dom Erwin exemplifica com a ideia atual de progresso do país. “Atualmente, no atual governo, por exemplo, só se está querendo progredir no sentido de aumentar a exportação, de ampliar o agronegócio. É tão importante que os membros do Congresso, do Governo, do Legislativo até do Supremo leiam essa encíclica para dar conta até que ponto estamos em um caminho que leva benefícios para pobres cada vez mais pobres. Não é possível que pelo caminho do agronegócio resolva o problema do Brasil. Porque o agronegócio, como nós o conhecemos, também é responsável pela deterioração do solo e pela derrubada das florestas. Aqui no Pará, onde me encontro há 50 anos, eu sei o que se faz, derrubando florestas, arrasando com a mata.”

Marcus Eduardo, observa que o caminho é um só: mudança de paradigma. “É imprescindível ter noção, por exemplo, que crescimento é uma coisa e desenvolvimento é outra bem diferente. Enquanto crescimento está associado à quantidade, desenvolvimento está relacionado à qualidade. Se pretendermos ter um mundo econômico e ecologicamente sustentável, que se sustenta ao longo do tempo, na acepção que esse termo denota, devemos abandonar as políticas econômicas que respondem pela expansão da economia, até mesmo porque o Planeta não suporta mais essa pressão para atender aos anseios do mercado de consumo. Logo, somente uma mudança de rota, de modelo, de paradigma pode ser capaz de nos oferecer alternativas”, opina.

Encíclica é assunto que ultrapassa fronteiras convencionais

Não importa o credo ou qualquer orientação, se você é um ser humano necessariamente precisa de um planeta sustentável e também é responsável por contribuir com a tal sustentabilidade em questão.

Dom Erwin ressalta que o Papa não se dirige apenas aos fiéis da Igreja Católica. “A encíclica é bem clara e quer atingir a todas e a todos. Independentemente de que confissão ou religião sejam. “A sobrevivência da humanidade, o problema da ecologia é assunto que ultrapassa todas as fronteiras convencionais. É assunto de todos os seres humanos. O Papa quer dar sua contribuição nesse sentido chamando a atenção, sensibilizando o mundo. Na sua posição de pastor, ao mesmo tempo de Sumo Pontífice e Papa da Igreja Católica, que abrange milhões de pessoas, ele se dirige ao mundo inteiro, à classe política, à classe empresarial, mas, também, ao pequeno homem, à pequena mulher que estão trabalhando, que são empregados, que estão aí lutando pela sobrevivência. Ninguém é excluído. A encíclica se dirige a todos.”

 

Foto de: Eduardo Gois / JS

Dom Sérgio - Eduardo Gois JS

Dom Sérgio: "Não se fala só da ecologia ambiental, mas
de uma ecologia mais humana, de uma visão integral da
ecologia, com os vários níveis: ambiental, econômico,
social e cultural"

É um momento em que a religião se encontra alinhada com o que a ciência vinha falando há muito tempo. “O momento é oportuno para a prática daquilo que já está no documento de Aparecida: ‘ver, julgar, agir e celebrar’. A visão central do Papa sobre a crise ecológica está nos mecanismos da tecnocracia, ou seja, num tipo de governo, de atuação, em que a ciência está na base. Não há como dissociar ciência e religião. É uma estupidez intelectual pensar nessa separação”, explica professor Marcus Eduardo.

Segundo o especialista o laicato presente nas ciências não a afasta, sobremaneira, de um alinhamento às questões de ordem religiosa. “A ciência está aí, com seu saber científico, para justamente ajudar a espiral religiosa a compreender os fatos e a entender a dinâmica específica dos problemas, tentando ajudar no encontro de alternativas visando superá-los”.

Dom Sérgio da rocha diz que internacionalmente falando, a própria encíclica vai dar uma contribuição grande para a próxima conferência que vai acontecer em Paris. “Nós acreditamos que não é só lá que vai repercutir, mas, esperamos que, também aqui para as instâncias mais ligadas ao meio ambiente”, pontua o presidente da CNBB, referindo-se às conferências que até dezembro, em Paris, vão decorrer uma série de eventos destinados a definir um novo acordo climático global pós-2020, centrado na redução de emissões para limitar o aumento médio de temperatura em 2º.

Repercussão

Falando em repercussão as palavras do Papa deram o que falar. Organismos de todo o mundo e a imprensa internacional destacaram a encíclica. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, parabenizou o lançamento da encíclica do Papa Francisco.

Para o chefe da ONU, a humanidade tem um papel importante no cuidado e proteção do seu lar, o planeta Terra, e na mostra de solidariedade com os membros mais pobres e vulneráveis da sociedade, que são quem mais sofrem com os impactos do clima.

“Este clamor deveria guiar o mundo rumo a um acordo climático universal forte e duradouro em Paris no final do ano”, disse a secretária-geral do Secretariado da Mudança Climática da ONU, Christiana Figueres.

Foto de: Arquivo Pessoal

Marcus Eduardo - Arquivo Pessoal

Marcus Eduardo: "Um crucial erro que vejo está
estabelecido no fato de a humanide ter criado
um modelo de progresso embutido numa torpe
visão de que a materialidade é a razão suprema
da obtenção da felicidade"

O diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Achim Steiner, também felicitou o explícito chamado do chefe da Igreja Católica para a ação, alinhando a ciência e a religião para encontrar respostas à degradação ambiental e às mudanças climáticas. “Dado o que sabemos hoje sobre o estado do nosso planeta e as escolhas que podemos fazer, não pode haver equívocos ante o risco de sofrermos graves consequências. Todos nós devemos reconhecer a necessidade de reduzir o nosso impacto ambiental, além de consumir e produzir de forma sustentável”, disse Steiner. 

Já a diretora executiva do Programa Mundial de Alimentos da ONU (PMA), Ertharin Cousin, destacou que não será possível alcançar o marco da fome zero se não combater as mudanças climáticas. “Desastres ambientais relacionados às mudanças climáticas, tais como inundações e secas, aumentam a insegurança alimentar e a desnutrição quando a terra para agricultura é afetada e suprimentos alimentares essenciais são muitas vezes destruídos”, disse Cousin.

A chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Helen Clark, também comentou a encíclica afirmando que os pobres e marginalizados são os mais vulneráveis à mudança global do clima e que os objetivos de desenvolvimento sustentável propostos devem traçar um novo caminho que beneficie a todos e proteja o planeta.

“A mudança climática não é mais só um tema científico; é cada vez mais um tema moral e ético”, afirmou Yolanda Kakabadse, presidente do grupo internacional de conservação ambiental WWF. “Ela afeta as vidas, o sustento e os direitos de cada um, especialmente dos pobres, dos marginalizados e das comunidades mais vulneráveis.”

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