Por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R. Em História da Igreja Atualizada em 21 SET 2017 - 09H56

História da Igreja na América Latina: A Lei do Padroado

História da Igreja na América Latina 
Parte 11 

A Cristandade Americana havia começado na passagem do século XV para o XVI, mais precisamente em 1492 e 1500, quando espanhóis e portugueses aqui chegaram. Este ideal que unia as forças da Igreja e do Império acabou levando ao controle do Estado sobre a Igreja, tanto nas colônias da Espanha como nas de Portugal, mas entrará em crise a partir do princípio do século XIX quando terá início o processo de separação da Igreja em relação ao Estado, o que determinará o fim da tão mal falada Lei do Padroado. 

O controle do Estado sobre a Igreja

Isto se deu com a permissão de Roma e aconteceu através do sistema do Padroado. Considerava-se o Estado “oficialmente católico”, com o dever de proteger a Igreja, dizendo estar ao seu serviço, cuidando da sua missão primeira que era conquistar os infiéis para Cristo e “salvar almas”. Podemos identificar nessa situação de união a fonte do conservadorismo católico da América, reinante em diversos setores católicos ainda nos dias de hoje.

O domínio do Estado se fez a partir das concessões da Santa Sé e assim a Igreja se fez mediadora da dominação das classes subalternas pelas classes dominantes. A partir desta confirmação do Papa os europeus incluíram como finalidade de sua expansão a propagação da fé de Cristo e de seu evangelho. A empreitada colonial era vista, portanto, como uma empreitada de fé. A Praxis Colonial se legitima por uma fundamentação religiosa.

 

"...a partir da Lei do Padroado muitas vezes o ato de colonizar se confundia com o de evangelizar; a ordem temporal se misturava com a ordem espiritual, a esfera política com o eclesial e o econômico com o evangélico".

O papa, que ainda mantinha-se como a maior autoridade do mundo, primeiramente reconheceu o domínio de Portugal sobre as terras descobertas ou por descobrir, mas seu domínio era exclusivo na África, e tudo o que procedesse de modo contrário seria excomungado. A coroa portuguesa recebeu o Direito do Padroado e junto, o dever de propagação da fé entre os povos dominados. Desta forma, a partir da Lei do Padroado muitas vezes o ato de colonizar se confundia com o de evangelizar; a ordem temporal se misturava com a ordem espiritual, a esfera política com o eclesial e o econômico com o evangélico.

Neste mundo de conforto só as ordens militares como a Ordem de Cristo não se sujeitavam ao rei ou ao Estado, pois estavam ligadas diretamente à Santa Sé e tinham maior liberdade de ação. Isso sempre foi uma fonte de conflito com as autoridades coloniais. O mesmo se deu também com a Companhia de Jesus, os Jesuítas, até chegar a ser expulsa de Portugal e de todas as suas colônias.

Como instrumentos jurídicos existiam algumas bulas papais, especialmente a Universalis Eclesiae, de 1508 e a Examiae Devontionis Sinceritas, de 1501. Estas bulas reafirmavam o poder pontifício e a delegação que os papas faziam.

Foto de: reprodução.

Procissão

O ideal de Cristandade levou à criação de uma sociedade oficialmente cristã. 

 

A Lei do Padroado

A Lei do Padroado (Ius Patronatus) organizava as relações entre a Igreja e o Estado. Por ela, direitos e deveres de ambos os lados eram bem determinados. Desta forma, a organização e a administração da Igreja ficavam nas mãos do Estado, através da Casa de Contratação, a mesma que cuidava da economia e dos aspectos militares e administrativos na América.

A partir de 1524 o Padroado começa a ser exercido pelo Conselho das Índias que se torna então o órgão supremo e última autoridade nas Índias. Assim, pelo Padroado que lhes concedia um conjunto de faculdades especiais e de privilégios, os reis e outros mandatários de Portugal e Espanha assumiam a direção e organização da Igreja. Desta forma se entendia esta relação: As leis da Igreja são as leis do Estado e vice-versa.

Direitos que o Padroado concedia aos reis de Portugal e Espanha:

- Posse de todas as terras descobertas ou por descobrir;
- Posse dos dízimos das Igrejas fundadas e por fundar;
- Direito de apresentar os candidatos ao episcopado e outras dignidades eclesiásticas aos papas.

Na verdade, o Padroado torna-se uma forma de Vicariato Régio, pois controlando as nomeações das altas dignidades eclesiásticas, o Estado controla toda a vida da Igreja.

Indicação ao Episcopado

Como se dava o processo de nomeação eclesiástica?

O conselho das Índias avisava ao escolhido através de uma cédula real, que era um documento emitido pelo rei, mas reservava-se ao indicado o direito de uma resposta negativa.A partir de sua resposta afirmativa se enviava ao embaixador do rei em Roma uma cédula real para que o candidato fosse apresentado em consistório.

Outra cédula, chamada de rogo e encargo permitia que o candidato partisse para o seu destino, mesmo sem ter ainda as bulas e cartas executórias. Estas eram enviadas pelo rei ao Cabildo Catedralício como forma de se abreviar o tempo.

A partir da sessão do consistório se fazia a cédula consistorial e depois a bula de nomeação que eram enviadas ao Conselho das Índias. Fazia-se então a cédula real executória e esta era enviada ao Bispo, ao Cabildo e outras autoridades. O eleito devia fazer então o juramento de fidelidade ao rei e só assim vinha sua consagração episcopal que podia se dar na Península ou na América. A viagem à diocese para aqueles que se encontravam na Península era custeada pela coroa.

Todo o processo era bem longo, com duração de até dois 2 anos, por isso muitas dioceses das Américas ficavam vacantes por longos períodos, prejudicando sensivelmente a pastoral.

Foto de: reprodução.

Igreja de São Francisco, Recife

Até meados do século XVIII, o estado controla a atividade eclesiástica na colônia através
do Padroado, arcando com o sustento de Igreja e sua obra de evangelização. 

 

A Igreja diante da Sociedade Civil

Com sua ação, a Igreja ajudou a criar um consenso na Sociedade Civil, dando apoio ideológico ao Estado e definindo o seu fim através da ideia de Cruzada ou Guerra Santa. O ideal de Cristandade justificava a ação do Estado e este, por sua vez, justificava a coerção exercida pela Igreja sobre a Sociedade Civil, pois ela tinha a hegemonia absoluta sobre o povo cristão. Como elementos para favorecer este espírito havia a ação das universidades e dos colégios católicos onde se formava a nata da colônia.

O Estado espanhol ou português tornou-se, desta forma, o braço secular da Igreja. De uma parte o Estado dava todas as facilidades à Igreja como a assistência econômica para que ela cumprisse sua missão, pondo à sua disposição as forças de coerção, se preciso fosse. Por outro lado, de sua parte a Igreja legitimava o poder do Estado, fechando os olhos à injustiça institucionalizada. 

Contradições Proféticas na Cristandade

Esta realidade não era, porém, muito tranquila, e com o passar do tempo surgiram conflitos entre a ordem econômica e a denúncia profética da Igreja. Os missionários, especialmente os religiosos, eram contrários à exploração dos índios no sistema de Encomiendas ou Repartimientos e diversos bispos também se opuseram abertamente a ele. Por isso mesmo, em 1542 foram promulgadas as Leis Novas ordenando o fim do Sistema de Encomiendas.

Como expoentes desse profetismo nas Américas temos a chamada Corrente Indigenista encabeçada, sobretudo, pelos dominicanos onde se destaca os Freis Bartolomeu de Las Casas e Juan de Zumarraga

Foto de: reprodução.

São Turíbio de Mongrovejo

Os missionários sempre buscavam
vivenciar aqui na América Latina
o verdadeiro profetismo.

Na imagem, São Turíbio de Mongrovejo. 

Outras críticas passaram a ser feitas ao Padroado no nível político da Cristandade: Criticava-se os abusos do Padroado e sua própria essência como pecaminosa. O maior expoente desta corrente é o Frei Turíbio de Mongrovejo que buscou comunicar-se direto com Roma, sem passar pela coroa espanhola.

Roma também queria estabelecer uma Nunciatura na América desde o início, mas o rei foi contrário por que isso diminuiria o seu poder. No lugar, acabou propondo o estabelecimento de um patriarcado que foi estabelecido em 1524, mas teve um caráter apenas honorífico.

Por causa das dificuldades e entraves na relação sucederam-se rebeliões do povo contra a Cristandade. Entre elas contam-se as sublevações de indígenas na região dos Chispanecas (1532) e a rebelião dos Lacandones (1545). Entre 1539 e 1694 tivemos 24 rebeliões Indígenas no México.

A opressão sofrida era vista como coisa dos cristãos, mas se rebelava contra os maus tratos e não contra a Igreja. Infelizmente, como também aconteceu no Brasil, na maioria das vezes o destino dos heróis populares que participaram destas rebeliões foi a morte ou a excomunhão.

 

Padre Inácio Medeiros, C.Ss.R. 
Mestre em História da Igreja  
pela Universidade Gregoriana 

Escreve série sobre a 
História da Igreja no Brasil 
para o A12.com

Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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