História da Igreja na América Latina
Parte 11
A Cristandade Americana havia começado na passagem do século XV para o XVI, mais precisamente em 1492 e 1500, quando espanhóis e portugueses aqui chegaram. Este ideal que unia as forças da Igreja e do Império acabou levando ao controle do Estado sobre a Igreja, tanto nas colônias da Espanha como nas de Portugal, mas entrará em crise a partir do princípio do século XIX quando terá início o processo de separação da Igreja em relação ao Estado, o que determinará o fim da tão mal falada Lei do Padroado.
O controle do Estado sobre a Igreja
Isto se deu com a permissão de Roma e aconteceu através do sistema do Padroado. Considerava-se o Estado “oficialmente católico”, com o dever de proteger a Igreja, dizendo estar ao seu serviço, cuidando da sua missão primeira que era conquistar os infiéis para Cristo e “salvar almas”. Podemos identificar nessa situação de união a fonte do conservadorismo católico da América, reinante em diversos setores católicos ainda nos dias de hoje.
O domínio do Estado se fez a partir das concessões da Santa Sé e assim a Igreja se fez mediadora da dominação das classes subalternas pelas classes dominantes. A partir desta confirmação do Papa os europeus incluíram como finalidade de sua expansão a propagação da fé de Cristo e de seu evangelho. A empreitada colonial era vista, portanto, como uma empreitada de fé. A Praxis Colonial se legitima por uma fundamentação religiosa.
"...a partir da Lei do Padroado muitas vezes o ato de colonizar se confundia com o de evangelizar; a ordem temporal se misturava com a ordem espiritual, a esfera política com o eclesial e o econômico com o evangélico".
O papa, que ainda mantinha-se como a maior autoridade do mundo, primeiramente reconheceu o domínio de Portugal sobre as terras descobertas ou por descobrir, mas seu domínio era exclusivo na África, e tudo o que procedesse de modo contrário seria excomungado. A coroa portuguesa recebeu o Direito do Padroado e junto, o dever de propagação da fé entre os povos dominados. Desta forma, a partir da Lei do Padroado muitas vezes o ato de colonizar se confundia com o de evangelizar; a ordem temporal se misturava com a ordem espiritual, a esfera política com o eclesial e o econômico com o evangélico.
Neste mundo de conforto só as ordens militares como a Ordem de Cristo não se sujeitavam ao rei ou ao Estado, pois estavam ligadas diretamente à Santa Sé e tinham maior liberdade de ação. Isso sempre foi uma fonte de conflito com as autoridades coloniais. O mesmo se deu também com a Companhia de Jesus, os Jesuítas, até chegar a ser expulsa de Portugal e de todas as suas colônias.
Como instrumentos jurídicos existiam algumas bulas papais, especialmente a Universalis Eclesiae, de 1508 e a Examiae Devontionis Sinceritas, de 1501. Estas bulas reafirmavam o poder pontifício e a delegação que os papas faziam.
Foto de: reprodução.
O ideal de Cristandade levou à criação de uma sociedade oficialmente cristã.
A Lei do Padroado
A Lei do Padroado (Ius Patronatus) organizava as relações entre a Igreja e o Estado. Por ela, direitos e deveres de ambos os lados eram bem determinados. Desta forma, a organização e a administração da Igreja ficavam nas mãos do Estado, através da Casa de Contratação, a mesma que cuidava da economia e dos aspectos militares e administrativos na América.
A partir de 1524 o Padroado começa a ser exercido pelo Conselho das Índias que se torna então o órgão supremo e última autoridade nas Índias. Assim, pelo Padroado que lhes concedia um conjunto de faculdades especiais e de privilégios, os reis e outros mandatários de Portugal e Espanha assumiam a direção e organização da Igreja. Desta forma se entendia esta relação: As leis da Igreja são as leis do Estado e vice-versa.
Direitos que o Padroado concedia aos reis de Portugal e Espanha:
- Posse de todas as terras descobertas ou por descobrir;
- Posse dos dízimos das Igrejas fundadas e por fundar;
- Direito de apresentar os candidatos ao episcopado e outras dignidades eclesiásticas aos papas.
Na verdade, o Padroado torna-se uma forma de Vicariato Régio, pois controlando as nomeações das altas dignidades eclesiásticas, o Estado controla toda a vida da Igreja.
Indicação ao Episcopado
Como se dava o processo de nomeação eclesiástica?
O conselho das Índias avisava ao escolhido através de uma cédula real, que era um documento emitido pelo rei, mas reservava-se ao indicado o direito de uma resposta negativa.A partir de sua resposta afirmativa se enviava ao embaixador do rei em Roma uma cédula real para que o candidato fosse apresentado em consistório.
Outra cédula, chamada de rogo e encargo permitia que o candidato partisse para o seu destino, mesmo sem ter ainda as bulas e cartas executórias. Estas eram enviadas pelo rei ao Cabildo Catedralício como forma de se abreviar o tempo.
A partir da sessão do consistório se fazia a cédula consistorial e depois a bula de nomeação que eram enviadas ao Conselho das Índias. Fazia-se então a cédula real executória e esta era enviada ao Bispo, ao Cabildo e outras autoridades. O eleito devia fazer então o juramento de fidelidade ao rei e só assim vinha sua consagração episcopal que podia se dar na Península ou na América. A viagem à diocese para aqueles que se encontravam na Península era custeada pela coroa.
Todo o processo era bem longo, com duração de até dois 2 anos, por isso muitas dioceses das Américas ficavam vacantes por longos períodos, prejudicando sensivelmente a pastoral.
Foto de: reprodução.
Até meados do século XVIII, o estado controla a atividade eclesiástica na colônia através
do Padroado, arcando com o sustento de Igreja e sua obra de evangelização.
A Igreja diante da Sociedade Civil
Com sua ação, a Igreja ajudou a criar um consenso na Sociedade Civil, dando apoio ideológico ao Estado e definindo o seu fim através da ideia de Cruzada ou Guerra Santa. O ideal de Cristandade justificava a ação do Estado e este, por sua vez, justificava a coerção exercida pela Igreja sobre a Sociedade Civil, pois ela tinha a hegemonia absoluta sobre o povo cristão. Como elementos para favorecer este espírito havia a ação das universidades e dos colégios católicos onde se formava a nata da colônia.
O Estado espanhol ou português tornou-se, desta forma, o braço secular da Igreja. De uma parte o Estado dava todas as facilidades à Igreja como a assistência econômica para que ela cumprisse sua missão, pondo à sua disposição as forças de coerção, se preciso fosse. Por outro lado, de sua parte a Igreja legitimava o poder do Estado, fechando os olhos à injustiça institucionalizada.
Contradições Proféticas na Cristandade
Esta realidade não era, porém, muito tranquila, e com o passar do tempo surgiram conflitos entre a ordem econômica e a denúncia profética da Igreja. Os missionários, especialmente os religiosos, eram contrários à exploração dos índios no sistema de Encomiendas ou Repartimientos e diversos bispos também se opuseram abertamente a ele. Por isso mesmo, em 1542 foram promulgadas as Leis Novas ordenando o fim do Sistema de Encomiendas.
Como expoentes desse profetismo nas Américas temos a chamada Corrente Indigenista encabeçada, sobretudo, pelos dominicanos onde se destaca os Freis Bartolomeu de Las Casas e Juan de Zumarraga
Foto de: reprodução.
Os missionários sempre buscavam
vivenciar aqui na América Latina
o verdadeiro profetismo.
Na imagem, São Turíbio de Mongrovejo.
Outras críticas passaram a ser feitas ao Padroado no nível político da Cristandade: Criticava-se os abusos do Padroado e sua própria essência como pecaminosa. O maior expoente desta corrente é o Frei Turíbio de Mongrovejo que buscou comunicar-se direto com Roma, sem passar pela coroa espanhola.
Roma também queria estabelecer uma Nunciatura na América desde o início, mas o rei foi contrário por que isso diminuiria o seu poder. No lugar, acabou propondo o estabelecimento de um patriarcado que foi estabelecido em 1524, mas teve um caráter apenas honorífico.
Por causa das dificuldades e entraves na relação sucederam-se rebeliões do povo contra a Cristandade. Entre elas contam-se as sublevações de indígenas na região dos Chispanecas (1532) e a rebelião dos Lacandones (1545). Entre 1539 e 1694 tivemos 24 rebeliões Indígenas no México.
A opressão sofrida era vista como coisa dos cristãos, mas se rebelava contra os maus tratos e não contra a Igreja. Infelizmente, como também aconteceu no Brasil, na maioria das vezes o destino dos heróis populares que participaram destas rebeliões foi a morte ou a excomunhão.
Padre Inácio Medeiros, C.Ss.R.
Mestre em História da Igreja
pela Universidade Gregoriana
Escreve série sobre a
História da Igreja no Brasil
para o A12.com
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