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A diferença entre o culto à Virgem Maria e o culto aos santos

Escrito por Academia Marial

30 OUT 2023 - 11H00 (Atualizada em 28 OUT 2024 - 11H32)

“Todas as gerações, de agora em diante, me chamarão Bem-aventurada, porque o Poderoso fez para mim coisas grandiosas” (Lc 1,48b-49).

A reflexão sobre a forma de culto a Virgem Maria está sempre vinculada ao próprio Cristo e à comunhão de participação da vida, isto é, dos mistérios, e da missão do Filho de Deus. A Virgem Maria, mais do que todos os seres humanos, santos e anjos do Céu, participa de uma união profunda da vida e da missão de Cristo, e é por isso que a Igreja desde tempos antigos conserva uma devoção e culto particular a Ela.

Histórico das formas de culto

A Igreja desde a antiguidade, além dos santos anjos, já cultuava os santos mártires, virgens e confessores; homens e mulheres que viveram uma vida de santidade, uma vida dedicada ao Senhor e à salvação das almas, e lutaram heroicamente para permanecer no caminho de salvação.

Esse culto era uma forma muito espontânea e devocional, que no ‘senso de fé’ popular não existiam erros ou ambiguidade, pois na consciência daqueles que viviam a verdadeira fé, por crerem no Deus uno e trino, entendiam que a Deus é dado um culto particular, pois só Ele é Criador e o seu culto não pode ser igualado ao da criatura. Para o povo antigo, isso não era um problema, pois para aqueles que viviam a verdadeira fé, pelo ‘sensus fidei’, sem precisar de muitas reflexões, era clara a diferença de culto entre Deus e os santos.

A questão sobre o culto aos santos e voltará à tona no século VIII e IX, quando começam os conflitos iconoclastas. O termo iconoclasta (Eikon: Imagem, Klastein (quebrar) significa literalmente: quebrador de imagem.

Neste período da história o imperador Leão III (717-741) iniciou uma grande perseguição contra o culto das imagens por volta do ano 730, onde ele enviou emissários para que entrasse nas igrejas e recolhessem as imagens de culto e destruíssem, qualquer tipo de representação imagética. A questão iconoclasta vai perdurar até o sétimo concílio de Niceia (787), que foi chamado pela imperatriz Irene, para a resolução da questão sobre a veneração das imagens e dos santos. O catecismo cita este mesmo concílio, e diz:

“Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que o sétimo Concílio ecumênico, em Niceia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao se encarnar, o Filho de Deus inaugurou uma nova ‘economia’ das imagens. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, ‘a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original’” (CEC 2131-2132).

Com esse desenvolvimento a Igreja depois do concílio de Niceia (787), vai trazer diferenciações fundamentais para o culto dirigido a Deus, Maria, Anjos e Santos.

Assim, se trouxe para reflexão teológica e pastoral os termos Latria, Hiperdulia e Dulia. O termo latria significa adoração, culto dado somente a Deus; a hiperdulia significa veneração elevada ou acima da outras, que é dado à Virgem Maria; e o culto de dulia que significa veneração. Assim, para formar melhor a consciência do povo de Deus e a conduzi-lo à prática da verdadeira fé, a Igreja vai nos proporcionar a reflexão sobre esta hierarquia de valores.

Diferença entre o culto à Virgem Maria e aos Anjos e Santos

Wikipedia
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Como já foi visto, existem espécies de cultos que ajudam à reflexão sobre uma hierarquia de valores na consciência, pois toda espécie de devoção tem o seu fim último o próprio Deus, como o próprio Cristo diz: “Assim também brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos Céus” (Mt 5,16). Desta forma, entende-se que o ser humano e os anjos, em nada aumentam a grandeza de Deus, mas tornam o Criador conhecido, lembrado, amado e mais adorado.

Por isso, tendo em vista o culto de adoração a Deus, que é a latria, que é o dado somente a Deus, pode-se entender o culto dado à Virgem Maria e aos anjos e santos.

O culto à Virgem Maria e aos santos possui o seu verdadeiro sentido dentro da comunhão dos santos, que possibilita a reflexão eclesiológica e antropológica.

Na perspectiva eclesiológica, Maria está num lugar privilegiado do Corpo Místico de Cristo, pois todos os seguidores de Jesus são membros deste corpo místico, sendo assim, aquela que está mais próximo de Cristo é a Virgem Maria, por isso, que os antigos designavam Maria com o título de Torre de Davi (Ct 4,4) e Torre de Marfim (Ct 7,5), e essas imagens mariológicas remetem-se ao pescoço do corpo místico, aquela que une a cabeça, que é Cristo, ao resto dos membros do corpo místico.

Isso dá uma ideia de que Maria está num grau hierárquico mais elevado. Mas, esta reflexão não pode parar no aspecto eclesiológico para não corromper a concepção social da Igreja, e por isso, é necessário refletir sobre o âmbito antropológico.

Na perspectiva antropológica, é necessário compreender o ser humano como criado à “imagem e semelhança” (Gn 1,26) de Deus, pois isto permite a reflexão sobre aquela que é a “cheia de graça” (Lc 1,28), e se Maria é cheia da graça divina, é sinal de que nela se conserva a perfeição da imagem e semelhança, e é por isso, que num grau hierárquico, Maria está a frente de todos os homens e até dos anjos, pois, somente nela se conserva a plenitude na natureza humana, isto é, somente nela se conserva a perfeição original que Eva perdeu pela sua desobediência.

Assim, na ordem da graça, Maria está mais elevada do que qualquer outra criatura, pois nela se conserva a plenitude da natureza humana e da participação da vida de Deus, pois ela, em Cristo, possui uma relação intima com a Trindade.

Por isso, também, pode-se dizer que Maria é a primeira que: se consagrou (Lc 1,38), que acreditou (Lc 1,45), que anunciou (Lc 1,39-44), que adentrou ao discipulado (Jo 2,1-5) e a primeira que correspondeu o chamado de Deus (Lc 1,26-38). Por Maria o Filho de Deus veio ao mundo para salvar a humanidade, e assim, é necessário ter uma reverência especial para com ela. Outro aspecto importante, é que na ordem da graça, Maria é a única que pôde participar de forma profunda da vida e da missão de Cristo, coisa que os santos não puderam participar no grau de profundidade da Santíssima Virgem.

Os santos participam de um mistério da vida de Cristo, um mistério específico, que é como uma porta para a união com Deus, e por isso, que na ordem da graça os santos possuem um grau menos elevado que Maria, pois eles não possuem a plenitude da natureza humana, porque mesmo estando no Céu, unidos a Deus, eles ainda não possuem o corpo ressuscitado.

Esta concepção de diferença entre o culto dado à Virgem Maria e ao dado aos santos (dulia) não é uma reflexão unicamente gradativa, que busca tornar um mais elevado que o outro, ou um melhor que o outro; mas é uma reflexão vinculada a justiça, que dá a cada ‘um’ o que lhe é devido, buscando reconhecer não méritos e privilégios, mas sim a participação de cada um na história da salvação da humanidade, a obra que o próprio Deus realizou em cada um deles, e também a capacidade de refletir da luz de Cristo, aquele que é a “imagem do Deus invisível”(Cl 1,15).

Dessa forma, por Maria ter sido preservada do pecado, tendo sido nela conservada a imagem e semelhança da qual o ser humano foi criado, ela é aquela que mais perfeitamente expressa e reflete a imagem de Deus, ou seja, ela é aquela que mais manifesta Cristo ao mundo, por este motivo, que à Virgem Maria é necessário, por justiça, elevar um culto particular, pois dentre os seres humanos, mesmo ela sendo humana como nós, não há nenhum outro que se iguala a ela.

O culto de hiperdulia dado à Virgem Maria, muito mais exalta a obra que o próprio Deus realizou nela, unida a sua correspondência, e a sua participação na obra de salvação, do quê mostrá-la como uma super mulher ou um ser diferente de todos. Maria é toda humana e toda de Deus. Ela é toda humana no sentido mais pleno da palavra, isto é, ela ‘é’ e ‘está’ somente e tudo aquilo que Deus criou, toda humana e sem pecado.

Ela é toda de Deus, porque em tudo, Maria está toda inclinada a Deus, por isso que ela mesmo diz: “Eis aqui a escrava do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Maria é aquela que está toda dedicada a Deus, por inteiro, de corpo, alma e espírito.

O outro aspecto do culto de hiperdulia é a gratidão, pois nenhum ser humano nesta terra ou no céu e nenhum anjo, foi escolhido para trazer o salvador a esta terra, por isso, que é necessário, não só por justiça, mas também por gratidão, prestar um culto diferenciado à Virgem Maria, e isto não a exalta, mas sim o próprio Deus que realizou grandes coisas em sua humilde escrava (Lc 1,49).

Portanto, é preciso, por justiça e gratidão, dar à Virgem Maria um culto particular, pois só ela foi preservada do pecado, só ela é a mãe que trouxe o próprio Deus em seu ventre, só ela é virgem perpétua, e só ela recebeu o privilégio de estar de corpo e alma no céu junto de Deus. Só ela participou de todos os mistérios da vida de Cristo, tanto em plenitude quanto em profundidade.

Conclusão

Desta forma, o culto à Virgem Maria é uma exaltação do próprio Deus que realizou pelo seu próprio poder e força esta obra prima que é Mãe de seu Filho. Assim, Maria como ninguém, é o exemplo humano mais próximo de Deus, que nos é dado pelo próprio Filho de Deus na Cruz: “Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: Mulher, eis o teu filho! Depois disse ao discípulo: eis a tua mãe!” (Jo 19,26-27).

Maria é entregue, pelo próprio Cristo, a cada cristão como mãe, para que cada cristão pudesse se assemelhar mais ainda a ele, tendo Maria como mãe nesta terra. A devoção e reverência a Maria, precisa necessariamente ser diferente à dos santos e anjos, e isto não é por um simples devocionismo, mas por pura justiça e gratidão, pois ela é o reflexo da perfeição da criação de Deus, refletindo a verdade da natureza humana, a bondade e beleza da obra feita pelas mãos do próprio Deus.

Pe. Rafael Augusto Linhares Pinto
Pós-graduado em Mariologia

Referências
BÍBLIA SAGRADA. 7. ed. Brasília: Edições CNBB, 2008.
DAMASCENO, João. Contra aqueles que condenam as imagens sagradas. Curitiba: Santo Atanásio, 2020.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
EVDOKÌMOV, Pàvel Nikolàjevic. Teologia della Bellezza, L’arte dell’icona. Milano: San Paolo, 1990.

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