Por Pe. Alexandre Awi Mello, ISch Em Artigos Atualizada em 30 SET 2020 - 09H14

Romaria como espaço do Êxodo (Parte I)

O Santuário da Mãe Aparecida, principal meta de peregrinação do Brasil, está sendo revestido com temas bíblicos. E a primeira fachada será sobre o Êxodo. Neste contexto, vale a pena refletir um pouco sobre a romaria como espaço do êxodo.

Fábio Silva
Fábio Silva


Leia MaisJornada Bíblica: Deserto, caminho para a Terra PrometidaA expressão “romaria”, muito usada em português, deriva das peregrinações a Roma, que se tornaram comuns durante a Idade Média, “época de ouro das peregrinações”, embora já nas Sagradas Escrituras se apresenta a história do Povo de Israel como uma peregrinação desde Abraão, pai da fé, que deve deixar a sua terra em busca da terra prometida (Gn 12,1-4) até as primeiras comunidades cristãs.

Peregrinar, porém, é uma experiência milenar na história da humanidade. É também um símbolo muito adequado para expressar a condição humana: o ser humano é existencialmente um peregrino, um homo viator, e se dirige a uma terra de promissão. Portanto, pode-se afirmar que antropologicamente a romaria é expressão da existência humana e, teologicamente, é imagem plástica do povo de Deus peregrino.

Leia MaisFaça sua peregrinação ao Santuário de Aparecida sem sair de casaDe fato, peregrinar é um dos movimentos mais frequentes em todas as religiões. Peregrinar é fazer um caminho humano e espiritual para uma meta que se considera como um objetivo importante a se alcançar. Muito antes do cristianismo já se encontra o costume de se dirigir a lugares considerados sagrados a fim de se ter uma experiência do divino. Por isso, o correlato do ato de peregrinar é o santuário, o “lugar sagrado”, culminação e meta da peregrinação. De fato, tanto do ponto de vista teológico como pastoral, peregrinação e santuário são duas caras de uma mesma moeda.

O homem vive numa constante peregrinação desde seu nascimento até a sua morte, sendo que a vida eterna é a sua meta final e escatológica. Este símbolo esconde e revela, portanto, a condição peregrina do ser humano. Este passa pela vida “em busca de novas metas, tende ao infinito, sobe as montanhas sagradas em cujo topo a terra toca idealmente o céu, percorre o tempo com marcos de datas assinaladas e santas. Considera o nascimento a entrada no mundo e a morte a saída para penetrar as entranhas da terra e ascender às regiões divinas. Pela peregrinação se fundamenta o encontro e participação do homem na realidade divina” .

Leia MaisO significado das romarias como espaço de Êxodo (Parte II)Na tradição judeu-cristã, do Antigo ao Novo testamento, o ato de peregrinar costumou ser considerado como “um símbolo da existência humana, que se manifesta e concretiza num conjunto de ações, como a partida e o regresso, a entrada e a saída, a subida e a descida, a marcha e o descanso” .

A condição peregrina é também uma imagem para a Igreja como tal (cf. LG 6; 8; 9; 14; 21) e, nesse contexto se deve entender o lugar de Maria, meta da maioria das peregrinações cristãs, pois ela é sinal de segura esperança e de consolação para o Povo de Deus peregrinante.

São João Paulo II se referiu aos grupos de romeiros que transitavam através da Porta Santa no Ano Santo, como “imagem palpável da Igreja Peregrina” . Em outras palavras, as peregrinações cristãs são uma imagem plástica do povo de Deus peregrino que caminha rumo à consumação do Reino, como afirma Carlos Galli.

Leia MaisO Papa Francisco e a MissãoA Igreja peregrina é, assim, uma “Igreja em êxodo”, ou “em saída” rumo às “periferias existenciais”, como o Papa Francisco costuma dizer, uma Igreja descentrada de si mesma, que sabe que não está acabada, que tem imperfeições e necessita de conversão, como o povo de Deus no deserto. Uma Igreja que vai em busca dos afastados, marginalizados e doentes, que não cai na tentação da autorreferência, mas se compreende como mãe misericordiosa e servidora, a exemplo de Maria. 

Referências:
1- ROSSO, S. Peregrinações. Em DE FIORES, S.; MEO, S. Dicionário de Mariologia. São Paulo: Paulus, 1995. p. 1031-1054, aqui p. 1039.
2- Cf. Antropologia e simbologia da peregrinação cristã: às portas do século XXI com Santiago no horizonte. Em: GONZÁLEZ, Ramiro. Piedade popular e liturgia. São Paulo: Loyola, 2007. p. 177-189.
3- Cf. GALLI, Carlos María. La peregrinación: “imagen plástica” del Pueblo de Dios peregrino. Teología y Vida. Vol. XLIV (2003), p. 270-309.
4- “Santuários e peregrinações constituem um binômio que, de um lado, é objeto de distinção (o primeiro é um lugar, o segundo é um gesto), mas que, por outro lado, devem ser vistos como que em um único discurso, já que se trata de símbolos correlatos.” (ROSSO, S. Peregrinações. p. 1031-1032).
5- Id., p. 177-178.
6- GONZÁLEZ, op. cit., p. 177.
7- A Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cfr. 2 Ped. 3,10).” (LG 68)
8- JOÃO PAULO II. Novo millennio ineunte, 8.
9- Cf. GALLI, op. cit., p. 271-274.

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