Por Renato Crispiniano Em Artigos Atualizada em 05 SET 2019 - 16H50

Simbolismos do papel de Maria na Redenção

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Thiago Leon
Thiago Leon

pastro_itaici_2O culto mariano, embora tradicional, tem sido renovado constantemente pela publicação de inúmeros documentos que divulgam dogmas e valores da Virgem Maria. As primeiras escrituras dos antigos padres da Igreja revelam que Maria, obedecendo à palavra de Deus e concebendo o Verbo Divino, torna-se advogada de Eva e, assim, a redime do pecado da desobediência na árvore do paraíso. Se a primeira Eva é desobediente a Deus, a segunda, Maria, é obediente e torna-se intercessora da virgem Eva. Eva, então, é considerada mãe dos viventes e Maria, Mãe do Salvador, e de todos nós, redimidos por Ele.

Maria, a segunda Eva?

A temática feminina vem povoando durante séculos o imaginário das produções literárias. Do cristianismo de Santo Agostinho à antiguidade clássica de Odisseu, a feminilidade é motivo de interesses e preocupações, em virtude da mulher oscilar entre modelos como o de Eva, emblema do pecado e da tentação, e de Maria, a co-redentora, a mãe de Cristo e representante da salvação. Para os cristãos, Maria é privilegiada no projeto da salvação e intercessora. Invocada de diversas formas, é celebrada em seus mais notáveis conceitos. Este ano, a reflexão sobre a pessoa e missão de Maria junto à Igreja completa 300 anos com o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. O documento, escrito por São Luís Maria Gringnion de Monfort, refere-se à importância da total consagração à Virgem e esclarece que Jesus reinará por meio de Maria, pois ele confiou a ela a missão de conduzir a humanidade à perfeita realização da vontade de Deus.

Como todos os escritos voltados para Maria, a afirmação que a relaciona com Eva, a primeira mulher das escrituras, ainda é analisada e revela várias interpretações dos teólogos. Mas todos são unânimes ao afirmar que Maria é especial no projeto da salvação.

De acordo com a doutora em Teologia Dogmática e membro do Conselho Editorial da Paulinas, irmã Vera Ivanise Bombonatto, para compreender a afirmação “Maria como a segunda Eva” é importante situá-la no contexto histórico. “Nos primeiros cinco séculos do cristianismo, a preocupação fundamental girava em torno da pessoa de Jesus. A partir do final do século segundo, cresce o interesse em traçar um paralelo entre Eva e Maria para enfatizar sua presença, sua fé e sua obediência incondicional ao projeto salvífico de Deus. A Mãe do Filho de Deus assume o papel da nova Eva, isto é, mãe da nova humanidade, redimida pelo sacrifício do seu Filho Jesus, o novo Adão, conforme o projeto divino de salvação”.

 O simbolismo para definir a mãe de Jesus?

Para o coordenador do Núcleo de Extensão e Especialização da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), de Belo Horizonte, e teólogo mariologista, irmão Afonso Murad, a comparação é possível, mas atualmente toma outra dimensão e deve ser entendida como um momento em que teólogos utilizaram do simbolismo feminino de Eva para definir a mãe de Jesus. “O importante é entender que há uma comparação simbólica e da mesma forma que por uma mulher (Eva) veio um não – a negação do ser humano a Deus -, por outra mulher (Maria), um sim radical deu início ao projeto da salvação”.

Ainda segundo Murad, atualmente Maria deve ser relacionada não mais a Eva, mas a uma nova mulher e a um novo homem que buscam a santidade. “Maria é uma pessoa real com papel histórico definido, Eva não era. Dizer que Maria seria uma segunda Eva foi uma imagem literária bonita, mas considero que hoje seria mais interessante mostrá-la como a figura simbólica da humanidade, que responde ao apelo de Deus, que promove o bem, como fez indo ao encontro de Isabel, e nos homens e mulheres que têm consciência profética, como ela no Magnificat (cf. Lucas 1, 39-56)”.

Mas tudo o que os escritores e pensadores cristãos dos primeiros séculos escreveram, continua inspirando além da tradição a reflexão teológica, conforme afirma o missionário redentorista e diretor da Academia Marial de Aparecida, padre Antônio Clayton Sant´Anna. “Entre eles foi admirável a contribuição do Papa Paulo 6º (exortação apostólica Marialis Cultus) e do Beato João Paulo 2º (encíclica Redemptoris Mater, sobre a Bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho). E, ultimamente, o Papa Bento 16º tem usado esse simbolismo em suas alocuções”.

Redimida do pecado original

 A origem dos escritos que comparam essas duas mulheres foi introduzida por Justino (séc 2º), filósofo e mártir, autor de várias obras em defesa do cristianismo. Segundo estudiosos bíblicos, ele se serve da comparação Adão/Cristo e Eva/Maria para expressar a participação ativa de Maria na obra redentora. Depois, Santo Irineu de Lião ampliou essa relação, justapondo o erro de Eva à obediência de Maria. E Gregório de Nissa (Cesaréia/Capadócia- 330 a 395) vê em Eva o símbolo do pecado original como mãe de todos os viventes e Maria como a mãe do Redentor vive em função de uma missão da qual não poderia se furtar sem perder o sentido de sua existência.

 “A missão da mãe-redentora é o ponto de partida e de chegada que irá unir estas duas personagens e revelar o tratado da figura da mulher que se espelha em Maria”, opina o missionário padre Clayton.

Esta comparação normalmente vem unida à afirmação da maternidade e da virgindade de Maria. “Eva é virgem, Maria é virgem; Eva é mãe de todos no pecado e na morte, Maria é mãe daquele que destrói a obra do demônio e liberta o ser humano da morte”, diz a Irmã Vera e explica: “é importante notar que os escritos marianos dos padres da Igreja dos primeiros séculos são quantitativamente poucos, mas qualitativamente preciosos e densos de conteúdo. A linguagem usada caracteriza-se pela profundidade teológica e pela beleza literária. Eles nos legaram belíssimos textos sobre a presença e a função de Maria na história da salvação. Podemos afirmar que eles colocaram os fundamentos para a construção posterior do edifício da Mariologia”,

 Expressão da realidade da fé

 Na relação Maria/Eva algumas constatações das diferenças históricas e de vida dessas duas mulheres bíblicas podem revelar negativamente o caráter metafórico de pecado da figura de Eva na personificação histórica da santidade de Maria. A doutora em teologia, a irmã paulina Vera Bombonatto, esclarece que “ao ler a Bíblia é importante, primeiro, ter presente os diferentes gêneros literários, evitando o perigo de uma leitura fundamentalista; segundo, lembrar que a teologia patrística dos primeiros séculos, da qual a mariologia é parte importante, é fundamentalmente uma teologia kerigmática, ou seja, de anúncio da salvação operada por Jesus Cristo, morto e ressuscitado”. “A reflexão dos Santos Padres desse período sobre Maria traz características particulares e é uma reflexão bíblica. Freqüentemente… são comentários sobre textos bíblicos; uma reflexão assistemática referida a ela nos mais variados contextos e circunstâncias. Uma reflexão simbólica: serve-se de símbolos de comparações para expressar a realidade da fé. Essas características constituem a chave de leitura para entender tanto a figura de Eva quanto a de Maria”.

Vera Bombonatto diz que Santo Irineu expressa de forma aperfeiçoada a relação entre a desobediência de Eva e a obediência de Maria, afirmando que o nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade, a Virgem Maria desligou pela fé. “O paralelo Eva-Maria não tem um efeito literário, mas é um aspecto integrante da história da salvação. Cristo é o novo Adão, a cruz lembra a árvore do pecado; Maria é a nova Eva, ela é a mãe da nova comunidade e tem um papel análogo ao de Eva”. A comparação Maria/Eva é retomada pelo Concílio Vaticano 2º, no capítulo 8º, da constituição dogmática Lumen Gentium. “É uma comparação que, se bem entendida, pode ajudar a compreender a continuidade histórica, a abrangência e a profundidade do projeto de Deus. Aderindo à vontade salvífica, sem sombra de pecado, Maria entregou-se, como serva do Senhor à pessoa e à missão de seu Filho, colaborando para a salvação da humanidade na obediência e na liberdade. E por isso, Maria, ‘como a segunda Eva’, é para nós modelo de discípula fiel, que “ouve a Palavra de Deus e a põe em prática”, diz irmã Vera.

Afonso Murad, diz que “é preciso deslocar essa imagem de nova Eva para figuras mais contemporâneas e representar Maria como mulheres e homens novos porque ela não é só exemplo de mulher, é também exemplo de ser humano, no Documento de Aparecida”. “Ele apresenta Maria como a perfeita discípula e missionária, o que mostra que cada um pode se identificar, escutar Jesus, aprender com ele e ser membro da comunidade, isso é ser discípula e discípulo”

O missionário redentorista padre Clayton Sant’Anna afirma que Maria continua sendo para todos os tempos a nova Eva: “Não uma segunda Eva, mas a verdadeira, a Eva do Éden. Sem dúvida, a alegria do encontro com Jesus Cristo e a vida na Igreja passa por aquela que é a ‘Mãe, perfeita discípula e pedagoga da evangelização’”. 

(Cfr. a matéria publicada no Jornal de Opinião, 07 a 13/05/2012, Belo Horizonte-MG, reportagem de Renato Crispiniano).

 

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