Terceira dor de Maria Santíssima - A perda do Menino Jesus no Templo

“Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Quando o menino completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. Passados os dias da Páscoa, voltaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. Pensando que o menino estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá-lo entre parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém à procura dele. Três dias depois, encontraram o menino no Templo”.

Seguindo os costumes da tradição judaica, quando o Menino Jesus completou doze anos de idade, Maria e José o levaram consigo na peregrinação à Jerusalém para participar da festa da Páscoa. Embora para os adolescentes a participação na festa fosse obrigatória após completarem treze anos, valia a prescrição de que os mesmos deveriam se habituar ao cumprimento dos mandamentos e por isso poderiam participar da peregrinação já aos doze anos de idade.

“Três vezes por ano o Povo de Israel celebra suas grandes festas: a Páscoa, que comemora a libertação do Egito; Pentecostes, que festeja o dom da Lei no Sinai; e a festa das Tendas ou Cabanas, a mais popular, que lembra o tempo do deserto, em que o povo vivia sob tendas (Ex 23; 34; Dt 16).

Ir a Jerusalém por ocasião dessas três festas era o que recomendavam os rabinos. As mulheres, inclusive Maria, assim como as crianças de menos de 13 anos, não são obrigadas a participar das peregrinações festivas para a Cidade Santa. Mas ela e os familiares são gente piedosa e praticante. Por isso costumam ir a Jerusalém ao menos pela festa da Páscoa, como faz a maioria dos galileus (Lc 2,41)”.¹

Tais peregrinações a Jerusalém eram precedidas por tocadores de flautas e tambores que visitavam as aldeias anunciando a santa peregrinação. O caminho para Jerusalém era perigoso e para proteger-se dos assaltos nos caminhos que levavam a Cidade Santa (Lc 10,29-37), os vizinhos, parentes e amigos organizavam-se em grupos para realizar a peregrinação. Segundo Clodovis Boff, “no lugar combinado da partida, nota-se uma confusão de gente e de animais, de comerciantes e de devotos.

Pode-se imaginar o linguajar pesado dos carroceiros e dos almocreves que a Virgem é obrigada a ouvir”. Com essas palavras, o autor indicam-nos que Maria já no início da peregrinação sofre os desconfortos e dissabores de um linguajar e atitudes dos quais não estava acostumada no seu cotidiano. Acostumada a sempre ouvir palavras amorosas do castíssimo esposo, a convivência com a pureza e a inocência do amado Filho que perfumava a simplicidade do lar, contrastava naquele momento com uma sociedade que não estava acostumada ao fino trato que embalava o lar de Nazaré.

Terminado os dias da Festa ao retornar para Nazaré, Jesus ficou no Templo e seus pais não se aperceberam de sua ausência na caravana. São Beda, o venerável, lembra-nos que durante o retorno dos peregrinos era costume dos israelitas andarem separados das mulheres, desta forma os meninos acompanhavam, à vontade, o pai ou a mãe.

Maria pensava que o menino Jesus estava com seu esposo. José, porém, imaginava que o menino estava na companhia de Maria. Ao perceber que o menino não estava na caravana, 'começaram a procurá-lo entre parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém à procura dele’ (Lc 2,44-45).

Ele só foi encontrado ao fim de três dias de intensa procura e de muitas lágrimas de seus pais. Santo Afonso Maria de Ligório nos faz penetrar neste mistério: “O santo Menino empregou aqueles três dias em promover a glória de seu Eterno Pai com jejuns, vigílias e orações e em assistir aos sacrifícios que eram outras tantas figuras do seu próprio sacrifício da Cruz. Para ter algum alimento, diz São Bernardo, foi-lhe mister pedi-lo por esmola, e para descansar não tinha outro leito senão a terra nua”²

“Nesta terra, não há pena comparável àquela que uma alma, desejosa de amar Jesus, experimenta quando teme que, por própria culpa, d’Ele se afastou. Foi esta exatamente a dor de Maria e José naqueles dias, pois a humildade fazia-lhes crer que se tornaram indignos de ter sob sua guarda um tão grande tesouro. É por isso que Maria, encontrando o Filho, a fim de lhe exprimir a sua dor, disse: 'Meu filho, que nos fizeste? Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição' (Lc 2, 48)”³.

“Lucas, nesse episódio, apresenta Maria juntamente com seu marido José, conhecido como homem justo. A angústia em seu coração de mãe e de mulher não era somente dela; era igualmente sentida no coração de José. Ao se dirigir diretamente a seu filho Jesus, Maria apresenta-se como mãe e mulher casada e está, juntamente com seu esposo, à procura de seu filho”4

A resposta de Jesus diante da pergunta angustiante da mãe que sofre as penas e dores da perda do filho: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?” (Lc 2,49), nos revela a expressão da obediência filial de Cristo ao projeto de Salvação. Estar no Templo não é uma demonstração de desobediência aos pais, mas um sinal do cumprimento da obediência que o conduzirá à cruz e à ressurreição.

“São Lucas descreve a reação de Maria e José às palavras de Jesus com duas afirmações: “Eles, porém, não compreenderam a palavra que Ele lhe dissera”, a ainda “sua mãe conservava a lembrança de todos esses fatos em seu coração” (Lc 2,50-51). A palavra de Jesus é grande demais por então; a própria fé de Maria é uma fé “a caminho”, uma fé que repetidas vezes se encontra na escuridão e, atravessando a escuridão, deve amadurecer.

Maria não compreende as palavras de Jesus, mas guarda-as no seu coração e aqui lentamente faz com que cheguem à maturação. As palavras de Jesus não cessam jamais de serem maiores que a nossa razão; superam, sempre de novo, a nossa inteligência. A tentação de reduzir e manipular as palavras de Jesus, para fazê-las entrar na nossa medida, é compreensível; faz parte de uma reta exegese precisamente a humildade de respeitar essa grandeza, que muitas vezes nos supera com as suas exigências, e não reduzir as palavras de Jesus com a pergunta sobre aquilo de que podeis “crê-lo capaz”. Ele considera-nos capazes de grandes coisas.

Crer significa submeter-se a essa grandeza e pouco a pouco crescer rumo a ela. Nisso, Maria é apresentada por Lucas deliberadamente como aquela que crê de modo exemplar: “Feliz aquela que acreditou” — dissera-lhe Isabel (Lc 1,45). Com a observação, repetida duas vezes na narrativa da infância, de que Maria guardava as palavras no seu coração (cf. Lc 2,19-51), Lucas remete — como se disse — para a fonte, onde bebe a sua narração. Ao mesmo tempo, Maria aparece não só como a grande crente, mas também como a imagem da Igreja, que guarda a Palavra no seu coração e a transmite”5

Após o encontro todos retornam para Nazaré. O evangelista Lucas nos recorda que Maria ‘conservava no coração todas essas coisas’ (Lc 2,51). São Jerônimo nos afirma que “as injúrias que Cristo sofreu no corpo, Maria sofreu-as no seu coração”. “Da Mãe dolorosa emerge a missão do cristão que, debaixo da Cruz, encontra sua identidade profética e missionária, e sua realidade de encontro com Cristo em verdade autenticada. A dor já não é uma realidade em si, mas através de Maria é profundida como o perfume da missão de toda a Igreja, através do ato de oferecer e confiar que Jesus faz a Maria para João e João para Maria, e para sua Igreja de todos os tempos”.6

Bibliografia:

1.BOFF, Clodovis M. O cotidiano de Maria de Nazaré. 1 ed. - São Paulo: Editora Ave Maria,2014.

2. SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Meditações para todos os dias e festas do ano: Tomo I, p. 136.

3. O mistério da perda e do encontro de Jesus no Templo. Canção Nova, 2018. Disponível em: < https://blog.cancaonova.com/tododemaria/o-misterio-da-perda-e-do-encontro-de-jesus-no-templo/#_ftn1>. Acesso em: 16, Janeiro de 2023.

4. GERALDO, Márcia Terezinha C. M. O silêncio de Maria. - Aparecida, SP: Editora Santuário,2020.

5. RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré: a infância de Jesus. 2. ed. - São Paulo: Planeta, 2016.

6. TEMPESTA, Orani João. As Dores de Maria. CNBB, 2018. Disponível em:< https://www.cnbb.org.br/as-dores-de-maria/> . Acesso em: 16, Janeiro de 2023.