Palavra do Associado

Mariofanias – As manifestações da Mãe de Deus

Escrito por Academia Marial

18 MAR 2022 - 08H39 (Atualizada em 18 MAR 2022 - 08H57)

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“De Maria nunquam satis”

Ao longo dos séculos a partir daquela que é considerada a primeira aparição mariana da história (Nossa Senhora do Pilar – Saragoça, Espanha – 40 d.c - essa aparição tem um selo particular diante das demais, já que a Mãe de Deus se apresentou em “carne mortal”), a Arte Sacra, a Música e as Culturas locais retrataram de diferentes modos o que se vislumbrou e se fez ouvir pelos videntes em tais manifestações da Virgem Maria após a sua Assunção ao Céu. O povo de Deus, redimido pelo sangue redentor do Cristo, entendeu nestas manifestações marianas a preocupação de um Deus que é Pai e que nos quer sempre encaminhar pelo caminho do bem. Um Deus que nos convida a fazer sempre a opção pela vida: “Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes...” (Dt 30,15-20). Compreendeu que a figura que vos aparece e trava diálogos tem sinais de maternidade expressa nas palavras que se pronunciam, nas advertências que se faz e nos olhares que se trocam. Mulher que se porta como Mãe sempre atenta a socorrer-nos diante dos perigos a que estamos expostos por conta de nossas escolhas muitas vezes erradas. Discípula que nos convida em tais manifestações a sempre “Fazer o que Ele (Jesus) nos disser” (Jo 2,5).

Diante deste comportamento materno que é característica primeira das aparições compreendemos o que a Constituição Dogmática Lumen gentium nos afirma após apresentar-nos a maternidade espiritual de Maria Santíssima em relação a todos os cristãos: “Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem- -aventurada” (LG 62).

A série “Mariofanias: um encontro entre o Humano e o Divino” percorre a partir deste artigo uma caminhada de aprofundamento nas Aparições da Virgem Maria através dos séculos. Porém, “abordar o tema das aparições é tarefa arriscada. Entra-se num campo instável no qual interferem muitos fatores, além dos espirituais, teológicos e pastorais. Trata-se de assunto complexo, complicado e polêmico. Complexo, por construir uma teia de elementos que interagem entre si, em diferentes graus. Complicado, porque não se sabe com certeza como os pontos deste novelo intrincado tocam uns nos outros. Polêmico, porque já há posições entrincheiradas e pouco propensa ao diálogo”¹.

A palavra Mariofania significa “Aparição ou revelação da Virgem Maria”. O termo segundo Stefano de Fiores, não só faz referencia ao acontecimento das aparições de Maria, mas, sobretudo indica “a pessoa de Maria e a sua função” em continuidade com os dados bíblicos que constituem a verdadeira e fundamental mariofania². Esta perspectiva nos apresenta Maria não como alguém do passado, mas que continua a “manifestar-se como pessoa viva, luminosa, glorificada, que se interessa pelos seus filhos e que se preocupa com o seu peregrinar neste mundo”³.

É necessário compreender que as Mariofanias não fazem parte das Revelações “públicas” e sim das Revelações “particulares” ou “privadas”. Oficialmente as revelações públicas terminaram com o fim da geração dos Apóstolos. Ainda durante o Concílio Vaticano I, declarou-se que: “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus”. (Constituição Dogmática Sobre A Fé Católica, s. III, 24-4-1870, c. 1792). Diante desta afirmação da Constituição Dogmática Sobre A Fé Católica nos perguntamos como ficam as Revelações “particulares” ou “privadas” na qual esta inserida as Mariofanias. O Catecismo da Igreja Católica nos afirma que “elas não pertencem ao depósito da fé” (CIC n. 67), sendo assim nenhum católico tem por obrigação aceitá-las com o obséquio da fé. Apesar de nos convidar a "discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja". O Catecismo da Igreja nos afirma que o papel destes fenômenos "não é 'aperfeiçoar' ou 'completar' a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história".

Karl Rahner afirma que: “Estas revelações particulares não se relacionam unicamente com a vida espiritual de um particular; por mais privadas que sejam, dirigem-se, por meio do beneficiário direto, à Igreja ou a uma boa parte da Igreja; revelações privadas que representam uma devoção nova, exortam à penitência e à conversão, comunicam determinadas instruções, previnem contra alguma doutrina, recomendam tal ensinamento espiritual ou tipo de espiritualidade, etc. No decurso da história da Igreja tem havido revelações assim, que certamente exercem influência importante”.

Os estudiosos marianos afirmam a existência de um modelo de aparições de Nossa Senhora formado no século XIX. Entretanto, não há unanimidade sobre a concepção de que as aparições marianas são fenômenos característicos do período mencionado. Barnay (1999), em sua obra Le Ciel sur la Terre: Les apparitions de la Vierge au Moyen Âge, afirma que as aparições de Nossa Senhora estão presentes de forma significativa no catolicismo há séculos, tendo surgido no século IV e nunca deixando de existir, contabilizando mais de cinco mil relatos entre os séculos IV e XX. Segundo a autora, no Ocidente as visões se intensificam por volta do século X, e ocorrem principalmente para os monges, através de sonhos. Nesse período são construídas várias catedrais dedicadas a Nossa Senhora, é o momento de grande difusão da devoção a Maria no Ocidente. A figura da mediadora entre Deus e os homens começa a se constituir. Ela é considerada responsável pelas relações entre os homens e a hierarquia celeste, por isso lhe pedem clemência, pois ela se encarregará de estabelecer o contato com o mundo divino4.

É no século XIX que se observa uma organização padrão das aparições marianas e os primeiros reconhecimentos de algumas destas manifestações por parte da Santa Igreja. As aparições reconhecidas neste período são: Rue du Bac, em 1830; La Salette, em 1846; e Lourdes, em 1858. Com a aprovação destas aparições se nota um maior envolvimento do Clero diante de tais fenômenos, fazendo prevalecer às ordens do Papa Bento XIV que instituiu critérios para avaliar a autenticidade das manifestações marianas e assim poder reconhecer a sua legitimidade. As ordens imposta pelo Santo Padre previa uma longa e rigorosa avaliação canônica em relação aos fenômenos das Aparições. Diante disso nota-se que por parte da Igreja não existe uma tentativa de controlar estas manifestações, mas sim de utilizá-las como modelo de fé.

A variedade de mariofanias remete à longa temporalidade da devoção à Maria, acompanhada das inúmeras manifestações, o que configura um quadro que exige exame dos contextos culturais e eclesiais em que elas acontecem. É mais relevante a variedade estética das manifestações marianas que a variedade doutrinal que elas possam encerrar em última instância. As manifestações marianas são amostras das práticas devocionais vivenciadas pelo povo nos mais diversos contextos, além de revelarem as idiossincrasias dos povos com suas distintas culturas. Nesse ponto, vale recordar a variedade de ícones e expressões marianas: as madonas negras e brancas, as muitas vestimentas, as imagens milagrosas e as narrativas de aparições com suas respectivas imagens. Assim, Maria vai adquirindo as fisionomias dos povos, as características das culturas e os traços dos estilos artísticos ali objetivados”. (João Décio Passos – As construções socioteológicas das manifestações marianas 1).

O objetivo das aparições está no fato de gerarem experiências de fé no coração das pessoas. Historicamente, poderão faltar documentos e registros, mas o movimento em direção a Cristo que despertam, causam interesse de toda a Igreja. No relato de uma aparição, a primeira atenção não recai sobre os aspectos extraordinários que podem ocorrer, mas no significado da mensagem que a revelação anuncia. Aparições sobrenaturais são relatadas em diversas experiências de relação com o Sagrado. Muitas manifestações são para serem vistas, contempladas e admiradas. Nos relatos bíblicos, contudo, as aparições são também audições, isto é, além da visão, há uma comunicação que se estabelece entre quem fala e quem escuta. Deus se revela aos olhos e aos ouvidos de quem acolhe sua manifestação.5

Vinícius Aparecido de Lima Oliveira
Associado da Academia Marial de Aparecida

Bibliografia:

1. MURAD, Afonso Tadeu – Maria, toda de Deus e tão humana / Afonso Tadeu Murad. – São Paulo : Paulinas : Santuário, 2012. – (Coleção peregrina na fé).
2. Cf. DE FIORES, S. – Maria Madre di Gesù. Sintesi storico-salvifica, Dehoniane, Bologna 1992, pp. 347-360.
3. PERRELLA, Salvatore M. – Le Mariofanie. Per una teologia delle apparizioni, Messaggero, Padova 2009, p. 5.
4. CONTEÚDO aberto. In: Open Edition Journals – A legitimação das aparições da Virgem Maria: estratégias e agencias. Disponível em: < https://journals.openedition.org/etnografica/3136 >. Acesso em: 12 fev 2022.
5. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Sob o olhar de Guadalupe: sinais do céu sobre a terra / Dom Leomar Antônio Brustolin. – São Paulo: Paulus, 2020.

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