Caminhando pela presença da Mãe de Cristo através dos séculos, percebemos que sua identidade vai se formando no meio dos cristãos através do que se sabe de sua história e dos relatos bíblicos. Mas a imagem da mulher e mãe vai começar a ganhar novos contornos com a chegada do século XI ao XIII.
“... A Virgem em – suas imagens e devoções – passa a ser referenciada para além da recordação bíblica ou dogmática de até então, e ganha novos contornos em que se “encarna” de vez no dia a dia das pessoas, chegando mais próxima à vida do cotidiano e das afetividades. Mas não foram apenas os mosteiros reformados e as ordens mendicantes que alcançaram o culto mariano a uma concentração, da motivação do mesmo, na própria figura de Maria e em sua ligação com o cotidiano e a afetividade. Também a cultura cavalheiresca, na altura, foi marcante a determinar novas relações e visões societárias em relação à mulher e, no caso, à mulher protótipo e símbolo do feminino na religião cristã, Maria. Pode-se, portanto, destacar duas características marcantes do período zênite do medievo: a exaltação, em movimento ascendente, da figura de Maria per se, enquanto mulher-símbolo da mulher perfeita; e, em movimento descendente, a aproximação de Maria à vida, dores, mazelas e esperanças do povo. Aparentemente contrários, ambos os movimentos convergem um ao outro”.¹
Essa aproximação de Maria de Nazaré do cotidiano e da afetividade da humanidade desperta nos seguidores de Cristo um maior interesse nas questões que envolvem os mistérios de Cristo e de sua mãe. São Bernardo de Claraval em seus sermões vai começar a ressaltar de forma particular a Anunciação e a Assunção de Maria Santíssima. Uma visão de Maria como “mediadora” junto ao nosso único mediador entre Deus e os homens (Jesus Cristo) surge neste período com maior intensidade. A mais celebre oração dedica a Virgem Maria começa a ser rezada no século XII, a Ave Maria. Porém é somente no XV (1496) que as duas partes que compõem a Ave Maria irão aparecer unidas.
“São Boaventura (+ 1274) e Santo Tomás de Aquino (+ 1274) colaboraram decisivamente para a formulação da doutrina mariana, fundamentada na relação singular de Maria com o verbo feito carne para nos salvar. A maternidade Divina passou a ser cada vez mais entendida não como uma maternidade somente física, mas na prospectiva espiritual enunciada por Santo Agostinho (“Maria concebeu Jesus antes de tudo no seu espírito e só depois no seu ventre”). Para santo Tomás, “a honra dada à mãe retorna para seu filho, porque a mãe é honrada pelo filho” (Summa, III, q.25, 5, ad.2) ².
É a partir do século XII e XIII que começam a surgir as primeiras devoções a Nossa Senhora.
“A festa da Visitação de Nossa Senhora a sua prima Isabel (hoje, 31 de maio) teve origem no século XIII. O papa Bonifácio (1389-1404) a estendeu a toda a Igreja e, em 1608, Clemente VIII compôs os textos litúrgicos. As devoções e festas de Nossa Senhora do Carmelo têm origem com alguns cavaleiros cristãos que, no século XII, se retiram para o Monte Carmelo, na Palestina, onde o profeta Elias defendeu a fé de Israel no Deus vivente, para se dedicarem à contemplação do Mistério sob o patrocínio da Santa Mãe de Deus, Maria. Nasce, assim, a ordem dos Carmelitas. O primeiro general da ordem, o inglês São Simão Stock, recebeu de Nossa Senhora o “escapulário” como penhor e promessa de vida eterna. A partir daí, difunde a devoção e a festa deste dom (16 de julho). Outra festa de origem medieval é a do Rosário, embora, no início, tenha sido instituída em honra de Santa Maria da Vitória para celebrar a libertação dos cristãos dos ataques dos turcos, na vitória naval de 7 de outubro de 1571, em Lepanto (Grécia). Muito antes, na Idade Média, os vassalos costumavam oferecer aos seus soberanos coroas de flores em sinal de honra e submissão. Os cristãos adotaram este costume em honra a Maria, oferecendo-lhe a tríplice “coroa de rosas”, que lembra a sua alegria (Mistérios Gozosos), as suas dores (Mistérios Dolorosos) e a sua glória (Mistérios Gloriosos) na participação dos Mistérios da vida de seu Filho Jesus: é este o sentido do Rosário”. ³
Entre os séculos XIV e XV a piedade popular passa a representar a Virgem Maria com o Menino Jesus. Nota-se nas imagens uma preocupação do artista em acentuar seu aspecto humano: Jesus na maioria das vezes era apresentado sentado no colo de sua santa Mãe ou por ela sendo amamentado. Do século XIV em diante, as representações da “Pietá” começam a ganhar força e as imagens de Jesus Crucificado e sua Mãe aos pés da cruz começa a despontar como ícones de devoção.Leia MaisA devoção mariana através dos séculosMagnificat: O Sentido e a importância da devoção marianaMaria: Mãe de Deus e Mãe dos Homens - Os primeiros sinais de uma devoção marianaAs origens da devoção mariana
“Percebe-se na mariologia dessa época, duas formas de devoção: uma, mais sóbria e austera, onde o humano tendia a deixar-se absorver pela graça divina (estilo oriental, bizantino); outra, mais humana, mais familiar, na qual o divino desabrochava em um rosto humano (estilo ocidental). No Ocidente, Jesus e sua Mãe se “humanizaram”, segundo o gosto do povo. A Virgem tornou-se uma “elegante senhora” italiana, flamenga, francesa, alemã, espanhola etc., servindo de tema para quadros dos mais célebres pintores”. 4
“Notemos que nos três primeiros séculos do Cristianismo não existia ainda propriamente uma piedade popular contraposta à oficial. A igreja era basicamente popular. Nela o popular e o oficial se confundiam. Só com a aliança constantiniana começou a Igreja de massa e, com ela, uma piedade popular distinta do oficial. Ainda assim, a piedade mariana do povo, embora diferente e tendendo à autonomia, não estava efetivamente separada da vida da igreja e de sua liturgia. Para o povo dos fiéis, Maria era aquela mesma que os pastores da igreja pregavam: fundamentalmente, a Dei Genetrix, a Mãe do Senhor, a imagem da Virgem-Igreja, a mulher de fé, a repleta da graça de Deus”. 5
Com as representações que acentuavam a natureza humana nas imagens de Cristo e sua Mãe, datam deste século as primeiras imagens e invocações a Nossa Senhora do Ó.
Os séculos XVI e XVII vai marcar a fé e a devoção do povo para com a Virgem Maria. Com a reforma protestante criticando duramente os “exageros nas devoções à Virgem Maria” existe uma exclusão de qualquer manifestação de amor para com Ela e de invocá-la como Mãe do povo de Deus. Diante desta e outras questões a igreja para se precaver contra a iminência de outros programas reformistas estabelece diretrizes para remediar os efeitos da reforma protestante que ficaram conhecidos como contrarreforma tendo como seu ponto alto o Concílio de Trento que se organizou entre os anos de 1545 e 1563. O Concílio “limitou-se a afirmar, em relação a Maria, a legitimidade de seu culto e a declarar que, a propósito do decreto sobre a universalidade do pecado original, não tinha o propósito de nele inclui-la” (DS 1516).
Em março de 1549, com a expedição do primeiro Governador Geral, Tomé de Souza, chegavam a Salvador os primeiros jesuítas. Em 1563, em Roma, o jesuíta belga Jean Leunis fundou a primeira Congregação Mariana, para fomentar a devoção à Virgem Maria e incentivar seus membros a buscar a proteção dela. Em 1583, as Congregações Marianas começavam no Brasil, precisamente no Colégio dos Jesuítas da Bahia, em Salvador, sob a responsabilidade do Bem-aventurado Pe. José de Anchieta. No ano seguinte, o Papa Gregório XIII deu sua aprovação oficial a esse movimento eclesial, que passou a contar com o apoio oficial da Igreja. 6
Data do ano de 1563 o famoso Poema de São José de Anchieta escrito nas areias de Ubatuba dedicado a Virgem Maria. O poema foi escrito enquanto o mesmo esteve refém dos índios. Plácido Nigido, vai utilizar pela primeira vez a palavra “Mariologia” ao justificar a necessidade de um tratado separado sobre a Virgem Maria.
Do século XVIII até a realização do Concílio Vaticano II, Maria Santíssima vai ganhar um importante destaque na Fé e na Devoção do povo a partir de dois grandes Santos: São Luís Maria Grignion de Montfort e Santo Afonso de Ligório.
São Luís Maria Grignion de Montfort, fundador das Filhas da Sabedoria (1703) e da Companhia de Maria (1705), é recordado pelos seus escritos marianos, como o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, redigido em 1712. Essa obra permaneceu escondida em um cofre por 150 anos; ao ser reencontrada, em 1842, foi publicada no ano seguinte. Hoje, é traduzida em numerosas línguas, por ser o ponto de referência da espiritualidade mariana mundial. 7
Santo Afonso de Ligório compreendeu que o caminho que leva à perda da fé começa muitas vezes pela tibieza e frialdade na devoção à Virgem. E, em sentido contrário, o retorno a Jesus começa por um grande amor a Maria. Por isso, difundiu por toda parte a devoção mariana e preparou para os fiéis, e em especial para os sacerdotes, um arsenal de "materiais para a pregação e propagação da devoção a essa Mãe divina". A Igreja sempre entendeu que "um ponto totalmente particular na economia da salvação é a devoção à Virgem, Medianeira das graças e Corredentora, e por isso Mãe, Advogada e Rainha. 8
Data a partir deste século a tradição de dedicar o Mês de Maio a Virgem Maria.
A ideia de um mês dedicado especificamente a Maria remonta aos tempos barrocos – século XVII. Apesar de nem sempre ter sido celebrado em maio, o mês de Maria incluía trinta exercícios espirituais diários em homenagem à Mãe de Deus. Foi nesta época que o mês de maio e de Maria combinaram, fazendo com que esta celebração conte com devoções especiais organizadas cada dia durante todo o mês. Este costume durou, sobretudo, durante o século XIX e é praticado até hoje. 9
Vinícius Aparecido de Lima Oliveira
Associado da Academia Marial de Aparecida
Editor-chefe do Projeto: O rosto Mariano do Brasil
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Bibliografia:
1. PORTELLA, Rodrigo. Mirar Maria: reflexos da virgem em espelhos da história. – Aparecida, SP: Editora Santuário, 2016.
2. KRIEGER, Murilo S. R. SCJ. Com Maria, a Mãe de Jesus: mariologia para leigos / Dom Murilo S. R. Krieger. - Aparecida: Editora Santuário, 2017.
3. CONTEÚDO aberto. In: PASSOS: Litterae communionis – Maria na história - Disponível em: < http://arquivo.revistapassos.com.br/default.asp?id=426&id_n=4489&pagina=1 >. Acesso em: 15 abr 2021.
4. KRIEGER, Murilo S. R. SCJ. Com Maria, a Mãe de Jesus: mariologia para leigos / Dom Murilo S. R. Krieger. - Aparecida: Editora Santuário, 2017.
5. BOFF, Clodovis. Mariologia social: o significado da virgem para a sociedade. – São Paulo: Paulus, 2017. – (Teologia Sistemática)
6. CONTEÚDO aberto. In: A12 Redação – Congregações Marianas: 450 anos de história - Disponível em: < https://www.a12.com/redacaoa12/opiniao/congregacoes-marianas-450-anos-de-historia >. Acesso em: 15 abr 2021.
7. CONTEÚDO aberto. In: Vatican News – S Luís Maria Grignion de Montfort, presbítero fundador da companhia de Maria - Disponível em: < https://www.vaticannews.va/pt/santo-do-dia/04/28/s--luis-maria-grignion-de-montfort--presbitero-fundador-da-compa.html >. Acesso em: 15 abr 2021.
8. CONTEÚDO aberto. In: Canção Nova – Afonso de Ligório, um santo “todo de Maria” - Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/blog/afonso-de-ligorio-um-santo-todo-de-maria >. Acesso em: 15 abr 2021.
9. CONTEÚDO aberto. In: ACIdigital – Por que Maio é o mês de Maria? - Disponível em: <https://www.acidigital.com/noticias/por-que-maio-e-o-mes-de-maria-22493 >. Acesso em: 15 abr 2021.
A Imagem de Nossa Senhora que emerge dos Santos Evangelhos e da vida do nosso povo
Ela é toda do povo e está onde o povo está.
Oração em homenagem a Nossa Senhora das Dores
Ó Nossa Senhora das Dores! Ó dores da maior bondade que estão guarnecidas no brilho do sol que é Cristo, luminosidade irradiada em todas as direções e dores em torno das quais giram todas as partes do mundo.
Salve Rainha, a realeza da Virgem Maria
A doutrina da Realeza de Maria pertence à mais antiga Tradição da Igreja, um legado que foi sendo enriquecido, ao longo dos séculos, pelos pontífices.
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