Por Pe. César Moreira, C.Ss.R. Em Igreja Atualizada em 04 NOV 2019 - 14H29

Qual o significado do purgatório?

É frequente se ouvir e se rezar nas igrejas pelas "almas do purgatório", mas dificilmente se fala sobre elas. Aliás, quem vai parar no purgatório? Por que motivos? Quanto tempo se fica lá? Eu já ouvi gente dizendo que, pelo menos, é melhor ir para o purgatório - o que garante o céu posteriormente - do que nem passar por lá, indo direto para o inferno.

Deus nos livre, não é mesmo? Para termos informações corretas sobre o purgatório, veja a entrevista com o teólogo e professor Lino Rampazzo. Ele, aliás, já respondeu sobre outros temas aqui no A12.

Reprodução YouTube
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O professor e teólogo Lino Rampazzo


Padre César: Professor, afinal que é o purgatório? Antes, ele existe mesmo?

Professor Lino Rampazzo - No evangelho do domingo passado, ouvimos que um fariseu fez a seguinte pergunta a Jesus: "Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?". Jesus respondeu: "Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. E segundo é-lhe semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo". (Mateus 22, 35-39).

Vamos refletir sobre esta resposta e nos perguntar com sinceridade: quem de nós ama a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente? Quem de nós ama o próximo como si mesmo?

No dia 1º novembro, a Igreja celebra a festa de todos os santos e continuamente nos apresenta uns "modelos" daqueles que, de verdade, amaram a Deus e ao próximo "com toda a sua vida". Nós, humildemente, olhamos para estes modelos e precisamos confessar: eu não amo a Deus como um São Francisco, uma Santa Clara, um Santo Afonso, um São João XXIII, uma Madre Paulina, um Padre Vítor Coelho de Almeida; ou como muitos outros cristãos pouco conhecidos, mas que deram um extraordinário exemplo de fé e de amor. Permito-me pensar, a esse respeito, nos meus queridos pais, já falecidos.

Nosso amor a Deus e ao próximo frequentemente fica misturado com egoísmo, com vaidade, com presunção, com negligência, com falta de delicadeza, com instabilidade, com "pouca fé". O Catecismo da Igreja Católica nos ensina a distinguir entre pecado mortal e pecado venial (N. 1855-1856). Na primeira situação, o ser humano teve um comportamento tão grave que rompeu sua ligação mais profunda, seja com Deus, como com o próximo. No segundo caso, esta ligação permanece, mas não é perfeita.

O que acontece quando o homem chega ao final da sua vida e deve entrar em contato com o Deus totalmente santo? Com Deus ninguém convive se não for totalmente de Deus. Diz o livro do Apocalipse (21,27) que, no céu, na "cidade santa", "na nova Jerusalém... não entrará nada de impuro".

É aqui que reside o lugar teológico do purgatório. O purgatório significa, pois, a graciosa possibilidade que Deus concede ao homem de poder e dever, na morte, amadurecer radicalmente.

O purgatório é esse processo doloroso, como todos os processos de ascensão e educação, no qual o homem, na morte, atualiza todas as suas possibilidades, se purifica (daí o termo "purgatório") de todos os limites, fruto da própria história de pecado, de maus hábitos adquiridos ao longo da vida.

Padre César: Quem teve essa ideia de providenciar um meio de purificação para se chegar ao céu nas condições exigidas de perfeição? Foi Deus?

Professor Lino Rampazzo - Há uma palavra fundamental para entender a nossa fé. Esta palavra corresponde ao termo "Revelação". Deus se revelou nos profetas do Antigo Testamento e, especialmente, em Jesus Cristo, cuja mensagem nos foi comunicada particularmente através dos Apóstolos (Novo Testamento). Lá se encontra a "Palavra de Deus", o que Deus nos fala, o que Deus nos pede, o que Deus nos revela.

Vou citar uma destas palavras. São Pedro, na sua Primeira Carta (1,14-16) escreve: "Como filhos obedientes, não vos conformeis com os desejos que tínheis no tempo da vossa ignorância; mas, assim como aquele que vos chamou é santo, sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito 'Sereis santos porque eu sou santo' (ref. Levítico 11,44)".

Ou como não lembrar a outra palavra que lemos em Mateus 5,48: "Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste”.

Pois bem, Deus nos pede a perfeição, ele nos quer perfeitos e, através da sua graça, que sempre nos acompanha nesta e na outra vida, Ele nos transforma de imperfeitos em perfeitos. Mas esta graça, na vida presente, é oferecida à nossa "liberdade". O homem pode dizer a Deus um "não definitivo"; ou dizer "sim", mas não de uma maneira perfeita.

Então, a sua Graça nos acompanha até o momento em que este "sim" se tornará perfeito e, se isso não acontece antes da nossa morte, acontecerá depois da morte, para aqueles que escolheram amar a Deus e ao próximo, mas não chegaram a fazê-lo "com todo o coração". Eis o "lugar", ou melhor, o "estado", a "situação" do Purgatório.

Padre César: Na história e na doutrina da Igreja Católica, o que existe ou o que se fala sobre o purgatório?

Professor Lino Rampazzo - Na antiga Igreja, a ideia do purgatório se desenvolveu em relação com a prática penitencial. De fato, se por um lado Jesus concedeu aos apóstolos o poder de perdoar os pecados (cf. João, 20,22-23), por outro a Igreja organizou sua "prática penitencial" de maneira diferente, em épocas diferentes.

Hoje nós temos a modalidade do Sacramento da "Confissão", mas desde o início até o século VI, houve a modalidade da penitência pública, concedida uma vez na vida e reservada para os pecados mais graves e públicos, caracterizada por um longo (de anos) e difícil caminho de expiação, que se concluía com uma reconciliação eclesial, por meio do bispo.

Reinava, então, a insegurança quanto ao batizado que houvesse cometido um pecado mortal e, em consequência, se achasse excluído da vida comunitária da Igreja, se estava suficientemente purificado e havia feito suficiente penitência para poder ser admitido novamente na celebração eucarística.

E, em suas dúvidas, as autoridades eclesiásticas se decidiam a conceder a reconciliação, que às vezes parecia demasiado prematura, movidas pelo pensamento de que, além da morte, existe uma possibilidade de purificação ou de reconciliação. Quem mais difundiu a doutrina do purgatório foi o Papa Gregório Magno (papa desde o ano de 590 até 604).

A convicção eclesiástica criou diversas formas de expressão na liturgia. Já no século II, se atesta uma oração pelos falecidos e, desde o século III, existe o costume de orar por eles durante a celebração da Eucaristia.

A Igreja Católica ensinou explicitamente a existência do Purgatório no Segundo Concílio de Lião (1274), no Concílio de Florença (1439) e no Concílio de Trento (1545-1563).




Padre César:
Há um jeito de se evitar o purgatório, seja aqui na terra seja após a morte?

Professor Lino Rampazzo - "Viver é aprender", diz o provérbio. Temos a vida toda para aprender a "amar a Deus de todo o coração e amar o próximo como a nós mesmos". Nesta caminhada, fazemos também a experiência do pecado, mais ou menos grave. Não podemos, então, esquecer o significado da palavra Evangelho.

Esta importante palavra vem do grego e se traduz com "boa nova", "bela notícia". Qual é a "bela notícia"? Ei-la: Deus é misericórdia, Deus é graça, Deus perdoa, Deus é como o Pai do Filho Pródigo. Manifestou esse amor dando-nos seu Filho, Jesus, nosso Salvador, que deu a vida por nós, que nos salvou através da sua morte-ressurreição e do dom do Espírito Santo. Naturalmente, o homem tem que fazer a sua parte, acreditando neste amor e convertendo-se. Trata-se, para todos nós, de uma luta contínua entre o pecado e a graça.

Falamos que a Igreja é santa e pecadora, ao mesmo tempo. Vamos, aos poucos, aprender a "viver como Jesus viveu"É um processo educacional: os que mais aprendem, às vezes depois de uma experiência de pecado, chegam ao fim da vida "purificados", "prontos" para "ver a Deus face a face". Os que escolheram a Deus de verdade, mas que ainda não se aperfeiçoaram de maneira completa, na morte irão completar este "processo de conversão": eis o "purgatório". Quanto vai durar? Depois da morte vamos ficar... Sem relógio. No fundo, é ridículo falar de 100 anos, ou de mil anos de purgatório. Entramos no mistério da vida após a morte. Só Deus sabe.

Em suma, somos chamados, desde já a percorrer o caminho da santidade. Não vamos esquecer que, no Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja falou da "Vocação universal à santidade" (cf. Documento sobre a Igreja, Lumen Gentium, n. 39-42). Todos os cristãos são chamados a ser santos, naturalmente dentro da específica vocação de cada um.

Padre César: No dia de finados, se reza especialmente pelos mortos, visitam - se os cemitérios. A que se devem essas práticas? São válidas?

Professor Lino Rampazzo - A oração pelos mortos tem raízes já na crença dos próprios judeus, quando ocorreu o episódio de Judas Macabeus (II século antes de Cristo). Narra-se aí que alguns soldados judeus foram encontrados mortos num campo de batalha, tendo debaixo de suas roupas alguns objetos consagrados aos ídolos, o que era proibido pela Lei de Moisés.

Então Judas Macabeus mandou fazer uma coleta para que fosse oferecido em Jerusalém um sacrifício pelos pecados desses soldados.

O autor sagrado louva a ação de Judas nestes termos: “Se ele não esperasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. E acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente. Era este um pensamento santo e piedoso. Por isso pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas”. (2 Mac 12,44-46)

Neste caso, vemos pessoas que morreram na amizade de Deus, mas com uma incoerência, que não foi a negação da fé, já que estavam combatendo no exército do povo de Deus contra os inimigos da fé.

Padre César Moreira: No Credo cristão professamos a fé na "comunhão dos santos". O que significa isso?

Professor Lino Rampazzo - Procuramos a resposta no Catecismo da Igreja católica, que assim se expressa: "A expressão comunhão dos santos designa, em primeiro lugar, as coisas santas e, antes de mais, a Eucaristia, pela qual 'é representada e se realiza a unidade dos fiéis que constituem um só Corpo em Cristo".

Nós cremos na comunhão de todos os fiéis de Cristo: dos vivos que peregrinam na terra, dos defuntos que estão levando a cabo a sua purificação e dos bem-aventurados do céu.

Este termo também designa a comunhão das pessoas santas em Cristo, que 'morreu por todos', de modo que, o que cada um faz ou sofre por Cristo e em Cristo, reverte em proveito de todos. Formam todos uma só Igreja; e cremos que, nesta comunhão, o amor misericordioso de Deus e dos seus santos está sempre atento às nossas orações." (N. 960-962).

Então, visitando os cemitérios e rezando pelos falecidos, manifestamos a fé na "comunhão dos santos" e, acima de tudo, manifestamos a fé na ressurreição dos mortos. A esse respeito, gostaria de concluir com as belíssimas palavras do Apóstolo Paulo, que encontramos na Primeira Carta aos Tessalonicenses (4, 13-18):

"Não queremos, irmãos, que ignoreis coisa alguma a respeito dos mortos, para não vos entristecerdes como os outros que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também devemos crer que Deus levará por Jesus e com Jesus os que morrem nele...Seremos arrebatados juntamente com eles (quer dizer, com os que já morreram) sobre as nuvens; iremos ao encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor. Consolai-vos portanto com estas palavras".

Vamos, então, visitar os cemitérios e rezar pelos falecidos: estas práticas são validas, pois nascem da nossa fé e a alimentam.

Escrito por:
Padre Antônio César Moreira Miguel (Arquivo redentorista)
Pe. César Moreira, C.Ss.R.

Sacerdote, jornalista, radialista e escritor com muitos anos de atividade nos meios de comunicação social. Foi diretor geral da Rede Aparecida de Comunicação e fundou a Rede Católica de Rádio, hoje atua na área de assistência social da Província de São Paulo.

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