Em 2010, a vida do diácono Edalto Pereira dos Santos, de 34 anos, estava em situação de plena normalidade. Ele realizava seus estudos de teologia em Roma e se preparava para ordenar-se padre. Certo dia, ao fazer exames de rotina, eis que aparece uma surpresa um pouco desagradável. Edalto apresentou problemas cardíacos, o ritmo do coração não estava no compasso certo. Com a surpresa o diácono ficou indignado, pois não sentia nenhum sintoma, chegando até mesmo discordar e questionar os médicos.
Em meio a conturbada notícia foi diagnosticada uma arritmia, o coração estava em fibrilação. Edalto foi enviado à Milão para fazer uma bateria de exames mais profunda e descobriu que corria risco de morte súbita e viveu dias de muito medo, terror e sofrimento.
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Três meses depois, estava acometido pelo inchaço das pernas, retornando para o hospital, além da arritmia, diagnosticou-se uma dilatação cardíaca, ou seja, o coração de Edalto crescia demasiadamente. Ficou internado por um mês, muito fraco, sentia dificuldades para andar, necessitava urgentemente de um transplante de coração, foi enviado a Siena para uma avaliação. Não deu outra, o sonho do diácono se tornar padre teve de ser adiado.
Em dezembro 2010, Edalto decidiu voltar ao Brasil, o conforto de estar em casa e cercar-se de amigos e parentes parecia lhe cair bem naquele momento. Ele resolveu procurar o Instituto do Coração (InCor), que havia tratado os mesmos problemas em seu pai, falecido 1992.
Em 2011 iniciou um tratamento no InCor, uma cardioversão, procedimento utilizado para converter um ritmo irregular de batimentos cardíacos, num ritmo normal, por meio de um choque elétrico no tórax. O tratamento sustentou por um ano a vida de Edalto, mas em 2012 o problema começou a retornar.
Edalto já não podia frequentar a paróquia, andar de moto, tocar bateria, coisas que sempre fez e gostou. “Sentia que minha vida estava por um fio”, conta.
Em 11 de julho de 2014, o transplante foi realizado e Edalto pôde retomar integralmente a vida, recuperou o peso e adquiriu novamente a capacidade de andar. Agora só tem sonhos e planos que é a realização da vocação que escolheu. “Agora poderei me sentir realizado me tornando padre e retomando 100% à vida”
Assim como Edalto, somente no ano passado, no InCor, 96 pessoas puderam retornar à vida após a realização de transplantes. Isso representa 26% a mais do que em 2013, marca que coloca o Instituto do Coração entre as 10 instituições que mais realizam transplantes no mundo.
Foto de: Arquivo Pessoal
Diácono Edalto passou por um
transplante de coração bem
sucedido e agora poderá conquistar
o sonho de se ordenar padre
Em 2014 a equipe somou 96 cirurgias, entre coração (44 em adultos e 24 em crianças) e pulmão (27 em adultos e 1 em criança) – 26% a mais do que em 2013 (76 operações).
Mais do que colocar o Incor, pela primeira vez, na 7º posição do ranking dos 10 maiores centros de transplante cardíaco do mundo, o resultado renova as esperanças de outros 125 pacientes que estão em fila de espera para transplante no Instituto. São 23 adultos e 22 crianças para coração e 80 adultos para pulmão.
No horizonte de 2015, esses pacientes fixam o olhar na expectativa do surgimento de um órgão que lhes traga uma segunda chance de vida. O resultado também dá um tom de esperança de que as instituições que realizam transplantes estão empenhando-se para o melhor. Mais brasileiros serão salvos.
De acordo com cirurgião cardíaco do Núcleo de Transplante do Incor, Fábio Antônio Gaiotto o resultado representa uma grande conquista. “Nós estamos salvando muitas vidas”.
Ele fala das expectativas para este ano. “Esperamos a partir de 40 transplantes por adultos, sem limite de término. E que isso também ajude a alavancar outros centros do Brasil a motivarem-se a fazer o transplante cardíaco. Ao todo à soma de todas às instituições contabilizam em torno de 300 transplantes de coração em 2014”.
O médico aborda que para obter tais resultados é preciso de uma estrutura grande, que no InCor é chamada de Núcleo de Transplante Cardíaco, e essa estrutura envolve enfermeiros, clínicos, fisioterapeutas, psicólogos, cirurgiões, profissionais de todas as áreas, que trabalham focados no processo. “Todos nós temos as nossas atividades e trabalhamos nos transplantes com uma dedicação muito ferrenha. Isso é vontade institucional de montar uma estrutura baseada em modelos de fora, como, o modelo espanhol e o modelo americano, além de colher disto frutos belíssimos.”
Uma guerra com diversas batalhas
Para se ter uma ideia em um transplante cardíaco, em média, são três ou quatro corações ofertados que são descartados por motivos clínicos, por problemas com doenças pré-existentes do doador, alguma condição que tenha uma contraindicação médica ou dificuldades no implante do próprio receptor. “Há uma análise e discursão caso a caso, todos que estiverem na fila, nós temos reuniões semanais para avaliar todos os pacientes que são listados, que vão ser candidatos ao transplante e o paciente que teve rejeição.”
Os pacientes muito grandes em estatura também têm dificuldades para receber um novo coração. “São difíceis de encontrar doador, porque é preciso que exista uma compatibilidade. Eu não posso pegar o coração de uma pessoa pequena e colocar no receptor grande, ou de pessoa grande e colocar num receptor pequeno. Isso dá problema. Depois, nós temos os problemas relacionados à imunologia, ou seja, todo receptor, quando entra na fila é submetido a uma avaliação imunológica que se chama painel de reatividade, que se trata de um teste contra uma amostra da população, para saber se existe risco de rejeição. Então, essa compatibilidade de peso, compatibilidade imunológica, muitas vezes é difícil. O mais difícil é quando o doente tem painel imunológico alto, o que significa isso? Ele reage contra a população, porque ele já tem anticorpos pré-formados pela natureza dele. É um doente que rejeita mais, e nesses doentes é mais difícil de fazer um transplante, de conseguir um coração”, aponta.
Segundo o médico apesar das dificuldades as pessoas já são mais conscientes que no passado. “Eu acho que melhorou, mas a consciência oscila. Quando existe uma mídia envolvida na doação, o brasileiro se conscientiza mais e doa mais. Quando a mídia se afasta um pouco, o brasileiro acaba esquecendo, ele esquece um pouco da doação e rejeita mais a doação”, avalia.
Foto de: Arquivo Pessoal
Dr. Fábio Gaiotto ressalta o avanço da
tecnologia que deu um salto importante
nos últimos cincoanos
Ele explica que em alguns Estados como, Minas Gerais, por exemplo, um pouco mais da metade das pessoas aceitam doação. E é preciso deixar claro que não basta o doador manifestar o desejo, pois a família precisa autorizar a doação, é obrigatório que saiba-se da vontade de doação, e parentes aceitem a realização do procedimento. “Nesse processo eu acho que a consciência maior da população oscila. Quando tem uma novela, uma reportagem, a doação aumenta. Quando a mídia fica um pouco afastada a doação diminui.”
Ele elogia a abordagem da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo nesse processo da doação de órgãos. “É muito preparada na abordagem familiar. Quando há morte encefálica, ou seja, a pessoa está morta, mas o coração continua batendo, com um diagnóstico de morte, as enfermeiras, os psicólogos da Secretaria de Estado vão falar com a família e tentam contemporizar que a pessoa já morreu. Apesar do coração estar batendo, a pessoa faleceu, e que a doação é um ato de amor, é um ato de conforto e que pode salvar vidas de pessoas que estão morrendo esperando um órgão, é continuidade de vida. O calor do momento varia de situação para situação, de família para família, e no Brasil consegue ter, no meio desse calor, entre 50 e 60% de aceitação, que é uma taxa que eu considero razoável, pode melhorar, mais é uma taxa razoável”, opina.
Segundo o presidente do conselho diretor do hospital, a organização das equipes de transplante num novo modelo de gestão foi um dos principais fatores na conquista dos resultados em 2014.
O Núcleo de Transplantes do Incor foi criado em 2013 como uma área multiprofissional com foco exclusivo no transplante. Ao reunir num mesmo processo de gestão todas as equipes (cirúrgica, clínica e multiprofissional de transplantes de coração adulto e infantil e de pulmão), o núcleo otimizou recursos, deu sinergia ao trabalho dos grupos e melhorou indicadores importantes, como o da taxa de mortalidade no pós-cirúrgico imediato – no transplante cardíaco de adulto, essa taxa chegou a 10%, em 2014 - número compatível, por exemplo, com a Cleveland Clinic (10%), maior centro de cardiologia dos EUA.
A dinâmica atual torna possível, por exemplo, o envio de equipe avançada para o hospital em que se encontra o potencial doador, de maneira a melhor avaliar o coração e o pulmão a serem doados.
Além de um enfermeiro, a equipe possui um profissional (médico, biomédico e biólogo) que realizam o exame de ecocardiografia para avaliação do órgão. O resultado é transmitido à beira do leito, por WhatsApp (telefonia celular), para análise da equipe de médicos ecocardiografistas de plantão no InCor. Se o resultado for positivo, é dado seguimento ao processo de captação, com envio da equipe de cirurgiões para o local.
Foto de: Reprodução
A existência do Núcleo também torna rotineiras operações complexas como a de captação de órgãos em cidades distantes do interior paulista ou até mesmo de outros Estados, utilizando voos comerciais e fretados e, não raro, helicópteros das Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo.
Dos 96 transplantes realizados, praticamente a metade (47 órgãos) foi captada em localidades distantes mais de 100 km da Capital paulista, seja em São Paulo ou em outros Estados como, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Minas Gerais e Goiás.
Mais doações
Embora ainda em número insuficiente para atender toda a fila de espera, especialmente a de pulmão, o crescimento continuado do nível de doações no Brasil merece destaque.
O potencial de crescimento é grande, segundo dados do Ministério da Saúde 56% das famílias entrevistadas, em situações de morte encefálica, aceitam e autorizam a retirada de órgãos para a doação.
O Presidente do Incor Dr. Fábio Jatene destaca, por mais um ano, a importante parceria da imprensa e de seus jornalistas na conquista desses 96 transplantes feitos pelo Instituto.
“Cada vez que uma reportagem contando uma história de vida de um paciente em espera por um transplante vai ao ar ou é publicada, o número de doações aumenta na sequência e, com isso, salvamos mais vidas”, afirma Dr. Jatene.
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