Quando aquela imagem feia e quebrada apareceu na rede de três pescadores, em 1717, o Brasil estava longe de ser o Brasil. Assim, o jornalista e correspondente internacional da Rede Globo, Rodrigo Alvarez, inicia uma das melhores obras já escritas sobre Nossa Senhora Aparecida: O livro Aparecida – A biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil.
Foto de: Arquivo Pessoal
"O maior desafio foi fazer tantas viagens e pesquisar
em milhares e milhares de páginas de documentos e
transformar toda aquele informação em algo que fosse
gostoso de se ler, que informasse e ao mesmo tempo
fizesse as pessoas querer ler mais e mais para chegar
até o fim do livro - compreendendo, assim, toda a
biografia da imagem. Os leitores vão dizer se consegui
ou não, espero que sim"
O livro retrata a história da pequena imagem que é o maior símbolo da fé católica brasileira, que existe antes mesmo do Brasil ser Brasil, de ter a sua própria bandeira, de existir o samba, o futebol, o carnaval, a estátua do Cristo Redentor. Fruto de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior Rodrigo Alvarez, traz três séculos de história sobre a padroeira do país.
Narra, por exemplo, a noite de 1978 em que um homem atormentado invadiu a basílica de Nossa Senhora Aparecida e destruiu a imagem da santa – atentado que se desdobrou em uma sequência de acontecimentos cheios de mistérios. Este é apenas um dos eventos que cercam Aparecida e, à medida que se desenrolam, vão se confundindo com a própria história do país.
Ricamente ilustrada, a obra descreve personagens curiosos: o padre que tirava a santa do altar às escondidas; o governador que cortava cabeças; a restauradora irritada; o frei que enfrentava corruptos. E também revive personalidades marcantes, como a princesa Isabel, que lhe deu a coroa; o general Médici, que financiou uma peregrinação pelo país da ditadura; e os três últimos Papas, João Paulo II, Bento XVI e Francisco, que fizeram questão de beijá-la.
Rodrigo mostra que a mistura entre fé, paixão e identificação nos faz pensar que a imagem de Aparecida seja, talvez, o primeiro símbolo nacional brasileiro. Até mesmo os mais céticos sabem que, ao ver a imagem triangular coberta pelo manto azul, estão vendo um retrato do Brasil.
Jornal Santuário de Aparecida – O que o levou a escolher Aparecida como temática para o seu terceiro livro?
Rodrigo Alvarez – Nos últimos anos desenvolvi um grande interesse pela história das religiões e também pela história do Brasil. Durante os meus estudos, percebi que não havia uma biografia de Nossa Senhora Aparecida do jeito que eu imaginava que a Padroeira do Brasil merecia ter: um texto com base em documentos e entrevistas, abrangendo os três séculos de história e contando detalhes que fossem além da pequena parte que todos conhecem, aquela que fala dos três pescadores e o encontro da santinha no rio Paraíba do Sul.
A pescaria é um capítulo muito importante no livro. Mas existem tantas outras histórias importantes e curiosas que acredito que depois de ler a biografia Aparecida os brasileiros vão entender melhor o que, não tenho dúvida, é uma parte da história do Brasil. Entendo que a santinha Aparecida é um personagem brasileiro, assim como o foram a Princesa Isabel, Dom Pedro II, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e tantos outros que já mereceram biografias.
JS – Já na capa você coloca algo inusitado, porém a pura realidade: A biografia da Santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil. O que motivou a escolha destes dizeres como um subtítulo?
Rodrigo Alvarez – Entendemos, os editores da GloboLivros e eu, que a capa deveria explicar aos brasileiros que este era um livro diferente dos muitos outros que haviam sido publicados sobre Nossa Senhora Aparecida; que naquelas páginas o leitor não encontraria preces, a descrição de milagres ou lendas (como sabemos, muitas delas surgiram ao longo desses anos). Era preciso dizer aos brasileiros que estávamos trazendo um conteúdo novo, fruto de três anos de pesquisa no Brasil e no exterior, e com base documental, histórica, altamente confiável. Além disso, claro, o subtítulo é uma pequena provocação, no bom sentido, para que as pessoas saibam que vão descobrir muitas coisas novas – e curiosíssimas – ao longo do livro.
JS – Por quais motivos resolveu trazer histórias curiosas no livro. Seria uma forma diferente de falar com o leitor?
Rodrigo Alvarez – Como escritor, entendo que um bom livro deve ser leve, rápido, claro, objetivo e – principalmente – gostoso de se ler. De que adiantaria eu transcrever páginas e páginas de documentos sem contextualizar? Entendo que ao dar exemplos e contar fatos curiosos, estou convidando o leitor a viajar comigo pelos quase 300 anos desde o encontro da santinha.
Gosto muito, por exemplo, de toda a história que se desenvolve no começo do livro em torno do padre Izidro de Oliveira Santos, um homem do nosso tempo, polêmico, curioso, enigmático e também adorável. Por exemplo, quando ele esconde a imagem de Nossa Senhora Aparecida no quarto dele porque queria pintá-la de uma cor mais clara e acaba arranhando o olho direito da imagem, até sangrar os dedos, porque discordava da reconstrução feita no Museu de Arte de São Paulo.
É um momento bonito e, ao mesmo tempo, cinematográfico, tenso, comovente. Entendo que mesmo quem não é devoto de Nossa Senhora Aparecida poderá sentir algo de especial pela santinha ao ler essas páginas. E é bom lembrar que tudo é real, não tem nada no livro que não tenha base em documentos, bibliografia e entrevistas.
JS – Você é um jornalista que viaja o mundo. Imagino que tenha o tempo muito corrido. De que forma e em quanto tempo conseguiu unir histórias e publicar o livro?
Rodrigo Alvarez – Trabalhando como correspondente da TV Globo e viajando muito, precisei aproveitar fins de semana, férias e longas noites, em todo o tempo que me restava livre, para me aprofundar em tantos documentos, livros e entrevistas.
Escrevi o livro em Jerusalém, onde vivo atualmente. Mas comecei a pesquisa em 2011, com visitas a Aparecida, quando ainda morava em São Paulo.
Entre 2011 e 2012, reuni a maior parte dos documentos (muitos deles jamais publicados) que serviram de base para a pesquisa. Comprei e li também inúmeros livros sobre o cristianismo, sobre a história do Brasil, sobre política brasileira, sobre a história de Portugal... enfim, precisei montar uma biblioteca nova no meu escritório, com mais de cem volumes, que serviram para responder questões importantíssimas que não encontrei nos livros que já existiam sobre Nossa Senhora Aparecida. Foi fundamental ter conhecido e conversado com o padre Júlio Brustoloni, que tem bons livros e uma belíssima pesquisa sobre o tema. E tive também muita ajuda da Eliete Galvão, que cuida do arquivo do Santuário.
Além disso, fui à Alemanha, na região da Baviera, conhecer o Santuário de Altötting, onde também existe uma Virgem Negra. Foi da Baviera que saíram os padres redentoristas em 1894 para organizar Aparecida num tempo difícil da história do Santuário. Pesquisei em documentos históricos do convento de Gars, também na Alemanha, que guarda um acervo muito importante sobre Aparecida.
Como os leitores vão perceber ao longo do livro, os redentoristas alemães e brasileiros foram fundamentais para que a santinha e o Santuário prosperassem e chegassem tão bem ao Século XXI.
Além disso, vivendo na Terra Santa, tive oportunidade de conversar com padres e teólogos para entender melhor a vida de Maria, a mãe de Jesus. Visitei Nazaré, na Galileia. Fui a Belém, onde Jesus nasceu. E diversas vezes estive no Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém, onde a tradição cristã afirma que Jesus foi crucificado e enterrado. A soma de tudo isso resultou no livro.
JS– Escrever o livro te surpreendeu de alguma forma ou mudou algo no seu modo de ver Aparecida e a fé dos brasileiros católicos?
Rodrigo Alvarez – Quando me propus a escrever Aparecida, tinha claro que precisava ser um livro documental, que relatasse os fatos com precisão, da mesma forma como trabalho como jornalista. E assim fiz. Mas ao longo da pesquisa, e também muito agora, depois do lançamento no dia 10 de setembro, em São Paulo, fui surpreendido diversas vezes pela força de Nossa Senhora Aparecida e pela beleza da devoção dos brasileiros. Acho que a maior surpresa é perceber que em todos os cantos do Brasil, onde menos se imagina, existe uma enorme devoção por aquela que chamo carinhosamente de santinha.
Pessoalmente, tenho um apreço cada vez maior pela imagenzinha de 36 centímetros que tinha tudo pra ser só mais uma... era até feiinha no começo, com o pescoço quebrado, nariz quebrado, faltando uma parte do cabelo... mas foi tão amada e querida pelos milagres atribuídos a ela que conquistou o Brasil.
JS – Você também é um homem de fé?
Rodrigo Alvarez – Venho de uma família católica, estudei no Colégio Santo Agostinho e me formei na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Aprendi ao longo da vida que a fé de cada um é algo muito particular, e sempre, sempre deve ser respeitada. Hoje, meu grande interesse é pela importância da religião católica para o Brasil e para os brasileiros.
JS – Na sua opinião Aparecida é um símbolo do Brasil?
Rodrigo Alvarez – Aparecida é um dos símbolos mais importantes e antigos do Brasil. Conquistou os corações brasileiros antes mesmo do samba e do futebol, antes também da nossa bandeira verde-amarela e do hino nacional. Aparecida é um símbolo brasileiro mais antigo até que a invenção da palavra “brasileiro”! E por toda a importância que adquiriu ao longo desses três séculos, entendo que até aqueles brasileiros que não são católicos, aqueles que seguem outras religiões, podem e devem ver na santinha uma imagem bonita do nosso Brasil. Ela representa o nosso povo, foi e continua sendo um grande personagem da nossa história.
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