Em outubro de 2021 teve início na Igreja Católica o Sínodo sobre a Sinodalidade. Consultas e discernimentos marcam esse processo, que culminará em Roma, em outubro de 2023.
Para compreender essa etapa da vida da Igreja Católica, a Revista de Aparecida conversou com o secretário da comissão teológica do Sínodo dos Bispos, o teólogo Rafael Luciani. Venezuelano, ele atua como assessor teológico do CELAM (Conferência Episcopal Latino-Americana) e é um dos principais especialistas mundiais no tema da sinodalidade.
Confira a entrevista exclusiva:
Revista de Aparecida: A que se propõe esse Sínodo e por que o Papa escolheu esse tema?
Rafael Luciani: O papa, no seu discurso sobre os 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos, nos disse que a sinodalidade é o caminho da Igreja para o terceiro milênio, e isso significa que temos o desafio de pensar um novo modelo de instituição na Igreja ou, como gosto de dizer, uma nova maneira de proceder eclesial na Igreja. Por isso é tão importante, porque o Sínodo busca fazer esse discernimento: escutar-nos, e como Igreja universal discernir juntos qual será esse modelo, como será essa instituição e de que modo podemos contribuir para conseguir essa reforma em chave sinodal que nos pede o Papa Francisco hoje em dia.
Revista de Aparecida: Com tantas atribuições, qual o maior desafio do Sínodo?
Rafael Luciani: Creio que o maior é, entre os muitos que podem haver, que compreendamos que estamos vivendo em uma etapa eclesial onde o [Concílio] Vaticano II é recebido de maneira nova, e essa maneira nova tem que ser recebida com o que chamamos de sinodalidade. Hoje em dia temos esse desafio imenso: como reler o Concílio entendendo que estamos em uma mudança de época eclesial, e essa leitura deve partir do modelo de Igreja-Povo de Deus da Lumen Gentium, especialmente da escuta do sensus fidei que nos permita construir caminhando juntos, esse novo modelo para o terceiro milênio, e que não seja somente um grupo de pessoas que falam desse novo modo de entender e ser Igreja no terceiro milênio. Trata-se, portanto, de um trabalho em conjunto, como Igreja, entre todos os fiéis: leigos, presbíteros, religiosos, episcopado e o Bispo de Roma. Nesse sentido caminhando, discernindo e refletindo juntos. Esse é um grande desafio, um desafio imenso para todos e para todas.
Revista de Aparecida: Como o senhor disse, o Concílio Vaticano II aborda muito o sensus fidei. Podemos dizer que esse Sínodo é a aplicação efetiva do Concílio ou ao menos um grande passo para isso?
Rafael Luciani: Sim. É um Sínodo muito importante porque não é sobre um tema, como foi o Sínodo para os Jovens, o Sínodo para a Amazônia, ou o Sínodo para a Família. Nesse caso é um Sínodo sobre a Igreja mesmo. Por isso, é um Sínodo sobre a Sinodalidade, porque a sinodalidade é a essência da Igreja. É o modo de ser, de operar, de viver e de proceder da Igreja, como definiu a comissão teológica internacional. Por isso esse Sínodo é tão importante para definir o futuro da Igreja à luz do Concílio Vaticano II, especialmente, como disse, dessa eclesiologia do povo de Deus, que se concentra no capítulo segundo da Lumen Gentium. Uma Igreja-povo de Deus em saída, que caminha junto até a construção de um novo modo de ser para o terceiro milênio.
Revista de Aparecida: É muito interessante porque exatamente esse povo é consultado e tem voz nesse Sínodo. Isso é quase uma novidade nesse processo que é tão importante para a Igreja. Que valor essa consulta agrega ao Sínodo?
Rafael Luciani: É a primeira vez que um Sínodo dos Bispos faz uma consulta à Igreja universal, não só aos bispos. É a primeira vez, desde o Concílio Vaticano II, que a Igreja empreende um processo de revisão no nível dessa extensão de sua consulta a todo o mundo. Isso é uma novidade importantíssima, porque pode ser que encontremos em um continente problemas que em outro continente não tínhamos em conta. E se trata, então, de encontrarmos e vermos, como Igreja, todos juntos, o que está acontecendo e sucedendo em um e outro lugar, e como podemos ajudar para um processo de conversão e um processo de reformas que não seja feito entre alguns, ou por uns, mas sim entre todos e com todos na Igreja.
Revista de Aparecida: Estamos agora no processo de escuta das paróquias e dioceses. Como os fiéis podem participar, de forma efetiva, desse caminho sinodal?
Rafael Luciani: Uma primeira maneira é a partir de suas comunidades que se organizam através das equipes diocesanas, que são nomeadas para coordenar o processo de escuta, e essas comunidades que se organizam vão aí respondendo às perguntas que estão no documento preparatório e no Vade mecum que são as duas instâncias fundamentais que temos como guia para discernimento desse caminho. Mas também está a possibilidade de que qualquer pessoa, grupo ou instituição pode fazer suas próprias contribuições diretamente à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos.
Revista de Aparecida: Depois desse primeiro passo de consulta, de conversa com o povo, quais serão os próximos passos nesse caminho sinodal?
Rafael Luciani: O passo seguinte é, tendo acontecido esse processo de consulta e escuta, relatar o documento que logo será discernido em cada continente. No caso da América Latina, teremos então, logo depois das assembleias diocesanas, a assembleia continental. No caso da África, do mesmo modo, assim como no caso da Ásia, da Europa e de cada continente. Esses documentos são instâncias que sintetizam aquilo que foi escutado e voltam, outra vez, a serem colocados em discernimento. Isso é importante de compreender porque é novo. Não é que recebemos uma informação, a discernimos e já tomamos uma decisão. É um processo. Cada vez que há uma das etapas desse processo realizadas, se regressa outra vez a outro novo processo de discernimento mais amplo. Desde as dioceses, na primeira fase, ao nível continental – essa segunda fase de discernimento – a nível universal, que é a Assembleia final, em Roma, em outubro de 2023. Estamos, pois, em uma maneira nova de proceder e a novidade supõe que vamos aprendendo também sobre o caminhar nesse Sínodo.
:: Confira a entrevista completa, em vídeo ::
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