Teve início nesta quarta-feira (4), no Vaticano, a primeira sessão do da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Ao todo, 464 pessoas – entre religiosos, leigos e membros de outras religiões - participam do processo, que reflete sobre a Sinodalidade na Igreja. Para entender os detalhes deste processo, a equipe da Revista de Aparecida conversou com exclusividade com o relator-geral do Sínodo sobre a Sinodalidade, Cardeal Jean-Claude Hollerich.
Esta é a primeira vez que o religioso, de 65 anos, concede uma entrevista sobre o Sínodo a um órgão de imprensa brasileira. Na conversa, o purpurado revelou o conteúdo dos trabalhos e o que esperar do encontro, que acontece até o dia 29 de outubro na Sala Paulo VI, no Vaticano.
Acompanhe a entrevista clicando no vídeo acima ou lendo abaixo:
Cardeal, em primeiro lugar, obrigado por aceitar nosso convite e fazer, pela primeira vez, uma entrevista sobre o Sínodo a um veículo de imprensa brasileiro.
É um prazer.
Por que um Sínodo sobre Sinodalidade?
Porque a sinodalidade instituída por Paulo VI no Sínodo dos Bispos, Paulo VI já disse que é algo a ser desenvolvido. De fato, vemos no pontificado do Papa Francisco que a sinodalidade se desenvolveu gradualmente. No Sínodo para a Família, tivemos dúvidas ainda um pouco complicadas, teológicas. Mas, de qualquer forma, para as pessoas, foi questão vista. Depois, para os jovens, haviam três pontos cruciais no texto que entrou no documento para o Sínodo, para preparar o Sínodo. Vocês sabem melhor do que eu: o Sínodo sobre a Amazônia. E lá estava a REPAM, que preparou tudo. Portanto, há um desenvolvimento da sinodalidade ao Povo de Deus. E, de fato, encontramos na Lumen Gentium que fala da colegialidade dos bispos - Sínodo dos Bispos - mas fala também do sacerdócio comum. Ele fala da Igreja como o Povo de Deus, que caminha no tempo, e isso encontrou expressão nesta nova forma de sinodalidade. E agora é preciso fazer desse tesouro da Igreja, da sinodalidade, um tesouro aberto para o futuro. E esta é a tarefa do Sínodo sobre a Sinodalidade.
Cardeal, sabemos que o processo sinodal começou em 2021, mas agora atinge seu auge com a primeira sessão sinodal em Roma. O que podemos esperar desta primeira sessão?
O Sínodo será diferente em método dos anteriores. Temos mesas redondas. Estaremos sentados nessas mesas para facilitar a participação de todos. Não hierarquicamente, de cima para baixo, mas verdadeiramente como povo de Deus, junto. E isso é muito importante. Portanto, a forma já mostra o conteúdo. Sempre disse que eu, o Secretariado do Sínodo, com o Cardeal Grech, não predeterminamos o Sínodo. Além disso, o próprio Sínodo deve se conduzir sobre si mesmo.
Temos, naturalmente, o Instrumentum Laboris no Sínodo, que tem sido fruto do Sínodo até hoje. É fruto do que tem sido dito nas paróquias, dioceses, conferências episcopais, que tem sido dito a nível continental. E nós, com fidelidade, expressamos o que o povo de Deus nos disse e disse à Igreja. E depois aos pastores, aos bispos para fazerem um discernimento. Como continuar a estrada. E temos também no Sínodo dos Bispos, um grupo de não bispos, sacerdotes, leigos, religiosos e eles participaram do Sínodo, onde são testemunhas da experiência sinodal até hoje. E, por isso, são membros do Sínodo.
Agora que começa a primeira sessão da Assembleia Sinodal em Roma, como os leigos, as paróquias, as pessoas consagradas, enfim, toda a Igreja pode dar o rosto de Jesus ao povo, como Vossa Eminência disse numa entrevista recente?
Eu, para mim, isso é muito importante. Porque a Igreja somos todos nós, com a nossa experiência, com a experiência de Deus, a experiência do mundo que temos. Com nossos erros, com nossos acertos, com nossa história pessoal e social. Esta é a Igreja. É a Igreja que juntos nos apresenta os votos de que deve estar a serviço do nosso mundo, deste mundo que Deus ama.
Cardeal, o Instrumentum Laboris fala sobre a sede da Boa Nova do Evangelho em meio à secularização avançada. Estamos diante de um contexto que o Papa Francisco fala muitas vezes que a Igreja é a casa de todos. E o próprio Instrumentum Laboris cita a palavra "todos" 82 vezes. Como vê a contribuição do Sínodo para ver a realidade da secularização e curar a sede de todos?
Para mim, é preciso reconhecer a secularização. Deus está sempre presente no mundo. Deus também está presente no mundo secularizado. Mas devemos ter cuidado para não termos uma Igreja que se esquece de Deus ou que se esquece de Jesus, que esquece o Evangelho. Por consequência, não queremos fazer falsos compromissos com o tempo. Mas queremos anunciar aos homens de hoje, do nosso tempo e aos homens de verdade, que existe a Boa Nova, o Evangelho de Jesus Cristo. E o Evangelho de Jesus Cristo é dirigido a todos. Foi muito bonito nas Jornadas Mundiais da Juventude, na chegada do Papa, quando ele disse: "Todos, todos, todos". E os jovens repetiram. Conhecendo o Papa, para ele é muito importante não excluir as pessoas do coração de Deus. Se a Igreja não reflete mais o coração de Deus, então somos uma Igreja secularizada. Porque é o amor de Deus, a misericórdia, que nos torna verdadeiramente fiéis à vontade de Deus.
Alguns grupos da Igreja se voltaram contra o Sínodo de certa forma. Como integrar também estas pessoas no caminho sinodal proposto pela Igreja?
Às vezes havia confusão. As pessoas pensavam que a Igreja muda o ensinamento sobre tudo no Sínodo. Isso não é verdade. Uma mudança é feita em algum momento da história, mas normalmente é gradual, é um desenvolvimento muito longo. Aqui é uma questão que a Igreja e a bondade, a misericórdia de Deus, são para todos. Para mim não é algo para negociar, porque senão não seremos mais fiéis a Deus e ao Evangelho. Gosto muito da história de Zaqueu no Evangelho. Então Zaqueu é um cobrador de impostos. Mas sente que falta algo na vida. Ele já ouviu falar de Jesus, e sobe na árvore para ver Jesus. Jesus para. Jesus olha para ele. É um olhar de amor, que toca o coração. E Jesus vai a Zaqueu.
E então Zaqueu muda de vida. Acho que Zaqueu talvez não subisse em uma árvore se um bispo, um cardeal passasse. Porque sem o poder de Deus, do Evangelho, não somos nada. E se a Igreja, talvez às vezes, desse a impressão: "Zaqueu, você é um pecador, o que você está fazendo aqui? Vá, faça penitência e depois vamos ver se ainda conseguimos falar contigo". Jesus não agiu assim. Se eu penso que Deus criou todos os homens, que Jesus morreu por todos os homens, por todos. O Papa também disse uma vez: "Quem sou eu para julgar os outros?" E é tão verdade. Eu sou um pecador. Talvez eu tenha outros pecados daqueles que a Igreja gosta de excluir. Mas são pecadores. Então, por que excluir pessoas com outros pecados e perdoar os meus? Devemos ter uma visão um pouco mais geral, mais misericordiosa, mais divina e mais humana das pessoas.
E esta é a primeira vez que os leigos terão direito a voto em uma assembleia sinodal, que até agora era reservada apenas aos bispos e, em alguns casos, aos membros dos institutos clericais. Em 2018, a constituição apostólica Episcopalis Communio já previa essa realidade. Mas esse modelo no sínodo será apenas um teste ou será uma mudança para as próximas reuniões?
Acho que é uma mudança, porque o Papa disse muito claramente que todos os membros do Sínodo terão direito a voto. Claro que a motivação é diferente. Os bispos têm o voto porque são os pastores da Igreja. Os não bispos têm o voto porque são testemunhas do caminho sinodal feito até hoje. Nós, os bispos, devemos ouvir o seu testemunho. Um pastor não pode deixar de ouvir o seu povo. Um pastor deve amar o povo. Um pastor deve viver para o seu povo. Um pastor deve dar a vida pelo seu povo, seguindo o exemplo de Jesus. Portanto, é por esta razão que os não bispos têm o direito de votar. Mas acho que é uma maneira final de ouvir, até o fim, o que o povo de Deus expressou.
Na lista de leigos para participação nesta primeira sessão sinodal, é possível notar que o Papa Francisco deu prioridade à participação de mulheres e jovens. O que significa essa escolha e como ela deve influenciar o trabalho em Roma?
As mulheres são mais da metade da Igreja. Por isso, é estranho dizer que as mulheres são importantes em todas as paróquias e que o trabalho voluntário é feito para as mulheres, mas quando as coisas são decididas, então só há homens. Isso é um pouco injusto. Portanto, há algo a corrigir, as mulheres têm coisas a dizer. Elas têm uma perspectiva diferente. Elas têm uma abordagem diferente. Por isso, é muito importante que as mulheres estejam lá. Não consigo imaginar uma Igreja que toma decisões sem pedir a opinião das mulheres.
E depois os jovens, como disse o Papa, os jovens não são só o futuro, são já o hoje da Igreja. Todos nós vivemos em tempos diferentes. Costumo dizer que temos não só um tempo de secularização, mas uma grande mudança cultural. Estamos no ano zero da digitalização. E vai mudar tudo. Não só a Igreja. Mesmo as democracias, todos devem se perguntar sobre como fazer isso no futuro dessa nova cultura. Os jovens já estão no ano 0,1 da digitalização. Eles são mais avançados do que nós. Vivemos ao mesmo tempo, mas vivemos o mesmo tempo de forma diferente. Os jovens são o que viverão nesta terra quando eu descansar na cripta da Catedral do Luxemburgo. E, por isso, eu amo os jovens, e os jovens são importantes e nós queremos todos. O Papa quer. Os bispos querem que os jovens possam se expressar também no Sínodo.
Na sua visão, para quais caminhos o Sínodo da Sinodalidade levará a Igreja?
O sínodo quem deve decidir. Por isso, tenho dito muitas vezes que tenho uma função como relator-geral, mas é a função de resumir, de juntar os pontos. Não é a função de dirigir o Sínodo. O Papa é o presidente do Sínodo. Disse-nos o tema aos membros do Sínodo para falar, partilhar e propor, decidir. Somos os servidores desse processo.
O senhor acha que as resoluções do sínodo serão facilmente recebidas pelos fiéis e com que rapidez espera que isso aconteça?
O Sínodo possui duas sessões. Temos a sessão de 2023 e temos a segunda sessão de 2024. A primeira coisa que o Sínodo terá de fazer é um roteiro. Ele deve traçar o caminho até 2024. Quais temas tratar em 2024, como fazer até o Sínodo dos Bispos em 2024? São outras coisas a prever, outras coisas a partilhar a nível continental, a nível local. Até agora sempre tivemos um Sínodo que dava feedback às pessoas. Era a circularidade do Sínodo. E essa circularidade é muito importante para manter a fidelidade do que o povo de Deus disse.
Fidelidade não significa que tenhamos que repetir a mesma coisa. Fidelidade também significa desenvolvimento, porque o bonito até agora no processo sinodal é que eu muitas vezes mudei de opinião. Ouvindo minhas irmãs e irmãos, percebi que minha posição era muito pequena, era muito europeia. E isso, por exemplo, para a América Latina, para o Brasil, outras coisas devem ser feitas. Mas para isso existe o Sínodo. Temos uma certa obediência ao Espírito Santo para nos guiar no Sínodo, onde Cristo é o centro de nossas preocupações.
E, em sua opinião, como a experiência da escuta pode moldar a atitude cristã em igrejas particulares?
Acho que é muito importante. Temos uma grande polarização na Europa. Quando fomos a Praga para a Assembleia Continental Europeia, eu tinha medo. Há pessoas, digamos, que querem mudanças, há pessoas que dizem que todas as mudanças são contra o ensinamento da Igreja, e às vezes havia grande tensão em Praga. Mas aprendemos a caminhar juntos com as tensões, e acho que o desafio da sinodalidade é de mudar as tensões, que podem se expressar como polarização. Uma tensão que dá frutos e que nos faz avançar no tempo e na história. Acho que esse é o grande lado positivo da sinodalidade. É difícil porque nos parece que há pessoas que querem rejeitar tudo agora. É a liberdade deles. Mas o Sínodo não é apenas o sínodo dos progressistas, é o sínodo de todos. Todos nós queremos caminhar juntos e ser fiéis ao chamado de Deus, ao chamado do Espírito Santo, baseando-se no Evangelho, no ensinamento de Jesus.
O senhor falou agora há pouco sobre o Brasil, a Igreja aqui no Brasil tem muitas faces, como essa diversidade de carismas da Igreja brasileira pode favorecer a caminhada sinodal pelo mundo?
Tenho um exemplo muito fácil de entender. Os jovens dizem que nós, na Europa, temos liturgias que são chatas. Quando estive no Brasil, as pessoas tinham músicas que são lindas. O povo dança, há uma participação maior, até nos textos do Missal português, há o texto do padre interrompido por aclamações do povo. É uma Igreja muito viva nesse sentido, e nós, na Europa, nos beneficiaremos muito dessa Igreja com a vitalidade litúrgica da Igreja do Brasil. Temos muitos portugueses em Luxemburgo. E também há um certo número de brasileiros na minha diocese. No passado, os brasileiros não gostavam das liturgias portuguesas, porque tudo era muito definido, diferente.
Agora temos padres portugueses e brasileiros trabalhando juntos, as pessoas voltam para a Igreja, porque é uma liturgia que fala com as pessoas. Temos de falar uma língua que as pessoas falem. Se anunciarmos Jesus Cristo numa linguagem de ontem, o povo de hoje não compreende. Portanto, a linguagem que usamos para falar de Jesus, a liturgia dos sacramentos da Igreja, deve estar viva. Tenho a impressão de que a Igreja brasileira está muito viva e temos essas formas de religiosidade popular no mundo inteiro. Aparecida, que lugar lindo! Quando fomos para a Jornada Mundial da Juventude, eu fui com meus luxemburgueses para Aparecida, foi lindo.
Cardeal, obrigado pela atenção e colaboração, que Nossa Senhora Aparecida o guie no caminho sinodal com o seu trabalho.
Obrigado.
Fonte: Por João Pedro Ribeiro e Victor Hugo Barros
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