Revista de Aparecida

Quem eram os pescadores da Imagem de Nossa Senhora Aparecida e como eram suas famílias?

Documentos inéditos atestam a existência dos três pescadores e detalham que eles faziam parte da mesma família

Escrito por Victor Hugo Barros

07 OUT 2024 - 12H08 (Atualizada em 11 OUT 2024 - 11H32)

Celebrada no dia 12 de outubro, a Padroeira do Brasil atrai multidões. Por ano, cerca de 12 milhões de peregrinos visitam o Santuário Nacional e passam no nicho que abriga a Imagem, encontrada em 1717 por três pescadores: Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso. O que pouca gente sabe é que estes três homens faziam parte de uma mesma família, que deu origem a devoção à Rainha do Brasil.

Documentos conservados na Cúria Metropolitana de Aparecida – e pela primeira vez exibidos ao público com exclusividade pela Revista de Aparecida – atestam a existência dos pescadores e de seus parentes. Graças a uma pesquisa elaborada e realizada pela equipe do Acervo de Documentação da Arquidiocese de Aparecida, é possível atestar que a veneração à Nossa Senhora Aparecida se iniciou no seio de uma família, ao resgatar a Imagem, construindo o primeiro oratório dedicado a ela.

Uma rede familiar

O I Livro do Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá narra o encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida na folha 98. O texto, escrito em 1757 pelo padre João de Morais e Aguiar, afirma que após diversas tentativas frustradas de pesca, “lançando João Alves a sua rede de arrasto, tirou o Corpo da Senhora, sem a Cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede, tirou a Cabeça da mesma Senhora”.

Este texto deixa claro que foi João Alves o pescador que retirou a Imagem de Nossa Senhora Aparecida das águas. A narrativa também atesta que ele não estava sozinho, pois foram à pesca Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso, em suas canoas” (I Livro do Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá).

Outros documentos complementares, também conservados no acervo da Cúria Metropolitana de Aparecida, dão mais detalhes sobre João Alves. Entre eles, um livro intitulado “Acontecimentos extraordinários referentes a Imagem”, um manuscrito histórico onde é possível ler que foi João Alves o pescador que levou para casa a Imagem da Padroeira. Lá, deixou “a Imagem em poder da mãe Silvana” — Silvana Alves da Rocha, que uniu o corpo e a cabeça da Virgem Aparecida e a guardou em uma caixa de madeira.

A Família Alves


Azulejo retratando a Pesca Milagrosa, localizado na rampa de acesso a visita da Imagem de Nossa Senhora Aparecida.


Os documentos dão a entender que João Alves seria, na época do encontro da Imagem, o jovem filho do pescador Domingos Alves Garcia com Silvana da Rocha. No livro Acontecimentos extraordinários referentes ao encontro da Imagem, afirma-se claramente que João Alves era filho de Silvana da Rocha.

Também por meio dos relatos conservados no Acervo da Cúria, sabe-se que esta família morava na região do Porto Itaguaçu. Ali, pai e filho eram unidos no trabalho e na fé. E foi neste cenário da vida cotidiana que, na segunda quinzena de outubro de 1717, esta família transformou a história da Igreja no Brasil com o encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida.

A Virgem Maria, que na família de Nazaré concebeu o Menino Jesus, quis em Aparecida ser cultuada inicialmente no seio de uma família. Na casa de João — mesmo nome do Apóstolo a quem Jesus confiou sua Mãe e que a levou a morar consigo (cf. Jo 19,25-27) — começa a veneração à Mãe de Deus e nossa. Na casa de Domingos — cujo santo onomástico foi o responsável pela propagação da oração do Rosário — o terço começa a ser rezado diante da pequena Imagem.


Documentos históricos atestam a existência dos três pescadores.



A Família Pedroso


Representação de Silvana da Rocha no quadro Milagre das Velas, do artista Beto Leite.


É de se supor que Silvana da Rocha tenha sido mais longeva que o marido Domingos e o filho João. Os documentos não mencionam mais estes dois pescadores, mas dão a entender que ela morreu em idade avançada, “tendo guardado consigo a Imagem da Senhora cerca de dez anos”, conforme narram depoimentos presentes no Acervo da Cúria.

Após a morte de Silvana, a Imagem foi entregue a seu irmão e também pescador, Felipe Pedroso — o mais longevo entre os três responsáveis pela pesca da Imagem. Desta forma, sabemos que Felipe não era apenas amigo de João Alves e Domingos Garcia, mas tio e cunhado, respectivamente.

A documentação sobre Felipe é ainda mais abundante e prova a existência deste personagem histórico e de seus familiares, responsáveis pela popularização do culto à Virgem Aparecida. As pesquisas realizadas pelos arquivistas da Arquidiocese de Aparecida apontaram que este pescador teve duas esposas. A primeira, Veronica Silva, morreu por volta de 1720 e é mãe de Atanásio Pedroso, responsável pela construção do primeiro oratório de Nossa Senhora Aparecida. Sua segunda esposa, Maria Pedroso, deu à luz, em maio de 1725, à segunda filha de Felipe, Theresa.

Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA
Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA
Registro do Batismo de Theresa, segunda filha de Felipe Pedroso, em maio de 1725, oito anos após o encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida


O verso da folha 46 do primeiro Livro de Batismo da Paróquia Santo Antônio de Guaratinguetá atesta o batismo de Theresa, em 9 de agosto de 1725. O relato, produzido pelo padre Joseph Bonifacio, descreve o batizado de “Theresa filha de Felipe Pedroso e Maria Pedroso”. A personagem histórica era até então desconhecida do grande público. Apenas Atanásio Pedroso era narrado inicialmente como filho do pescador Felipe. Dela, pouco se sabe atualmente. Apenas que, na altura de seu nascimento, a Imagem já tinha sido encontrada e estava em posse de sua tia Silvana.

Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA
Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA
Registro do Batismo do filho de Atanásio Pedroso e neto do pescador Felipe Pedroso, João


O mesmo livro apresenta também o batizado do neto de Felipe Pedroso, “João, filho de Atanásio Pedroso e de sua mulher Rosa Maria”. O escrito do Frei Felix Sanches Barreto, presente no verso da terceira folha, data o batizado menos de três anos após o encontro da Imagem de Nossa Senhora Aparecida, em 30 de julho de 1720.

Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA
Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA
A anotação do batismo de José apresenta dados complexos sobre a família de Felipe Pedroso


Os registros de batizados da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá também demonstram que Atanásio, assim como o pai, teve duas esposas. A afirmação pode ser encontrada no segundo Livro de Batismo paroquial, na folha 52, em um interessante relato produzido pelo padre José Alves Vilella, sacerdote que erigiu a primeira capela dedicada à Nossa Senhora Aparecida, inaugurada em julho de 1745. O escrito, datado de 02 de maio de 1745, narra o batismo de “José, filho de Atanásio Pedroso e sua mulher Maria Siqueira, neto por parte paterna de Felipe Pedroso e de sua mulher Veronica da Silva”.

O ciclo familiar dos três pescadores


Árvore genealógica dos 3 pescadores


Da família dos pescadores para as famílias do Brasil

Logo após o nascimento de José, Atanásio Pedroso entregou a Imagem de Nossa Senhora Aparecida ao padre José Alves Vilella, que a conservou na Capela do Morro dos Coqueiros. A partir daí, a devoção familiar ganhou contornos nacionais, atraindo famílias de todo o Brasil a Aparecida.

Basta uma breve passagem pelo nicho da Imagem de Nossa Senhora Aparecida para ver pais apresentando filhos a Nossa Senhora Aparecida, agradecendo a saúde dos filhos, apontando para os pequenos a “Mamãe do Céu”. Igualmente, a Sala das Promessas está repleta de relatos sobre a restauração de famílias pela intercessão daquela que a Igreja aclama desde 1995 — por concessão de São João Paulo II — como a “Rainha das Famílias”. Todas expressões de que a Virgem que quis ser acolhida primeiramente na família dos pescadores hoje reina soberana sobre as famílias do Brasil.


Pesquisa: Eliete Galvão Reis da Silva, Fabiano Galvão de Jesus e Flavia Galvão de França Viana
Reportagem: Victor Hugo Barros
Arte e diagramação: Valquíria Ribas
Agradecimentos especiais: Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida - ACMA

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