Quem vê irmã Gilda Troyano, aos 84 anos, pode imaginar que sua rotina se restrinja apenas a momentos de reclusão e oração. Mas, ao contrário do que se possa pensar, a paulistana mostra disposição e vitalidade para intermediar a adoção de diversas crianças em todo o país. No currículo, mais de 1.200 processos que contaram com ajuda da freira vicentina, ao longo de mais de seis décadas. São histórias distintas, mas com um final em comum: o encontro de um lar.
:: “Maior dificuldade é a burocracia”, diz mãe adotiva
O trabalho da irmã já se tornou rotina nos fóruns da capital paulista. Com um olhar amável, característico de avó, Gilda vai ao encontro das mães que, por algum motivo, queiram entregar os filhos à adoção. Primeiramente, ela tenta convencê-las a ficar com a criança. Se esse não for o desejo, encaminha os menores para Vara da Infância e da Juventude, que é órgão responsável pelos processos de adoção. “Tenho dó da mãe que dá seu filho. Por que ela vai me dar o filho? Se eu puder fazer com que ela fique com o filho é melhor”, conta.
Foto de: Allan Ribeiro / JS
Aos 84 anos, irmã Gilda Troyano dedicou mais de seis décadas
de sua vida para encontrar um lar a crianças abandonadas
A partir de então inicia-se o processo para encontrar pais que se enquadrem no perfil do abandonado. Falando quatro idiomas, facilmente a freira encontra famílias fora do país. São candidatos da França, da Itália, da Alemanha, da Suíça, EUA, do Canadá, que buscam dar amparo e carinho a esses menores.
Na infância, quando estudava em um colégio de freiras, ficava inquieta ao ver que nas férias algumas das internas permaneciam no alojamento por não terem família. “Aquilo me doía”, relembra a irmã. Ao dar início à vida religiosa em um orfanato, aos 20 anos, deparou-se novamente com a mesma realidade. Gilda questionava-se sobre o motivo pelo qual havia inúmeras crianças no orfanato, sem um pai ou uma mãe.
A partir desse momento, a freira sentiu o desejo de mudar o destino desses internos. “Achava errado criar uma criança, dar diploma e ela não ter uma família. A gente cuidava bem. Mas pensava que não tínhamos de criar uma criança, mas achar um casal para ela”, afirma a religiosa.
O primeiro processo de adoção ela guarda vivo na memória. Quando professora, uma mulher deixou em seus braços um bebê. “Se a senhora não quiser, passe adiante”, lembra as palavras ditas pela mãe da criança. Diante dessa situação, procurou pelo médico que estava em busca de um filho adotivo.
Quando era funcionária do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo (SP), Gilda recorda as várias vezes que convenceu mães a não optarem pelo aborto. Causa essa que a irmã defende fielmente como base para suas ações. “O meu projeto é esse, não aborte seu filho, doe a criança. Muitas iam procurar os médicos para fazer aborto. O médico as aconselhava: ‘vai lá e dá a criança para a Gilda’. Eu dava um jeito de esconder a moça até ela ter a criança. Uma maneira de evitar o aborto é propor a adoção. Não vai abortar, vai dar. Um dia essa criança vai ser feliz”, salienta.
Toda semana a religiosa tem um compromisso e tem de desdobrar-se para participar de eventos como casamento, aniversário, primeira eucaristia, formatura, daqueles que ela um dia ajudou a encontrar um lar. A alegria de todo esse trabalho é evidente no sorriso da freira, que não esconde a gratidão de ser lembrada para essas celebrações. Orgulho maior para ela é vê-los todos adultos, com uma profissão, constituindo uma família, sendo felizes.
Processo de adoção
A família que deseja encontrar um filho adotivo deve, primeiramente, procurar a Vara da Infância e da Juventude para iniciar o processo. Após avaliação documental pelos órgãos responsáveis, os pais passam por um estudo social e psicológico para verificar se eles possuem condições psicossociais para a adoção.
É nesse processo de avaliação que os pretendentes poderão informar suas expectativas e receberão informações sobre a realidade das crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Posteriormente, os candidatos realizam um curso de preparação.
Lançado em 2008, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) é uma ferramenta digital que auxilia na condução dos processos de adoção em todo o país. Assim, tanto os pais poderão, em âmbito nacional e estadual, serem localizados para adotar uma determinada criança ou adolescente, como o contrário.
O processo de adoção no Brasil leva em média um ano. A assistente social e professora do Centro Universitário Salesiano (Unisal), Cecília Lopes, explica que a longa espera não ocorre por conta da burocracia do processo de cadastramento ou de adoção, mas pela preferência dos pretendentes em adotar crianças saudáveis, pequenas e brancas, que não correspondem à realidade das disponíveis. “Felizmente essa realidade está mudando, mas ainda está longe de ser o ideal”, pontua a especialista.
Ela salienta que os maiores de dois anos têm maior dificuldade de encontrar um lar. Entre os motivos está a adaptação na família, a possibilidade de manter o segredo que a criança não é filha biológica, entre outros aspectos. “As crianças maiores de dois anos têm dificuldades de serem adotadas por puro preconceito. Quase seis mil crianças e cerca de 30 mil pretendentes estão cadastrados no CNA atualmente. Chega a ser um absurdo essa desproporção”, conclui.
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