Nos primeiros anos de história, Nossa Senhora Aparecida teve muitas casas. Das águas do rio Paraíba do Sul, onde possivelmente passou anos em repouso, ao altar singelo na casa do pescador Felipe Pedroso; da capelinha de pau-a-pique, no Itaguaçu, à capela no alto do Morro dos Coqueiros. Todos esses espaços ficaram pequenos diante da fé popular.
Para acolher os peregrinos que chegavam de toda parte na primeira metade do século 19, era preciso tornar o templo maior. E, em meio a problemáticas, surge a edificação da Basílica Velha e um nome que marcaria a história de Aparecida.
Emblemática, essa construção tem como personagem principal Frei Joaquim do Monte Carmelo. Baiano, culto e político, desembarcou no Vale do Paraíba depois de ser afastado das atividades oficiais e ser proibido de celebrar missas. Não podendo exercer mais as funções relacionadas ao sacerdócio, veio a Guaratinguetá, onde o bacharel Dr. José de Barros Franco, seu conterrâneo, desempenhava o cargo de Juiz Municipal.
Monte Carmelo era conhecido pelo temperamento difícil, agressivo e irreverente demais para a época. Ainda jovem, quis ser padre e ingressou no Mosteiro de São Bento, em Salvador. Lá não durou muito, e em nenhum outro lugar por onde passou. Atacava seus superiores e as doutrinas da Igreja.
Gestos de rebeldia foram a gota-d’água para que ele sofresse a censura da suspensão do uso de ordens. Escalado para fazer a leitura, mas negando-se a fazê-la, Dom Lino durante a celebração, pediu-lhe que a fizesse. Sua resposta em voz alta, porém, foi: “leia V. Ex.ª Revma. se quiser”, com escândalo dos fiéis que assistiam ao Ofício Divino na Catedral. Pelo ano de 1848, com licença do Imperador Dom Pedro II, foi exclaustrado, passando a viver como padre secular.
Leia MaisPesca da Imagem de Aparecida é milagre divino?Livro "Senhora Aparecida" conta história da Padroeira do Brasil Ao chegar ao vilarejo de Aparecida, diante do estado da Igreja, em 1876, o frei resolveu tomar uma decisão, parada há 13 anos, não por falta de verba, mas sim por causa da desonestidade de tesoureiros. O cofre, as jóias doadas, a cera dos ex-votos e os bens da Senhora Aparecida eram, na época, pessimamente cuidados.
Desde o começo do século, não era mais a Igreja quem cuidava dos bens da Capela. Em 1800, Dom João VI, o príncipe regente, mudaria as regras do jogo. Ele declarou que todos os bens e rendimentos da Igreja passariam a ser propriedade da coroa e administrados por funcionários do Estado.
.:: Basílica Velha: primeiro Santuário de Nossa Senhora Aparecida ::.
Em 1805, a capela de Aparecida recebeu tesoureiros leigos nomeados pela política e pelos poderosos. Eles tudo decidiam. “No tempo do Império, era o mundo civil político que administrava os bens da Igreja. Eles preferiram empregar esses bens em interesses próprios”, explica o historiador e missionário Redentorista, padre Vitor Hugo Lapenta, C.Ss.R.
A decisão de Monte Carmelo foi retomar a construção da nova basílica. O frei baiano se tornou o empreiteiro da obra. Naquele tempo, a riqueza do café refletia também nas rendas do cofre. Em meio ao conflito com a administração dos cofres, o frei foi conseguindo recursos para a realização das obras. A personalidade forte do beneditino ali estava para superar os erros e desonestidades dos tesoureiros. Pôde ele, assim, edificar o corpo da igreja e o presbitério maior, em concordância com a fachada que ele já havia encontrado pronta.
Passou a dedicar-se integralmente aos projetos. Mudou-se para Aparecida, onde instalou-se na sacristia da velha Capela, para fiscalizar os serviços que lhe estavam sobre responsabilidade. “Ele ficou tão interessado que mudou-se para ficar dia e noite cuidando da construção. Ele estava o tempo todo com o cajado, analisando todos os detalhes da construção da igreja”, conta o historiador.
Vendeu o antigo altar e as imagens do templo para angariar fundos. Teve de dispor de seus bens pessoais para saldar compromissos com os fornecedores de materiais para a construção. Fez de tudo para que a obra não parasse. Entretanto, os maus tesoureiros tiveram a ousadia de processá-lo, mas naturalmente ele recorreu e ganhou a causa.
Em janeiro de 1878, Monte Carmelo fez o projeto da construção das três naves, a central e as duas laterais, permanecendo o presbitério da primitiva igreja, que foi construído de tijolos e, naturalmente, a fachada que já estava acabada desde 1864.
No interior do templo, o altar esculpido na Itália e o nicho dedicado à Imagem foram todos montados pelas mãos de Monte Carmelo, que encomendou dois púlpitos talhados em cedro e seis imagens que seriam confeccionadas por um artesão na Bahia.
Anos antes da inauguração, em meados de 1886, Monte Carmelo iniciou a demolição do que sobrara da antiga nave. Com isso, a imagem de Nossa Senhora e o antigo cofre foram transferidos para a capela do Santíssimo, à direita do altar-mor, onde ficaram até as vésperas da inauguração.
Depois de quase 40 anos, Monte Carmelo pôde ver o resultado de sua dedicação. O grande dia da inauguração havia chegado. Era 24 de julho de 1888, um domingo. O frei, que não celebrava missa há algum tempo, no entanto, teve a permissão para realizá-la. Os registros mostram que ele pregou um belo sermão, intitulado 'A Igreja perante a Arte e a Arte perante a Igreja'. No término da celebração, ele foi abraçado por quase todos que o assistiam. Ao fim, as lágrimas dos abraçadores se confundiam com a dos abraçados.
Boleto
Carregando ...
Reportar erro!
Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:
Carregando ...
Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.