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Paulo Gabriel: “As pessoas tendem a simplificar os conflitos no mundo muçulmano e associar à ideia que o Islã seria uma religião violenta e política”
Os recentes ataques terroristas à França, cuja autoria foi assumida pela organização Estado Islâmico (EI), reforçam o pavor que grande parte da sociedade ocidental tem do islamismo.
A prática de atos extremos por grupos fundamentalistas, como o ocorrido no último sábado (14), reforça a falsa sensação de que todo muçulmano é “terrorista” e acaba fomentando a intolerância religiosa no mundo.
O pesquisador Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, Ph.D em Antropologia pela Universidade de Boston (EUA) e autor do livro Islã: Religião e Civilização – Uma abordagem antropológica (Editora Santuário), fala sobre o Islã e defende a compreensão das diferenças como alternativa à prática da intolerância religiosa.
Jornal Santuário – Por que as pessoas têm tanto medo dos muçulmanos e costumam confundir os fiéis dessa religião com terroristas?
Paulo Gabriel - Isso deriva, em parte, de uma visão bastante parcial da mídia, quando esta relata o espaço político do Oriente Médio. Então a mídia tende a, de certa maneira, mostrar que os conflitos no Oriente Médio são irracionais, ligando isso à presença da religião muçulmano, esquecendo-se que, obviamente, essa violência deriva de processos políticos próprios a cada realidade dessas regiões.
E isso tudo vem a piorar com o 11 de setembro, onde se tem a associação entre a imagem do muçulmano com a do militante terrorista.
Então, as pessoas tendem a simplificar esses diversos conflitos que existem em várias regiões do mundo muçulmano e associar à ideia que o Islã seria uma religião intrinsecamente violenta e política, quando isso não é verdade.
Existem atos violentos praticados em nome da religião por católicos da Irlanda, hindus na Índia, budistas no Sri Lanka, judeus em Israel e esses atos não levam à mesma generalização que se faz quando um ato violento em nome da religião é praticado por um muçulmano.
Existem processos de mobilização política, de uso violento das identidades religiosas por parte dos muçulmanos, mas isso tem de ser entendido dentro de cada contexto local e de cada processo político que leva a essa configuração. E isso não pode ser generalizado para um bilhão de muçulmanos que existem no mundo.
JS – É verdade que o islamismo é a religião que mais tem crescido no mundo?
Paulo Gabriel – Sim. O Islã é uma religião que tem crescido bastante nas últimas décadas, mas ela não está sozinha. Há um fenômeno mais geral, que é uma crescente afirmação das identidades religiosas e uma crescente procura da religião como forma de se inserir na sociedade, de afirmar uma identidade e se posicionar no mundo. Então, o Islã faz parte desse fenômeno, crescendo bastante em alguns territórios, principalmente na África, no sul da Ásia e cada vez mais nas Américas.
JS – O Oriente Médio é o berço do islamismo. E no Brasil, como essa religião se desenvolve?
Paulo Gabriel – O Islã no Brasil tem duas histórias paralelas que não se cruzaram. Uma é a história colonial, com pessoas de origem muçulmana que se converteram ao catolicismo com a reconquista da Península Ibérica e praticavam rituais do Islã como tradição familiar e vieram com a colonização portuguesa ao Brasil e eram grupos isolados, que não chegaram a ser comunidades.
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Livro de Paulo Gabriel Hilu lançado pela
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A partir do século XVIII há a presença cada vez maior de escravos muçulmanos dentro da África, principalmente em regiões como a Bahia e, no século XIX irão liderar uma série de revoltas contra os seus senhores, sendo a mais famosa delas a de 1835, a Revolta dos Malês.
Esse Islã de origem escrava existia em comunidades no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, mas a partir do final do século XIX entra em declínio, seus membros se convertem ao catolicismo, às religiões afro-brasileiras e ele acaba definitivamente se desaparecendo.
Justamente quando os muçulmanos de origem escrava e africana começam a desaparecer há a entrada de imigrantes do Oriente Médio, de fala e cultura árabe, vindos das regiões da Síria, do Líbano e da Palestina. Entre esses imigrantes, pelo menos 15% deles eram muçulmanos.
O Islã contemporâneo no Brasil deriva das comunidades árabes que fundam instituições religiosas, criam mesquitas e que, a partir dos anos 80, se organizam cada vez mais e têm um crescimento maior com a conversão de brasileiros sem origem muçulmana e árabe ao Islã.
JS – O que teria a dizer sobre o perigo da intolerância religiosa?
Paulo Gabriel – Infelizmente, junto com a crescente visibilidade da religião como forma de inserção social, há também um crescimento em processos de intolerância religiosa, ou seja, a tentativa de excluir, de apagar e eliminar a presença da diferença em nome da religião ou de uma forma de controle sobre a religião, o que seria o secularismo e o laicismo.
Um dos exemplos mais clássicos é toda a campanha anti-islâmica que acontece na Europa, inclusive com leis que proíbem e, de certa maneira, estigmatizam o uso e a expressão de formas de afirmação da identidade religiosa como o véu, na França. Mas, infelizmente, você também tem, da parte de grupos religiosos, toda uma tentativa de controle absoluto sobre os espaços públicos.
Então, acredito que a única saída para isso é a convivência, é exatamente tentar compreender as diferenças.
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