Trinta e dois anos se passaram desde que a médica sanitarista e pediatra, Dra. Zilda Arns Neumann, deu início às primeiras ações da Pastoral da Criança, na cidade de Florestópolis (PR).
O trabalho começou em uma paróquia daquele município e foi se expandindo ao longo dos anos. Hoje, a Pastoral está presente em todas as dioceses brasileiras e em outros 17 países da África, Ásia, América Latina e Caribe, sendo reconhecida como uma das mais importantes instituições mundiais voltadas ao desenvolvimento integral infantil.
A reportagem do JS visitou a sede da Pastoral, em Curitiba (PR), e conversou com o coordenador nacional adjunto, Dr. Nelson Arns Neumann. Ele falou sobre os principais frutos colhidos ao longo dos 32 anos de atuação da Pastoral e as novas metas de atuação no Brasil.
Nelson é filho da Dra. Zilda e, a exemplo da mãe, escolheu a medicina como profissão, com o objetivo de ajudar a transformar o mundo em que vive em um local mais justo.
Foto de: Deniele Simões / JS
Líderes em formação conhecem as instalações do Museu da Vida
“Trabalhei como missionário leigo no Maranhão e via, todos os dias, crianças desidratadas, desnutridas; pele e osso. Isso era frequente, mas, para ver a situação que existia há trinta e poucos anos, hoje é preciso ir para Guiné Bissau”, detalha.
Para o médico, muitos fatores contribuíram para a mudança no panorama da saúde nas comunidades. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a melhoria da renda dos brasileiros e dos índices de saneamento básico no país, a mudança do foco na abordagem médica, com ênfase na prevenção e na imunização por meio de vacinas, são alguns dos fatores apontados por Nelson.
Somando-se a esses avanços, a atuação dos líderes da Pastoral em todo o Brasil foi provocando uma mudança de comportamento nas comunidades mais pobres. “Esse processo foi muito interessante e hoje a gente vê as famílias mais pobres sendo mais proativas e seguras no que se deve fazer”, aponta.
Se a desnutrição e a desidratação eram grandes desafios para a Pastoral na década de 1980, hoje a obesidade e a alimentação inadequada são questões preocupantes. Ambas podem trazer consequências sérias para os bebês. A campanha Mil Dias tem como foco esses novos desafios e vem sendo trabalhada junto às comunidades atendidas.
Voluntariado
Hoje, a Pastoral da Criança acompanha mais de 1 milhão de crianças de zero a seis anos em todo o Brasil. Esse acompanhamento é feito por 182.911 voluntários.
Foto de: Deniele Simões / JS
Dr. Nelson: "Eu via, todos os dias, crianças desidratadas
e desnutridas; hoje, para ver a situação que existia há
trinta e poucos anos, é preciso ir para Guiné Bissau"
Nelson Arns atribui o grande número de voluntários a vários fatores. Um deles é o fato de o trabalho ser voltado às crianças. O segundo é o impacto das ações promovidas, que acontecem a partir da formação e do trabalho direcionado. “Após a formação, sempre tem o desafio da realidade, na paróquia, na diocese, no estado, na coordenação nacional; com isso, a pessoa sabe que está fazendo o bem, que não está só e que trará resultados concretos para o resto da vida dessa criança”, acrescenta.
A professora aposentada Elisabete Piassetta, de Curitiba, sonhava em ser voluntária e, inspirada pelo exemplo deixado pela Dra. Zilda, entrou para a Pastoral, há três anos.
Elisabete mora perto da sede nacional da Pastoral e sempre teve curiosidade conhecer o trabalho realizado lá dentro. Um certo dia, resolveu entrar para conhecer e acabou se tornando voluntária.
Na comunidade onde ela morava não havia famílias em situação de vulnerabilidade social, então adotou uma comunidade. “Cresci e aprendi tanto depois que entrei como voluntária; ganhei um grupo, aprendi a ver como é o trabalho na comunidade, como as coisas acontecem, quais são os caminhos”, explica.
Para a aposentada, integrar a Pastoral é um trabalho de doação. “É apaixonante quando você vê aquelas pessoas mais simples se doando da forma como elas se doam. Deixando o sábado e o domingo para uma comunidade, em prol deles.”
A dona de casa Maria José Martins Fabiano é voluntária há 16 anos e hoje coordena o núcleo da grande metrópole de Curitiba, com 601 líderes que cuidam de cerca de 2.000 famílias.
“Tudo o que a gente faz procura fazer com amor e carinho, mas, quando a gente chega na comunidade e vai querer doar alguma coisa, na verdade, é a gente recebe”, diz.
A partir da presença dos líderes nas comunidades, as famílias acabam mudando a forma como vivem, a partir dos conhecimentos adquiridos, e passam a ajudar-se mutuamente. “Na parte da alimentação, pessoas que acompanhei, desde quando eu era líder, estão estudando nutrição por causa da Pastoral. Algumas dizem que aprenderam a comer por causa da Pastoral”, explica Maria José.
Nelson Arns resume a eficácia do trabalho dos líderes em uma frase: “É a gente se expor na comunidade, no dia a dia, na preservação da gestante, da criança, da família é que a gente vai construir essa sociedade justa e fraterna, como Deus quer”.
Foto de: Deniele Simões / JS
Criada em 1983, a Pastoral da Criança é reconhecida como uma das mais importantes organizações
mundiais a trabalhar em programas voltados ao desenvolvimento integral das crianças. A coordenação
nacional do organismo está instalada em Curitiba (PR)
Principais programas:
– Acompanhamento de crianças de zero a seis anos.
– Acompanhamento de gestantes.
– Ações complementares envolvendo brinquedos, brincadeiras, alimentação, hortas caseiras, entre outras.
– Controle social de políticas públicas através da ação junto a Conselhos de Saúde, Direitos da Criança e do Adolescente, nos âmbitos nacional, estadual e municipal.
Principais indicadores (1º trimestre de 2015):
– 1.092.970 crianças acompanhadas.
– 902.685 famílias cadastradas.
– 65.599 gestantes acompanhadas.
– 182.911 voluntários em nível comunitário, sendo 101.682 líderes.
– Presença em 33.558 comunidades, em 3.717 municípios brasileiros.
– Presença em 17 países, além do Brasil.
Fonte: Sistema de Informação da Pastoral da Criança
Mil Dias
Foto de: Deniele Simões / JS
Elisabete Piassetta e Maria José Martins Fabiano são
voluntárias na capital paranaense
O projeto Mil Dias tem sido o foco do trabalho da Pastoral da Criança nas comunidades e faz alusão ao período de mil dias que compreende a gestação e os primeiros anos de vida da criança. “Se você somar tudo isso (270 dias da gestação mais dois anos da criança) dá exatamente mil dias”, explica a nutricionista da Pastoral da Criança, Caroline Dalabona.
Segundo a profissional, esse período é decisivo na vida da criança, já que é na gestação e nos primeiros dois anos de vida que tudo que acontece repercute posteriormente na vida da criança, até a fase adulta.
“Quando os pesquisadores perceberam que esse período é tão importante, houve a necessidade de se focar a atenção para diversos cuidados”, esclarece. Por isso, problemas como hipertensão, diabetes, colesterol alto e obesidade podem ser evitados já na fase de gestação.
Caroline ressalta que o conceito dos mil dias foi implantado pela Pastoral em 2011. “Foram lançados alguns materiais que explicavam sobre a importância desses primeiros mil dias. Também nos congressos, encontros regionais, sempre se falou sobre isso para as pessoas que participam”, diz.
Esse conhecimento vem sendo disseminado entre os líderes e já faz parte do Guia do Líder, que é a cartilha de trabalho que os voluntários usam nas comunidades.
Além disso, a campanha Toda Gestação Dura Mil Dias leva informações à população, por meio de parceria com a mídia e de um aplicativo para smartphones que pode ser baixado gratuitamente no Google Play (Android) e AppStore (iOS).
Complicações para a criança
Tanto as gestantes que enfrentam problemas de obesidade, como de desnutrição correm sérios riscos ao gerar uma criança. A Pastoral da Criança orienta essas pessoas para que tenham uma vida saudável, em benefício delas próprias e do bebê.
A mãe obesa, por exemplo, tem muito mais chances de ter um bebê acima do peso e de desenvolver diabetes gestacional, hipertensão arterial e eclampsia. Já a criança está mais propensa a ter diabetes, no futuro.
Foto de: Deniele Simões / JS
Caroline Dalabona ressalta benefícios do aleitamento materno
No caso de a mãe alimentar-se de forma deficiente, haverá falta de nutrientes para a criança no útero. As consequências para a criança podem ser a obesidade e o comprometimento na formação dos órgãos.
Aleitamento
Outra prática bastante estimulada dentro das comunidades, por meio do Mil Dias, é o aleitamento materno, pelo menos nos seis primeiros meses de vida da criança. “Os benefícios são imensos”, pontua Caroline.
De acordo com ela, amamentar só faz bem para a mãe e o bebê. Veja os principais benefícios:
– Ajuda a mãe a voltar ao peso que tinha antes de engravidar
– Aumenta o espaçamento entre as gestações
– Reduz riscos de câncer de mama e colo de útero
– Garante nutrição adequada ao bebê
– Previne doenças, porque possui anticorpos naturais
– Auxilia no desenvolvimento físico e intelectual da criança
Museu da Vida
Inaugurado em dezembro do ano passado, o Museu da Vida é um espaço onde o público pode conhecer toda a história da Pastoral da Criança e o trabalho realizado nas comunidades.
De acordo com a museóloga Ariane Azambuja, da equipe de coordenação, o Museu surgiu da necessidade de os visitantes que passam pela sede da Pastoral manifestarem interesse em conhecer o espaço onde a Dra. Zilda Arns trabalhou.
“Aconteceu, numa determinada data, vir uma caravana do Pará só para visitar a coordenação e queriam muito estar no espaço onde ela trabalhava. Por conta disso, a equipe da coordenação começou a pensar em criar um memorial, que seria só para contar a história dela”, recorda.
A partir da ideia original, o projeto foi se ampliando e o Memorial Dra. Zilda é apenas uma das muitas salas que podem ser visitadas no espaço. “A gente tem algumas outras exposições, além da que conta a história da vida dela”, destaca.
Segundo Ariane, o Museu foi concebido como um espaço voltado à toda família, enfatizando não só os aspectos históricos, mas a parte lúdica das brincadeiras.
Além da história da Pastoral e o Memorial Dra. Zilda Arns, o Museu oferece os seguintes espaços de visitação:
Mil Dias – mostra os cuidados necessários nos primeiros mil dias de vida
Presença internacional
Além do Brasil, a Pastoral da Criança está presente em outros 17 países, repetindo a experiência de sucesso em localidades onde a situação é semelhante à realidade brasileira de 32 anos atrás.
Mas, foi há quase seis anos, quando a Pastoral recebeu um prêmio internacional, que a experiência no exterior começou a tomar força. Com o dinheiro que chega do exterior, foi possível organizar a Pastoral em outros países.
Só que, para que isso se tornasse possível, foi necessário montar uma Pastoral em outro país, com legislação menos burocrática. “Infelizmente, o Brasil é um país muito egoísta e a legislação não nos permite, como Pastoral da Criança do Brasil, ajudar a Pastoral da Criança de outros países”, explica.
A partir da fundação da Pastoral no Uruguai, é possível depositar o recurso que chega dos Estados Unidos e fazer as doações para que o trabalho avance nesses países.
Foto de: Divulgação / Pastoral da Criança
Dra. Zilda Arns, morta em janeiro de 2010, durante
missão no Haiti, deixou sua marca na história do Brasil
ao fundar e coordenar a Pastoral da Criança e Pastoral
da Pessoa Idosa. Viveu para defender as crianças,
gestantes e idosos, visando a uma sociedade mais justa,
fraterna, com menos doenças e sofrimento. Mais do que
os 19 prêmios nacionais e internacionais recebidos
e dezenas de homenagens, o legado deixado por ela
permanece vivo e a obra ganha, a cada dia, mais adeptos
A realidade do povo assistido pela Pastoral no exterior é bem diferente da brasileira. Segundo Nelson Arns, a Guatemala, um dos países atendidos, apresenta um dos piores índices de desnutrição mundial.
A partir do trabalho promovido pelo organismo e do envolvimento das comunidades, já é possível ver a situação mudar.
Embora o índice de desnutrição seja de 40% e a existência de 23 línguas oficiais imponha grandes desafios, já são 6.000 crianças acompanhadas.
“O pessoal tem muito boa vontade e começa a superar os diversos desafios. São leigos atuantes, assim como existe no Brasil, já ganhando escala, indo para a sétima diocese”, conta.
Ainda de acordo com Arns, outros países onde o trabalho apresenta progresso são a Colômbia, República Dominicana, Haiti, Guiné Bissau e Filipinas. “É um processo dentro de cada realidade, adaptado à cultura”, justifica.
Questões como vacinação, aleitamento e parto natural são consideradas universais e, de acordo com ele, o grande desafio tem sido trabalhar esses conceitos de acordo com a adaptação cultural de cada país.
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