A pergunta do título pode ser desdobrada em mais de uma consideração. Em primeiro lugar, certamente a Igreja acredita na alma – no caso, “espírito” – do ser humano, que é um composto formado de matéria corporal e alma espiritual (Catecismo da Igreja Católica, no 327, 365), num conjunto único e sempre original, destinado, no princípio, a nunca se separar. Contudo, o Pecado Original mereceu como castigo a realidade da morte corporal, de forma que, temporariamente, o falecimento do físico aparta a alma do corpo, até que venha, no final dos tempos, a ressurreição dos mortos. Logo, acreditar que as pessoas falecidas têm alma (imortal) é um dos pilares do entendimento da natureza humana, conforme Deus a criou, na perspectiva católica.
Mas, evidentemente o título se refere, de forma mais implícita, à questão da comunicação com as almas dos defuntos. Na concepção do espiritismo (principalmente, mas também na de outras ideias reencarnacionistas, animísticas, ou na linha do candomblé e umbanda, por exemplo), entende-se que existe a possibilidade de que tais almas se manifestem no mundo físico, especialmente através de médiuns, ou seja, pessoas que intermediam o contato dos vivos com as almas dos falecidos. Isto ocorre em sessões (encontros) específicos, quando há sempre uma invocação destas almas.
Desconsiderando aqui o fato de que há inúmeras e comprovadas fraudes neste sentido, é, contudo, verdade que as almas dos falecidos podem, circunstancialmente, se manifestar aos vivos: porém nunca a partir do poder de invocações humanas, pois o contato com pessoas falecidas, se ocorre, é sempre por uma concessão especial e gratuita de Deus – por exemplo, as aparições de vários santos – e sempre com um objetivo específico do Senhor, seja para fortalecer a fé dos fiéis, seja para comunicar alguma mensagem importante da Sua vontade.
O que ocorre, então, quando há alguma evidência de que um espírito “foi invocado”? Exceto as fraudes (ou autossugestões, problemas psíquicos, ou semelhantes), os únicos espíritos que se manifestam nestes casos, e não pelo “poder” humano, é o dos espíritos imundos, quer dizer, de satanás, dos demônios. Eles se aproveitam da disposição humana de querer “falar” com os mortos, desta abertura para o “encontro” com o sobrenatural, através do mero “poder espiritual” humano, que, no fundo, não passa de imenso orgulho – a pretensão de que nós, que “somos pó e ao pó retornaremos”, como ensina a Igreja na Quaresma, podemos ter a iniciativa e o “controle” de chamar os espíritos a nosso bel prazer.
Leia MaisPor que acreditamos que o ser humano tem alma? O diabo é um espírito muito mais poderoso e inteligente que o ser humano, e encontrando este desejo fundado, em última análise, na Soberba (da qual ele é o mestre, e motivo pelo qual se afastou definitivamente de Deus), aproveita para agir na realidade humana. Em geral, não se manifesta de forma assustadora, embora isto também ocorra com frequência, mas com sugestões simpáticas que, aos poucos, vão cada vez mais cativando as pessoas e gerando nelas uma maior confiança e, afinal, dependência das manifestações das “almas dos mortos”.
O resultado disto, inevitavelmente, e apesar da indiscutível boa vontade e inocência de muitos, é que a vida das pessoas assim cativadas vão aos poucos se afastando de Deus, embora elas usualmente não deixem de falar Dele, e acharem que estão, ao contrário, se aproximando do Senhor. Nas situações mais extremas, porém, essa influência leva, no decorrer do tempo, ao satanismo explícito ou a vivências de opressão espiritual que trazem medo, desespero, infelicidade, ainda que tudo isto muito bem disfarçado (o diabo é o pai da mentira) e misturado com sugestões de boas ações.
É importantíssimo o alerta para não se deixar levar pela curiosidade de experiências de “jogos espíritas”, tão comuns entre os jovens, que, a partir de uma “brincadeira” de “falar com os mortos”, oferecem ao diabo ocasiões muito concretas de confundir, atormentar, oprimir e levar para o inferno as almas dos vivos. Muito recomendáveis são as esclarecedoras obras de Frei Boaventura Kloppenburg, OFM, a respeito de temas relativos ao espiritismo.
Resumindo, a invocação dos mortos é sim possível, mas não convém de forma alguma a quem busca a Deus. É pecado, assim, invocar os mortos na perspectiva espírita ou semelhante, já que contraria a vontade de Deus e a Doutrina da Igreja. A manifestação direta das almas dos falecidos só ocorre legitimamente a partir da iniciativa de Deus, não do homem.
Aos seres humanos cabe a Comunhão dos Santos, querida e proporcionada por Deus, através da oração: neste caso, é Deus mesmo o intermediário, o “telefonista”, que, através das nossas orações, faz chegar às almas dos falecidos as preces de intercessão pelas almas do Purgatório, e também a intercessão destas e dos santos por nós. É a comunicação real, verdadeira e eficaz que a Trindade oferece para a relação entre a Igreja Militante (nós que vivemos ainda a vida material), a Igreja Padecente (as almas no Purgatório) e a Igreja Triunfante (os santos todos, já no Céu, com Deus).
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