A tomada de consciência sobre a realidade do tráfico de pessoas é a primeira tarefa primordial no combate a essa triste e cruel realidade no Brasil e no mundo. Ao ter acesso à informação, uma vítima em potencial pode não se tornar uma vítima efetiva do tráfico de pessoas. Por isso, a conscientização e o esclarecimento sobre a dinâmica do tráfico é considerada uma ação de prevenção.
De acordo com a coordenadora nacional da Rede Um Grito pela Vida, Irmã Eurides Alves de Oliveira, essa é a principal ação desse organismo.
“O trabalho intensivo de prevenção através da informação e formação visando a coibição do crescimento deste crime é desde a fundação da Rede um Grito pela Vida sua principal estratégia de ação.”, informa a religiosa.
O acesso à informação tem sua importância ainda na medida em que favorece aos sujeitos e entidades da sociedade civil envolvidas no tema conhecer e avaliar as políticas públicas voltadas ao tráfico de pessoas e adotar uma postura qualificada e eficiente, em suas ações de enfrentamento.
Hoje, o A12.com traz a terceira parte da entrevista realizada com a Irmã Eurides. A entrevista é motivada pela celebração dos 10 anos de criação do organismo.
Além do destaque à importância da conscientização sobre a dinâmica do tráfico, a religiosa apresenta as realidades que mais desafiam a Rede no Brasil. Confira.
A12 - A conscientização sobre o tema do tráfico humano é tarefa primordial no combate a esse crime?
"Só uma sociedade informada sobre o que é o tráfico de pessoas, como acontece e quais são suas causas e consequências não será indiferente e estará apta para identificar e enfrentar esta realidade".
Irmã Eurides – Sem dúvida, o trabalho de formação da consciência é fundamental para coibir o ingresso de novas pessoas neste mercado do crime. Só uma sociedade informada sobre o que é o tráfico de pessoas, como acontece e quais são suas causas e consequências não será indiferente e estará apta para identificar e enfrentar esta realidade.
O trabalho intensivo de prevenção através da informação e formação visando a coibição do crescimento deste crime é desde a fundação da Rede um Grito pela Vida sua principal estratégia de ação. Sobretudo a formação da consciência da adolescência e juventudes e as mulheres que são as principais vítimas em potencial deste crime, e se não forem conscientizadas serão presas fáceis e poderão ser também os novos agentes deste mercado do crime. Estamos convencidas/os de que só um trabalho formativo amplo será capaz de instrumentalizar as pessoas a se defenderem, romper o silêncio, perder o medo de denunciar, mudar de mentalidade, superar preconceitos e tornarem pessoas ativas no exercício da cidadania e luta por seus direitos, combatendo as causas geradoras desta iníqua realidade.
A12 – Na atualidade, quais as realidades do tráfico humano mais desafiam a Rede no Brasil?
Irmã Eurides – Num movimento contínuo de aprendizagem, determinação, ousadia e criatividade, a Rede tem feito ecoar em mutirão o seu Grito pela Vida, pelo fim do tráfico de pessoas e das práticas similares de violação dos direitos humanos, desvelando e denunciando os mecanismos de dominação e escravidão que criam e sustenta esta rede do mal: a lógica mercantilista, excludente e violenta do capitalismo e do patriarcalismo; a massificação das consciências e a erotização e violência midiática dos corpos e das relações humanas e afetivas pelas mídias dominantes; a cultura classista, sexista, racista e homofóbica que marginaliza e explora as pessoas das mais diversas formas; a ineficiência e inoperância das leis e processos de responsabilização dos agentes do crime; a cultura da indiferença e da naturalização das desigualdades e exploração de gênero, etnias e classes sociais; a precariedade das politicas públicas voltadas para as populações vulneráveis a corrupção e outras.
Não obstante este esforço a realidade do tráfico de pessoas segue sendo uma chaga social, que desumaniza e crucifica milhões de pessoas em todo o planeta. Segundo a Fundação Walk Free, no seu relatório de 2016, 45,8 milhões de pessoas em todo o mundo estão sujeitas a alguma forma de escravidão moderna.
O Brasil como lugar de origem, trânsito e destino apresenta uma realidade cada vez mais ampla e complexa em relação ao tráfico de pessoas. São várias as modalidades de tráfico de pessoas e múltiplos fatores que o ocasionam. O Ministério da Justiça na pesquisa: Enafron Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira realizada em 2013, evidencia a existência de seis modalidades de tráfico humano no país: exploração sexual, trabalho escravo, venda de órgãos, servidão doméstica, mendicância e tráfico para atividades ilícitas. Todas estas modalidades trazem consigo variantes diversas de causas e consequências.
Para denunciar uma situação de tráfico basta ligar anonimamente para o Disque 100.
A Rede Um grito pela Vida no seu trabalho preventivo, aborda todas as modalidades, mas tem como prioridade trabalhar o tráfico para fins de exploração sexual, com especial atenção às mulheres, crianças, adolescentes e juventudes, por ser a modalidade e público de maior incidência. Dados do Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2015), demonstram que o sexo feminino corresponde à maioria das vítimas, das mais variadas formas de violações de direitos, praticadas, especialmente contra crianças e adolescentes, que representam 80% das vítimas de exploração sexual, 67% de tráfico de crianças e adolescentes, 77% de abuso sexual e 69% de pornografia. O projeto Mapear da Polícia Rodoviária federal mapeou em 2014, 1.969 pontos vulneráveis à Exploração Sexual e tráfico de crianças e adolescentes nas rodovias federais. Dados que registram um aumento de 9% em relação aos anos anteriores.
As mulheres, embora não haja dados estatísticos mais recentes, também seguem sendo a grande maioria das vítimas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Correspondem, segundo os organismos internacionais, a 80% das pessoas traficadas para este fim e estima-se que 700 mil mulheres brasileiras passam todos os anos pelas fronteiras internacionais do tráfico humano. O Brasil é responsável por 15% das pessoas exportadas da América Latina para a Europa. Isso sem falar das subnotificações que com certeza triplicaria estes índices.
O Brasil é responsável por 15% das pessoas exportadas da América Latina para a Europa. No mundo, a escravidão moderna atinge 45,8 milhões de pessoas.
Frente a este cenário e à situação de crise e retrocesso em relação às conquistas e direitos sociais e às políticas públicas de direitos humanos no país. A Rede Um Grito pela Vida na continuidade de sua missão sente-se desafiada a ampliar e qualificar sua missão, redobrando esforços no campo da prevenção, atenção às vitimas e incidência política buscando trabalhar os temas/realidades: tráfico de pessoas nas suas diversas modalidades, com ênfase na exploração sexual de mulheres e crianças e os temas inter-relacionados: direitos humanos, migração forçada, violência de gênero, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, com ênfase nas causas que criam e sustentam o tráfico: contexto social e político, projeto de desenvolvimento, as desigualdades sociais, vulnerabilidades, impunidade, corrupção. Para isso se propõe:
Comemoração - A Rede Um Grito pela Vida completa em 2017, 10 anos de existência. A comemoração ocorre ao longo de todo ano e visa dar maior visibilidade ao tema do tráfico em si e contribuir para o contínuo fortalecimento da Rede.
Atualmente, a Rede conta com a contribuição de mais de 300 religiosos e está presente em todas as regiões do país.
Confira as demais entrevistas:
:: 'Rede Um Grito Pela Vida' comemora 10 anos em 2017
:: Combate ao tráfico de pessoas enfrenta “grandes retrocessos”, afirma religiosa
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