A fuga da fome. Esse é o retrato dos venezuelanos que estão sendo obrigados a deixar seu país e buscar refúgio em nações vizinhas. Sem comida, sem remédio, sem direito de ter voz, eles atravessam a fronteira que fica na cidade de Pacaraima, no norte de Roraima, na esperança de encontrar aqui uma oportunidade de trabalho.
Esta é a primeira reportagem da série "Desafios da Igreja", apresentada pela repórter Talita Galvão, sobre a realidade de milhares de imigrantes venezuelanos que têm cruzado a fronteira em busca de melhores oportunidades.
Sem poder de compra, um salário mínimo na Venezuela equivale a pouco mais de três reais no Brasil. Para João Carlos Silva, professor na Universidade Federal de Roraima, é difícil determinar quando esta crise toda começou. Ele pontua que, a partir da morte de Hugo Chavez, em 2013, começou-se a ter uma tensão politica, primeiro dentro dos próprios grupos chavistas, para ver quem seria o herdeiro politico desse grupo. Posteriormente, com a perda da figura mais forte dentro do regime chavista, passou-se a ter um fortalecimento no discurso de oposição, no sentido de modificação da lógica do estado venezuelano.
Desta forma, surge uma crise politica que leva a uma crise econômica. Além disso, há a questão do mercado internacional do petróleo que, com o preço em queda, atinge o país, que tem um sistema produtivo dependente deste recurso.
Com o caos alastrado, o bispo da diocese de Santa Elena de Uairen, na Venezuela, Dom Felipe González, explica que os venezuelanos estão sendo obrigados a deixar seu país. “Muitos passam por aqui, porque a fronteira é pequena. Por isso, passam 800 pessoas por dia”, afirma.
No Brasil, a fronteira com a Venezuela fica em Pacaraima, no norte do estado de Roraima. Na cidade, a Pastoral do Imigrante é quem faz o atendimento de quem chega. Depois, os venezuelanos são encaminhados para serem atendidos na Superintendência Federal, em Boa Vista, para que assim possam dar entrada no pedido de residência temporária. Entretanto, muitos preferem entrar no Brasil solicitando refúgio, já que o processo é mais rápido.
O desafio dos venezuelanos na busca de qualidade de vida no Brasil
Dados da prefeitura de Boa Vista estimam que cerca de 40 mil venezuelanos já tenham entrado na cidade. Abrigos estão lotados e milhares de imigrantes vivem em situação de rua. Muitos fogem para o pequeno município de Pacaraima, de 16.000 habitantes e que faz divisa com a Venezuela, para escapar da falta de comida, dinheiro, remédio e voz.
A segunda reportagem de Talita Galvão para os “Desafios da Igreja” retrata a procura de qualidade de vida dos imigrantes venezuelanos em terras brasileiras. Uma das imigrantes é Rosilena, administradora. “Estou buscando uma vida melhor porque na Venezuela está muito crítico. Somos profissionais, trabalhamos em universidades, mas não temos mais oportunidades. Por isso, estou indo para Manaus”.
Este é o destino da grande maioria. Seguir a pé ao longo de 200 quilômetros pela BR-174, rodovia que liga Pacaraima à capital Boa Vista. Ao longo do caminho, grupos vão sendo formados por meio da esperança de recomeçar.
A irmã Rozita Milesi, do Instituto Migrações dos Direitos Humanos (MSCS), retrata a situação de fome em que eles encontram. “Não é um passeio o que os venezuelanos estão fazendo. Eles estão buscando realmente suprir uma necessidade básica fundamental. O que a gente ouve dessas milhares de pessoas é ‘estamos com fome’. Às vezes, vemos mães que recebem comida e não conseguem comer, porque pensam nos filhos que estão lá e não têm”.
Ouça a segunda parte da reportagem especial do "Desafios da Igreja" ao 'Notícias em Trinta':
Venezuelanos ficam em abrigos desumanos em Roraima
A terceira reportagem da série especial do “Desafios da Igreja”, que foi ao ar no 'Notícias em Trinta' e produzida por Talita Galvão, com trabalhos técnicos de Marcos Prado, traz o retrato do caos nas cidades de Pacaraima e Boa Vista, em que os venezuelanos, os índios da etnia warao e os considerados crioulos ou não-indígenas, se espremem em abrigos cedidos pela prefeitura, em parceria com os governos Federal e Estadual. Um dos abrigos é um galpão reformado, que tem capacidade para 200 pessoas. Mas, sem ter para onde ir, esse número já chega a 500 pessoas.
Questionado sobre as condições degradantes em que vivem os indígenas, o prefeito de Pacaraima, Juliano Torquato, afirmou que a cidade não tem condições de assumir essa demanda sem o apoio do Governo Federal. “Nenhuma estrutura foi montada diretamente para a imigração dentro do município, a não ser o abrigo que nós temos hoje ali da etnia warao, dos indígenas”, disse.
Na capital de Roraima, Boa Vista, o retrato do caos também faz parte da realidade do ginásio de esportes Tancredo Neves. Rosimar trabalhava com contabilidade na Venezuela e hoje vive com o filho no abrigo. “É incômodo estar aqui sem ter seu próprio banheiro. Temos que cozinhar com lenha, temos que lavar roupas em condições que não são adequadas. Veja onde nos levou esse governo do Maduro”.
Ajuda humanitária
Em Pacaraima, as atividades com os warao no abrigo é feita por Missionários da Fraternidade, uma federação humanitária internacional que tem como objetivo praticar e disseminar a fraternidade. “Ficamos na atividade operacional, tomando cuidado com as crianças para que não saiam pra rua, para que não entre qualquer um no abrigo e comprometa a segurança dos que estão aqui, tanto como voluntários ou como abrigados. Depois, nós temos um trabalho muito importante e intenso, que é cuidar da distribuição dos alimentos. Nós recebemos os alimentos do estado e fazemos uma distribuição diária”, conta um dos participantes da fraternidade.
Irmã Telma Lage, coordenadora do Centro de Migrações e Direitos Humanos da Diocese de Roraima, que cuida do abrigo em Boa Vista, confirma que a situação realmente é desumana. “A gente tem notícia de crimes, de abusos, não tem comida e nem água suficiente para todos... é uma estrutura de morte”.
Ouça a terceira reportagem do "Desafios da Igreja":
Venezuelanos relatam escravidão e xenofobia em Roraima
O retrato dos venezuelanos imigrantes em Roraima continua na penúltima reportagem dos “Desafios da Igreja”, por Talita Galvão. Hoje, serão apresentadas as condições precárias de trabalho e a xenofobia dos brasileiros.
O trabalho escravo é um problema recorrente nas fazendas da região. Irmã Margarete de Araujo é missionaria da diocese de Roraima e relata o que os imigrantes passam. “Eles são explorados pelos fazendeiros, que se aproveitam da mão de obra barata, onde o trabalhador muitas vezes não chega nem a receber o valor da diária, que custa R$50,70, e recebe a metade, R$25,30”, relata.
Os ataques de xenofobia preocupam. No fim de fevereiro, mais de 300 pessoas invadiram um abrigo em Mucajaí, a 50 km da capital Boa Vista. Expulsaram os imigrantes do local, colocaram seus pertences na rua e atearam fogo. A invasão aconteceu depois de uma briga, que deixou um brasileiro e um venezuelano mortos no município.
Para o bispo da diocese de Roraima, Dom Mário Antônio, pessoas contrárias à imigração estão aproveitando a situação para espalhar o ódio. “Isso às vezes tem atraído a atenção e adesão de muitas pessoas. Talvez a xenofobia não brote do coração da nossa população como tal, mas pelos motivos ou pelas questões da violência que se propaga nas redes sociais ou nos noticiários, vai alimentando uma mentalidade com desrespeito, com a não-aceitação, com resistência à população migrante.”
Ouça a quarta reportagem completa, que foi ao ar no Notícias em Trinta:
Solidariedade e a união aparecem como alívio ao sofrimento dos imigrantes
A realidade da população venezuelana imigrante no norte do Brasil foi explorada ao longo de uma série de 5 reportagens, apresentadas por Talita Galvão e com trabalhos técnicos de Marcos Prado, para os “Desafios da Igreja”, parceria com a TV Aparecida no jornal 'Notícias em Trinta', da Rádio Aparecida.
A explanação do problema social que causa ao estado de Roraima, mais precisamente nas cidades do interior, como Pacaraima, Amajari e Mucajaí, vêm de encontro à 56ª Assembleia Geral da CNBB, que pretende mostrar aos bispos as situações precárias em que o Brasil se encontra ao recepcionar imigrantes.
O olhar da repórter Talita Galvão para o tema traz ao ouvinte sensações fortes do que os venezuelanos passam no dia-a-dia em abrigos e em situações degradantes de trabalho escravo e preconceito.
"São homens e mulheres com formação, entre eles advogados, médicos, engenheiros, lavando vidros de carros em faróis, mulheres se prostituindo, crianças que deveriam estar na escola aprendendo, brincando, sendo verdadeiramente crianças, que estão agora pelas ruas, se submetendo a situações de pura degradação. E, diante de tudo isso, a omissão de um poder público que até agora não apresentou e não fez nada de concreto. E, do outro lado, uma parcela da população brasileira que sempre bateu no peito por ser tão receptiva e acolhedora, promovendo atos de ódio e violência, mostrando que a xenofobia também existe em terras brasileiras.”
Na última reportagem da série especial “Desafios da Igreja”, perante a tantos problemas, a solidariedade e a união aparecem como alívio ao sofrimento dos imigrantes venezuelanos:
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