Brasil

30 anos do Real: a relação entre economia e fé

Escrito por Alessandro Cardoso

01 JUL 2024 - 14H31 (Atualizada em 02 JUL 2024 - 09H46)

rafastockbr / Shutterstock

Nos 30 anos de economia estabilizada no Brasil, um padre economista nos contou a relação entre o dinheiro e a fé e nos explicou sobre a Economia de Francisco.

Leia MaisPapa: "O homem se torna escravo com a busca por poder e dinheiro"Nesta segunda-feira, dia primeiro de julho, nossa moeda, o Real, completou 30 anos do início de sua circulação. Desde a criação do Plano Real, a economia brasileira se mantém estável, distanciando a população do pesadelo da superinflação que assolou o país nos anos 1980 e 1990.

O A12 conversou com o padre José Nazareno, da diocese de Castanhal, no Pará, formado em economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), onde é professor da faculdade de Ciências Econômicas, e ele nos explicou como uma economia estabilizada é importante para a população, tanto social quanto religiosamente.

“Para a população, você tem uma renda estável e previsível, gerando uma segurança social. (…) A economia é uma ciência social. O governo deve se preocupar com o controle da inflação, para que o poder de compra se mantenha ou tenha um mínimo de perdas ao longo do tempo. Religiosamente falando, a estabilidade econômica e social também é importante, pois comunga com o desejo do Evangelho de trazer dignidade para todas as pessoas. Pensar em todos é uma forma religiosa e evangélica de lidar com a realidade social”.

Não podemos servir a dois senhores

No Evangelho de São Mateus, Jesus afirma, categoricamente, que não podemos servir a Deus e ao dinheiro. Acerca deste tema, o padre, que também é doutor em ciências socioambientais, recordou que no tempo de Jesus já existia o dinheiro e que Mateus era cobrador de impostos.

Sabemos da importância do dinheiro, mas o dinheiro não pode nos dominar, não deve ser o nosso senhor. É a forma pela qual vivemos e satisfazemos nossas necessidades. Vivemos num mundo capitalista onde as relações de troca se dão, basicamente, por meio da moeda. Hoje temos moedas mais tecnológicas, formas avançadas de dinheiro, mas continua sendo dinheiro e precisamos dele para que todos tenham dignidade. Programas de transferência de renda são importantes para que os pobres que não têm emprego — que é a principal fonte de renda — possam também ter acesso ao mercado e atender às suas necessidades”.

Como viver bem num mundo tão desigual?

Buscar uma vida confortável com o suor do trabalho nunca foi pecado. Mas como conciliar tal vida sabendo que há pessoas que vão dormir com fome? Para responder a esta questão, padre Nazareno cita São Paulo dizendo que “todo trabalhador é digno de seu salário”, mas que, no entanto, os bens materiais devem nos conduzir aos bens celestes.

“Temos que ser pessoas eucarísticas no sentido da partilha, partilhando com os irmãos aquilo que recebemos de Deus, por meio do nosso trabalho. A gente pode transformar o mundo numa realidade melhor e, assim, poder dormir com a consciência tranquila de que estamos fazendo a nossa parte, promovendo a partilha do bem-comum”.

Leia MaisEconomia de Francisco: um compromisso com uma economia para a vidaAfinal, o que é e como aplicar a Economia de Francisco e Clara?

O padre Nazareno, especializado em economia regional e pesquisador da Economia de Francisco e Clara, destacou como esse “modelo econômico” pode ser implantado.

“Temos diversos brasis dentro do Brasil, diversas amazônias dentro da Amazônia, diversos 'Parás' dentro de um Pará, então nós temos um leque muito grande de possibilidades para implementarmos a Economia de Francisco. As pessoas são o centro desta economia, não mais o dinheiro, o mercado, o comércio, mas as pessoas, no sentido de valorizá-las, de valorizar seu trabalho, de dar dignidade a essas pessoas, para que elas também possam participar dos resultados. Não de uma economia que concentra e gera desigualdades, mas aquela economia que valoriza as pessoas”.

Os pagadores de promessas

Há muitas pessoas que, literalmente, pagam por suas promessas, em outras palavras, há pessoas que doam dinheiro como forma de agradecimento. Sobre este fato, o padre Nazareno nos explicou que é importante conscientizar estas pessoas de que a fé não é somente uma relação de troca, uma monetização.

Não se paga sacramento, não se paga a bênção de Deus, não se paga a Misericórdia de Deus. Contudo, a Igreja também vive no mundo e precisa de recursos para colocar em prática os projetos de Evangelização, projetos sociais e a sua manutenção. Portanto, há essa necessidade de conscientizar as pessoas de que é importante contribuir com a Igreja, mas que o agradecimento não é uma questão monetária, e sim uma relação de fé e de amor ao Nosso Senhor”, disse o padre, que complementou: “Deus não se vende. Não se compra a Deus como, às vezes, o dinheiro compra relações”.

Leia MaisO valor espiritual da contribuição do DízimoO dízimo deve mesmo ser 10% do salário?

Vez e outra, a discussão sobre pagar o dízimo com 10% de seu salário volta às rodas de discussões entre os que defendem esta porcentagem e os que discordam dela.

Esclarecendo esta questão, padre Nazareno disse que “não adianta devolver o dízimo a 10% do que se ganha e depois ter dificuldades, passar fome… As pessoas precisam educar-se financeiramente para contribuir com aquilo que, de fato, podem. O ideal seriam os 10%, mas a Igreja, graças a Deus, não tem esta exigência”.

O padre ainda ressaltou a importância de devolver o dízimo, orientando que o dízimo não deve ser a última das decisões, mas a primeira! Não é pagamento, é uma devolução daquilo que o Senhor nos concede. É uma forma generosa de agradecer e, por isso, tem de ser feita de coração”.

Estabilidade econômica — uma importância social e espiritual

Embora a Igreja tenha ajuda de pessoas de posse, grande parte dessa ajuda vem de pessoas mais pobres, aquelas que participam frequentemente da vida da Igreja, que têm consciência da necessidade da Igreja e que estão ali, o tempo todo, a ajudar. Por isso da importância de se ter uma economia sólida, que valorize as pessoas, que gere emprego, que faça as pessoas viverem uma vida estável economicamente, para que assim possam, espiritualmente, viver na paz, com dignidade, e contribuírem de forma muito mais amorosa e generosa com a Igreja” — finaliza o padre economista, ressaltando a importância de se ter uma economia estável, como a que temos desde 1994, com a chegada do Real.

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