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Brasil

Depois da abolição: O preconceito contra negros ainda continua forte no Brasil

No quinto artigo do Especial "Cores da Nação", Pe. Vinícius Ponciano reflete a amarga herança deixada pelo período da escravidão no Brasil

Escrito por Padre Vinícius Ponciano

14 NOV 2023 - 10H36 (Atualizada em 14 NOV 2023 - 11H02)

Fontes históricas registram que no dia 13 de maio de 1888, graças à intensa mobilização pelo decreto da Lei Áurea, ocorreu a abolição da escravatura no Brasil. Dessa histórica data, até os dias de hoje, já se passaram 133 anos. Lamentavelmente, os problemas raciais no Brasil ainda continuam de forma bastante relevante. As relações raciais entre brancos e negros, no Brasil, não são boas e, menos ainda, amistosas.

Apesar da “abolição da escravatura”, o problema do negro, particularmente aqui no Brasil, continua sendo tratado como se não existisse preconceito de cor. As correntes, os chicotes os troncos e a vida humilhante no interior das senzalas foram substituídos pelo descaso. Hoje, no Brasil, vivemos o racismo sistêmico e estrutural. A população negra, embora ela seja bastante numerosa, continua sendo tratada como se ela não existisse.

Graças ao mito da democracia racial, no Brasil, o racismo é tratado como coisa do passado e não como crime. Por isso, as chamadas reivindicações da raça são desconsideradas e vistas como baderna até mesmo pelos próprios negros. No Brasil, o preconceito de cor existe. As mulheres e os homens negros sofrem, o tempo todo, agressões sutis, porém tão violentas e dolorosas como os ferros em brasa e os chicotes que rasgavam a pele das mulheres e homens negros no passado brasileiro.

Os negros foram expulsos dos canaviais e cafezais, verdadeiros campos de concentração, onde a tortura era permitida e vista como correção pedagógica, e covardemente abandonados e obrigados a viver nos guetos marginais dos pequenos, médios e grandes centros urbanos.

Leia MaisA indefinição do 'status quo' do negro brasileiroDemocracia Racial: Um conceito logicamente falaciosoDurante o período da escravidão e, também nos dias atuais, os negros continuam passando por grandes dificuldades e vivendo, sobretudo, em estado de dependência social, política, econômica, jurídica e religiosa.

A “abolição da escravatura”, embora ela tenha dito não para o modus operandi et vivendi do sistema que sujeitava as pessoas negras à escravidão, não criou condições ou possibilidades para que as mulheres e os homens negros brasileiros, agora “livres”, pudessem retomar sua vida.

Sem oportunidades reais e sem saber o que fazer com a sua “liberdade” as mulheres e os homens negros brasileiros foram abandonados à própria sorte e condenados, sistemicamente, e de forma estrutural, a viver no submundo brasileiro.

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A população negra brasileira foi convertida em pária e privada de participar dos direitos sociais. O preconceito de cor cai, como uma gigantesca pedra, em cima dos negros, impedindo-os, assim, de “desenvolverem sua autoeducação e seu autoesclarecimento” (FERNANDES, 2007, p. 56). O sistema vigente brasileiro, à luz do mito da democracia racial, ignora a população negra brasileira.

O descaso social, político, econômico, jurídico, religioso, de ontem e também de hoje, leva as mulheres e os homens negros brasileiros para o abandono dos “porões e cortiços” (FERNADES, 2007, p. 56), verdadeiros ambientes antissociais. Nesses guetos, à luz da analfabetização e da ditadura branca, a população negra brasileira continua nos dia atuais, como no Brasil colonial, impedida de alcançar sua própria ascensão social.

As populações negras do Brasil porventura querem privilégios? Não. Elas não querem privilégios. O que as populações negras do Brasil querem é acabar com os privilégios das populações brancas. As mulheres e os homens negros brasileiros querem direitos e oportunidades iguais. Queremos no sentir socialmente úteis. Não queremos mais ser tratados como massa sobrante ou lixo não reciclável.

Infelizmente, “há quem pense que o negro luta por privilégios, através dos movimentos existentes. Mas isso não é verdade” (FERNANDES, 2007, p. 57). As populações negras do Brasil estão lutando “contra os privilégios que as mantiveram, e ainda as mantêm, afastadas do progresso e dos direitos fundamentais que regem a nossa ordem social brasileira” (FERNADES, 2007, p. 57). A esse respeito, convém frisar que nós negros não estamos lutando “contra pessoas ou grupos” (FERNANDES, 2007, p. 57).

Leia MaisQuais são as perspectivas futuras para os negros brasileiros?A respeito da realidade racial brasileiraAs mulheres e os homens negros brasileiros não querem “prejudicar os brancos ou combater os valores e instituições sociais que conferem aos brancos cada vez mais riqueza, poder ou estabilidade” (FERNANDES, 2007, p. 57) social, política, econômica, jurídica e religiosa.

Ao contrário do que se pensa, as populações negras do Brasil têm um alvo bem diferente, que segundo o Sociólogo Florestan Fernandes outro não é, senão, “permitir aos negros ter acesso mais livre e equitativo a esses valores e instituições” (FERNANDES, 2007, p. 57) brasileiros.

Nós, negros brasileiros, não queremos fomentar os conflitos sociais, políticos, econômicos, jurídicos e religiosos de nossa sociedade. O que queremos é pôr um fim nos privilégios dos brancos. O que nós negros estamos querendo, e vamos lutar para que isso aconteça, são diretos e oportunidades iguais. A abolição da escravatura (13 de maio de 1888) não nos garante tais direitos.

As populações negras do Brasil querem, tão somente, “alargamento efetivo da área de acomodação, integração dos negros às oportunidades econômicas, políticas, educacionais e sociais, que são conferidas aos brancos sem restrições” (FERNANDES, 2007, p. 57). O fato é que nós, negras e negros, precisamos lutar. Precisamos buscar, incansavelmente, mesmo diante de todas as incompreensões, os nossos direitos em todas as camadas sociais brasileiras.

A nossa ascensão social depende muito da nossa disposição para nos organizarmos, como mulheres e homens negros, para lutarmos por nossos diretos adquiridos. Somos cidadãs e cidadãos brasileiros. O isolamento espacial, cultural, político, jurídico e religioso só demonstra nossa incapacidade de nos organizarmos, como mulheres e homens negros, para conquistarmos nosso lugar ao sol em uma sociedade que investe pesado no privilégio das mulheres e homens brancos.

A reconstrução da sociedade brasileira, a partir da ótica dos negros, vai depender muito da nossa politização. Sem politização, isto é, sem conscientização de quem realmente nós somos, a mudança não acontece. Fala-se muito de competição do negro com o branco. Mas podemos falar de competição entre brancos e negros em uma sociedade como nossa onde os brancos são sempre privilegiados?

Lembra-nos o Sociólogo Florestan Fernandes que “por parte do negro não há um desejo de desalojar o branco das posições sociais em que ele se encontra, mas compartilhar com ele os direitos e garantias sociais, as tendências ideológicas e utópicas que valorizam, no meio do branco, a integração social; o fortalecimento do regime democrático (...)” (FERNANDES, 2007, 58). Todos os movimentos sociais em prol da reintegração das minorias são bem-vindos em um país heterogêneo como o Brasil.

Salve Zumbi dos Palmares.

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