Brasil

"Independência ou Morte": Como explicar a unidade política do Brasil

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

07 JUL 2022 - 11H45 (Atualizada em 03 AGO 2022 - 12H25)

No dia 7 de setembro de 1822, o Brasil ganhou sua tão sonhada independência, que só se concretizaria em dezembro, depois do pagamento de uma vultuosa soma a Portugal e com o reconhecimento dos primeiros países.

Entretanto, até hoje duas perguntas ainda não foram suficientemente respondidas:

- Por que a América Portuguesa (Brasil), ao contrário da América Espanhola, não sofreu uma divisão, se tornando um único país? 

- E por que a monarquia foi mantida, mesmo existindo já um movimento favorável à república?

Não há unanimidade nas conclusões, mas as respostas são várias.

Maiores distâncias, diferentes estilos de administração

Uma das razões que explicam a unidade se relaciona com a distância geográfica entre as cidades das antigas colônias e a forma como as duas colônias eram administradas pelas respectivas metrópoles.

A colônia portuguesa tinha dimensões continentais, mas a maior parte da população se concentrava em cidades localizadas na costa, com o interior permanecendo praticamente inexplorado. As principais cidades se concentravam no litoral e as distâncias entre as cidades eram menores do que na América Espanhola.

Na América Espanhola, que era formada por quatro grandes vice-reinados com poucos vínculos entre si, havia maior autonomia. Cada um respondia diretamente à Coroa, tendo vida própria, com administração local. Além disso, havia as Capitanias, que tinham governos independentes desses vice-reinados. Vice-reinos e capitanias, após as lutas pela independência, darão origem a novos países.

Diferenças entre as elites

Outra razão está relacionada à formação e à representatividade das elites. No Brasil, a elite era mais homogênea do que a espanhola porque a metrópole não permitiu, por exemplo, a criação de universidades na colônia até 1808.

A formação da elite brasileira acontecia em Portugal, na Universidade de Coimbra, favorecendo mais a obediência à figura real e a crença nas virtudes do poder centralizado.

Além do mais, a livre circulação de impressos como jornais, livros e panfletos na América espanhola, que não era permitida na América portuguesa, teve papel importante na construção das identidades regionais. Na América portuguesa, tudo o que era consumido vinha de Portugal, o que gerava esse vínculo mais forte com a metrópole.

Leia Mais"Independência ou Morte": Tratativas internacionais e pacificação interna"Independência ou Morte": A viagem de Dom Pedro I leva-o a passar também pela Vila de Aparecida"Independência ou Morte": A construção do processo de independênciaNa América Espanhola, os nascidos na colônia, chamados criollos, que formavam a elite local, eram desprezados em relação aos nascidos na Espanha. Quando o movimento de independência teve início, essa elite local se colocaria a favor da libertação.

As colônias espanholas estavam longe da corte. Aqui no Brasil, a vinda da Família Real Portuguesa para sua maior colônia, em 1808 traz para bem perto a presença do rei, considerado legítimo representante do poder. Isto serviu como fonte de legitimidade para que a colônia se mantivesse unida.

É bem possível que, se Dom João não tivesse vindo para o Brasil, o país poderia ter se dividido em vários países e as províncias de maior desenvolvimento econômico, como Pernambuco e Rio de Janeiro, teriam conseguido sua independência com mais facilidade.

Na Espanha, essa fonte de legitimidade foi questionada após a invasão de Napoleão, porque o legítimo rei foi obrigado a abdicar. A notícia caiu como uma bomba nas colônias, pois aqueles que viviam na América Espanhola já não sabiam mais a quem obedecer. Surgiram então as Juntas Administrativas para substituir o poder real.

Quando Napoleão foi derrotado, os líderes locais já tinham experiência de autogoverno, iniciando a luta pela independência. Entre nós, Dom João VI elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal, permanecendo no Rio de Janeiro até que as cortes exigissem seu retorno a Lisboa, em 1820, aceitando uma constituição liberal. O Brasil e o México seriam as únicas monarquias da América Latina.

Temor social

Preocupações econômicas e sociais também contribuíram para assegurar a unidade do Brasil, porque os latifundiários e os homens ricos das cidades aceitaram a autoridade central para evitar a ameaça de desordem social, por causa do grande número de escravos que aqui existia, e a possibilidade de revoltas, como acontecerá no Haiti.

É certo que o Brasil conseguiu sua independência sem luta, mas os líderes regionais procuravam maior liberdade em relação à capital, Rio de Janeiro. Com o tempo, perceberam que sem um governo centralizado poderia acontecer uma fase de desordem social.

Na América Espanhola, as elites entenderam que poderiam lidar com uma população irrequieta. E revoltas. Os países hispano-americanos tomaram medidas para terminar com a escravidão, mais cedo que o Brasil, a fim diminuir o perigo de sua revolta.

Outra razão da divisão da América espanhola em diversos países deve-se ao conceito de Fronteira, pois esse praticamente não havia, tendo em seu lugar um sistema de jurisdição.

Leia Mais"Independência ou Morte": Por que Dom Pedro decidiu ficar no Brasil?“Independência ou morte”: Não aconteceu de um dia para o outro!“Independência ou morte” – Pera aí! Não foi bem assim!No processo de autonomia houve conflitos para delimitar as fronteiras, mesmo após a independência explicando em parte o processo de fragmentação na América Espanhola.

É bom lembrar, entretanto, que o processo de unificação territorial no Brasil não foi totalmente pacífico, surgindo movimentos de caráter emancipacionista em Minas Gerais (1789), na Bahia (1798), em Pernambuco (1817). Essas revoltas foram fomentadas mais por um sentimento de autonomia do que por um desejo de ruptura entre a colônia e a metrópole.

Quando Dom Pedro 1º declarou a Independência do Brasil, em 1822, a maior parte das províncias do norte foram contra, permanecendo leais a Portugal, até defrontarem-se com uma força militar enviada do Rio de Janeiro. Como na América portuguesa não houve uma guerra de independência, e sim uma continuidade com a transferência da corte, o governo do Rio de Janeiro tinha mais força para suprimir essas rebeliões do que aconteceu na América Espanhola.

Acordo de interesses

A independência do Brasil aconteceu a partir da somatória de interesses das elites para evitar a mudança estrutural mais drástica na então colônia, impedindo convulsões sociais, preservando a escravidão  e evitando as revoluções, como havia ocorrido na América Espanhola. Desta forma, se conseguiu manter o país unificado, ao menos até o período em que a monarquia já não mais interessava.

Na verdade, a elite brasileira escolheu fortalecer o governo central, validando o próprio predomínio local, construindo um estado central estável, simbolizado no imperador. A monarquia tinha sua utilidade, mas o espírito republicano não estava abolido e sim adormecido.

No fim do século XIX, com a unidade do Brasil já assegurada, as elites não precisavam mais "de um símbolo vivo do estado" para estabelecer sua legitimidade. O império acabou destronado pelo exército, que proclamou a república quase sem disparar um único tiro.

Ouça também o podcast com o Pe. Inácio Medeiros, C.Ss.R.

Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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