Vamos refletir sobre o livro didático? Para início de conversa, vamos relembrar o significado desses dois conceitos: 'livro' e 'didático'. Dentre os vários significados técnicos do termo “livro” no Dicionário da Língua Portuguesa, encontra-se aquele que vem ao encontro do que representa o livro na dimensão formativa: “Algo que divulga conhecimento ou instrui”.
Para o conceito de “didático”, o Dicionário oferece três definições: a) Próprio para ensinar ou instruir; b) Que favorece ou possibilita a aprendizagem; c) Que resulta em aquisição de informação ou conhecimento, assim como de prazer e divertimento.
Dessa forma, podemos concluir que o livro didático deveria ser um fecundo e seguro canal por onde navega o barco do conhecimento, já que, por ele, chegam as informações organizadas que desenvolvem o conhecimento cognitivo, técnico e ético-moral do sujeito-aluno.
O livro didático é introduzido na Educação Infantil e prossegue até o ensino universitário, perpassando em todas as suas modalidades. Isto significa afirmar que, do início ao fim da vida, o livro didático faz parte da existência humana. Em muitos casos, será ele um dos fortes recursos de acesso à construção do conhecimento.
O livro didático tem força no cenário nacional da educação brasileira por ser também o principal recurso nas mãos dos professores para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça. Uma centralidade que pode ser comemorada, mas também geradora de muita preocupação, já que o livro didático é formador de consciência por diversas vertentes que envolvem as questões históricas, sociológicas, antropológicas, filosóficas, teológicas, morais e tantas outras. Se a formação desse professor for deficiente e sem respaldo em sólidos valores que lhe forneçam as bases da consciência moral, a escolha do livro didático pode ser uma ameaça à formação do sujeito.
O Catecismo da Igreja Católica ensina sobre a importância da consciência moral:
Leia MaisEducar não se reduz à formação de competência tecnológicaSistema Braille é divisor de águas na vida da pessoa cegaEducar para a Espera Cristã: É na esperança que fomos salvos! (Rm 8,24)Educação infantil de qualidade e seu impacto na economiaNesta segunda (14) é celebrado o Dia Nacional da AlfabetizaçãoNa Rede Pública de Ensino, desde 1937 no Brasil há politicas públicas que envolvem o livro didático, apesar de muitos brasileiros, ao longo das décadas, não terem recebido os mesmos em sua época escolar. Em 1976, o Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) passou a fazer parte do Programa de Distribuição dos Livros. A escolha do livro didático cabe ao professor, mas antes o MEC faz uma pré-escolha através de especialistas por ele contratados para fazerem a análise dos livros didáticos. Após análise e aprovação, os livros são divulgados no Guia do Livro Didático para que os professores escolham quais serão adotados. Depois da escolha dos professores, o FNDE negocia com as editoras que produzirão os mesmos. Não poucas vezes, o lobby de algumas editoras acaba tendo seus livros aprovados, pagos, e depois recolhidos por erros e/ou resistência dos mais variados setores da sociedade civil, por causa de seus conteúdos estarem em descompasso com as escolhas de tais setores. O dinheiro público, dessa forma, é aplicado indevidamente, enquanto poderia beneficiar o bem estar social em outras emergências. Também é lamentável constatar que, em muitas escolas do país, há muitos livros que não são distribuídos e, em muitos casos, sequer retirados das embalagens.
Na Rede Privada de Ensino, a escolha do livro didático fica a critério de cada escola, que busca aqueles que tenham a ver com o seu Projeto Político-Pedagógico e com os seus diferenciais. Já na Rede Católica de Ensino, a escolha deve estar em profunda e radical sintonia com a doutrina da Igreja para que não firam, em absolutamente nada, os ensinamentos de Jesus e do Magistério Eclesial.
O livro didático faz parte de todas as disciplinas que compõem a grade curricular e, por isso mesmo, tem o poder de influenciar, formar, informar, deformar, transformar, negar ou confirmar posições, ensinamentos, valores, conceitos, orientações e escolhas de todas as naturezas que envolvem a formação do sujeito, sejam as benéficas ou as maléficas. Facilmente, por eles entram no cotidiano escolar e nas mentes dos alunos ideologias diversas, dos mais variados grupos e vertentes sociais.
Portanto, não podemos negligenciar, como católicos envolvidos nas diversas Pastorais formativas, o que representa o Livro Didático. Ele deve por nós ser lido, analisado, estudado, elogiado, criticado, mantido ou retirado do convívio escolar, antes que sejam definidos nas escolas. Cabe também às famílias analisarem os mesmos antes da aprovação. Os pais não devem se ausentar da escolha dos livros didáticos, pois isso também significa abrir mão da educação de seus filhos.
Na Audiência Geral do dia 20 de Maio de 2015, o Papa Francisco refletiu:
"(...) Multiplicaram-se os chamados «peritos», que passaram a ocupar o papel dos pais até nos aspectos mais íntimos da educação (...) os «peritos» sabem tudo: finalidades, motivações, técnicas. E os pais só devem ouvir, aprender a adaptar-se. (...)«Tu não podes corrigir o teu filho!». Tendem a confiá-los cada vez mais aos «peritos», até nos aspectos mais delicados e pessoais da sua vida, pondo-se de parte sozinhos; e assim, hoje, os pais correm o risco de se auto-excluir da vida dos próprios filhos. E isto é gravíssimo!"
A incisiva reflexão de Papa Francisco nos ajuda pensar nas vezes em que, mesmo sem perceber os perigos, delegamos aos “peritos” a formação dos sujeitos sociais, sem também nos darmos conta de como, ao longo do tempo, através dos muitos aparatos, ele se forma a partir de propostas que distorcem a verdade da educação. O livro didático acompanha o sujeito nos muitos anos de vida escolar e, sem ser devidamente percebido, cumpriu o seu papel de canal formador/deformador.
Apesar de todo avanço tecnológico, do dilúvio de informações da internet, das ondas velozes das redes sociais, ainda é o livro didático um amplo canal por onde navega o barco do conhecimento. Nele não estão somente banhados os conhecimentos cognitivos, mas outros de tantas naturezas que permeiam a formação do sujeito: históricos, políticos, emocionais, racionais e mesmo os religiosos.
O livro didático é financiado com o dinheiro público. É fruto do trabalho de cada brasileiro e é muito caro produzi-lo. Para 2018, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) investiu R$ 1,3 bilhão para distribuir 157 milhões de exemplares para 32 milhões de alunos dos anos finais do ensino fundamental. Novamente, a consciência moral deve ser evocada:
O cidadão é obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis quando estes preceitos são contrários às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando suas exigências são contrárias às da reta consciência, funda-se na distinção entre o serviço a Deus e o serviço à comunidade política, "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). “É preciso obedecer antes a Deus que aos homens" (At 5,29) (§2242)
Precisamos ter atenção sobre ao que estamos financiando, pois, ao longo das últimas décadas, muitos livros didáticos perpassaram ideologias de todas as naturezas e muitas na contramão do que devemos acreditar como cristãos católicos. Como ensina, mais uma vez, a Igreja Católica através de seu Catecismo, tudo o que for contra a ordem moral deve por nós ser rejeitado, ainda que seja instituído pelas autoridades públicas. Com tão alto financiamento, pode chegar às escolas, nas mãos de nossos alunos, em seus corações e mentes, muito conhecimento edificante que venha ao encontro da sociedade pensada por Deus para todos nós.
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