Não é novidade para quem trabalha no âmbito da saúde, mas, em geral, uma realidade desconhecida para o grande público é que o número de suicídios entre jovens estudantes de medicina e médicos recém-formados vem aumentando assustadoramente.
Notícias da Faculdade de Medicina da USP nos dão conta que esta se mobiliza para atendimento psicológico individualizado aos alunos e apoio aos que apresentam algum problema de saúde mental. Além disso, foi implantada uma linha telefônica que funciona 24h, para onde os alunos podem ligar em situação de necessidade ou emergência, após seis casos de suicídio nos primeiros três meses de 2017, todos eles cursando o 4º ano de Medicina (Folha de São Paulo, 12/ 04/2017, B7).
É claro que esta situação tem gerado muita perplexidade, desorientação, apreensão e tristeza entre todos. Ao darmos a palavras aos estudantes, temos um interessante e preocupante check up da saúde mental dos estudantes de medicina, que exige da Universidade uma tomada de posição urgente.
Uma carta dos profissionais do Serviço de Psicoterapia do Instituo de psiquiatria da USP (IPq) relata que “esgotamento, ansiedade, depressão, internações psiquiátricas, tentativas de suicídios, mortes. Os relatos (dos estudantes) nos parecem crescentes em frequência e intensidade, e soam como um pedido de ajuda.”
Na fala dos alunos de 4º ano, eles dizem que “a formatura está próxima e a realidade da profissão vai matando as ilusões dos tempos de calouros. Há disputas infantis por notas, muitas divulgadas nominalmente.” Outros dizem que “não existe tempo suficiente para atividades que não estejam ligadas ao mundo médico. As aulas começam as 8h e terminam às 18h quase todos os dias. Além do cansaço mental, da desumanização cotidiana, temos que ter a cabeça tranquila para estudar doenças.”
Existem também queixas de que a saúde mental do estudante de Medicina não é levada em conta quando se trata de faltas. “As notas de conceito (quase 50% da nota final) são multiplicadas pela frequência. Se o aluno está deprimido, não consegue ir as aulas. Mas não podemos faltar sem punição, Não temos tempo para cuidar da nossa saúde mental e física”.
Outro fator estressante são a formação das famosas “panelas”, ou seja, dos grupos de 15 alunos para o estágio obrigatório (internato). Quando são aos alunos que decidem com quem se agruparão, temos muitas situações de exclusão e perseguição. Ocorre que “os alunos mal vistos, ou que não são bem relacionados, por inúmeros motivos, acabem sobrando e formando a famigerada 'panela lixo', ou são excluídos e têm que mendigar uma vaga entre os grupinhos já formados”, relata um grupo de alunos num comunicado.
Leia MaisO suicídio: um drama mundial e silenciado que clama aos céusVamos falar sobre suicídio? Saiba como superar mitos, ter atenção aos sinais de alerta e ação preventivaNa fala do psiquiatra Francisco Lotufo Neto, professor indicado para estudar esta problemática, “são jovens em amadurecimento, enfrentando a entrada numa profissão que tem conta com o sofrimento humano. É um curso difícil, que exige muito das pessoas. Também há pressão pelo sucesso”.
Na opinião do psiquiatra, ”isso tudo leva a uma maior predisposição à depressão, que é mais prevalente entre os estudantes de medicina do que na população em geral”.
Esta problemática é mundial; não é uma exclusividade brasileira. Na Austrália, por exemplo, o aumento da taxa de suicido entre médicos alarmou os especialistas em saúde mental. Foi relevado que quatro jovens médicos se suicidaram nos últimos seis meses de 2016. Só no Estado de New South Wales, na última década, nada menos que 20 médicos tiraram suas vidas. (The Guardian, 21/03/2017).
Claro que os números, em comparação com os nossos, são baixíssimos, mas causam maior preocupação e mobilização para a prevenção e cuidado das pessoas afetadas que entre nós. Nas palavras da Dra. Ranjana Srivstava, é necessário conclamar os médicos para apoiar seus colegas quando em situações de sofrimento:
“Como profissão, devemos fazer mais que simplesmente lamentar a morte de nossos colegas. Enfrentar efetivamente a doença mental e interromper o suicido entre os médicos exige curiosidade, compaixão e apoio prático.”
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