Na atual conjuntura brasileira, graças ao mito da democracia racial, não há a curto e longo prazo perspectivas futuras para a “população de cor”. As questões raciais no Brasil são, desde o Brasil colonial, vistas e tratadas com um acentuado descaso. Lamentavelmente, nós, negros, vemos a repetição do passado no presente. Embora seja inadmissível, ainda se escuta, não raramente, que este ou aquele fulano é um “negro de alma branca”. Certas influências do passado ainda se fazem muito presentes na consciência e no comportamento do brasileiro quando o assunto gira em torno das mulheres e dos homens negros. O racismo no Brasil é muito peculiar. Ele é quase imperceptível.
A sociedade brasileira está passando por grandes transformações. No entanto, é importante que se saiba que as transformações que afetam a sociedade brasileira, na atualidade fluida, não acontecem de forma homogênea. “A modernização não se processa igualmente em todas as esferas da vida social” (FERNANDES, 2007, p. 48). Assim sendo, na atualidade brasileira, não raramente, vamos nos deparar com indivíduos combatendo o racismo, outros indivíduos propagando o racismo e outros indivíduos completamente alheios no que diz respeito ao racismo, seja aqui no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo. Desde a expansão do “ciclo do café e do surto urbano-industrial” (FERNANDES, 2007, p. 48) o capital ou o poder econômico encontra-se nas mãos da raça dominante. Ou seja, dos brancos.
Lamentavelmente, a ordem social brasileira não inclui, igualmente, na rota de produção e desenvolvimento social, político, econômico e jurídico, a população negra. As contradições herdadas do passado continuam travando a vida de uma infinidade de mulheres e homens negros. Os negros de ontem foram prejudicados e os de hoje continuam sendo prejudicados, e com certeza, por causa da falta de perspectivas futuras, os negros de amanhã continuarão sendo prejudicados pelo desequilíbrio social brasileiro. Não existe desenvolvimento social espontâneo.
É preciso que haja, de fato e de direito, políticas públicas sociais que sejam capazes de incluir a massa sobrante que, por sua vez, é composta pela maioria negra. Tem que haver um crescimento social e econômico mais acessível para a população negra brasileira. O desequilíbrio social, político, econômico, religioso e jurídico favorecem a expansão do regime de classes. Até quando os negros brasileiros terão que permanecer sob o crivo da subsistência?
No Brasil, o preconceito de cor é muito forte. Ele engessa ou bloqueia o nivelamento social. O que tem feito o preconceito de cor na atualidade fluida? Ele tem feito um “nivelamento social por cima em favor dos brancos e colocado os negros por baixo como parte da ralé ou da gente baixa” (FERNANDES, 2007, p. 50). Entre brancos e negros, não podemos negar, ou mesmo subestimar, há enormes disparidades de distribuição social da renda. Tal postura incentiva ainda mais os conflitos raciais e, por sua vez, evidentemente, sociais.
As elites do poder continuam impedindo a ascensão social das mulheres e dos homens negros. Infelizmente, tal postura acaba criando o “novo negro” (FERNANDES, 2007, p. 50). Esse “novo negro”, cansado de sofrer discriminações em todos os níveis possíveis, “aspira viver como o “branco” de nível social equivalente e prefere isolar-se socialmente a praticar um comércio racial que prejudicaria sua concepção da dignidade humana” (FERNANDES, 2007, p. 50).
Essa postura ou comportamento, evidentemente, desqualifica ainda mais o negro e gera uma rebeldia ainda maior contra o branco. Esse perigo racial é muito difícil de ser contornado. Eu reconheço que algumas portas foram abertas para as mulheres e para os homens negros brasileiros. Mas, lamentavelmente, outras tantas foram e continuam sendo fechadas e, depois de trancadas, jogam fora a chave. O mercado de trabalho tem feito muitas restrições ao “trabalhador de cor” (FERNADES, 2007, p. 51). As pessoas negras continuam tendo pouca visibilidade na sociedade brasileira.
Leia MaisA respeito da realidade racial brasileiraA indefinição do 'status quo' do negro brasileiroDemocracia Racial: Um conceito logicamente falaciosoA mobilidade social brasileira, não podemos negar, não acontece de forma horizontal. Lamentavelmente, a mobilidade social brasileira é bastante verticalizada. E os negros de classe média, como ficam diante do racismo?
Infelizmente, os negros da classe média brasileira, por se alimentarem do mito da democracia racial, pensam, falam e se comportam como homem branco.
Os negros da classe média não ignoram, propositalmente, o racismo e seus efeitos colaterais irreversíveis dizendo que o que aconteceu no Brasil colonial com relação à escravidão foi um contexto de época. E que hoje brancos e negros têm a mesma oportunidade. E se tem algum negro em situação ruim, é porque ele nada tem feito para mudar e ser um negro bem-sucedido.
A população negra brasileira, entra ano e sai ano, continua aspirando por empregos dignos, níveis melhores de vida e oportunidades de ascensão social. No entanto, a pressão das injustiças sociais sobre as mulheres e os homens negros é muito forte. A população negra brasileira tem encontrado muitas dificuldades para evoluir da passividade à agressividade. Até quando seremos tolerantes? Falta vitalidade para enfrentar e resolver os problemas materiais e morais da massa negra, privada sempre de todo e qualquer tipo de reciclo. Ou seja, a população negra brasileira continua sendo tratada como lixo não reciclável.
Pergunto: Para nós, mulheres e homens negros brasileiros, ser negro é ainda um dilema? Precisamos resolver internamente essa questão urgentemente. E as mulheres e homens brancos brasileiros precisam, com a mesma rapidez, se reeducarem e “deixar de falar em democracia racial” (FERNANDES, 2007, p. 52). É preciso fazer algo de concreto. É importante que se compreenda “que uma sociedade nacional não pode ser homogênea” (FERNANDES, 2007, p. 52). Enquanto as desigualdades sociais e raciais existirem no Brasil, não vejo perspectivas futuras para as mulheres e para os homens negros brasileiros.
Sem solidariedade nacional não haverá evolução social e racial. Sem respeito e solidariedade nacional a sociedade brasileira continuará tosca, egoísta e atentando contra a democracia brasileira, que já é tão tênue. O dilema social dos excluídos é real. Precisamos pôr um fim nele o quanto antes. Não tem razão de ser continuar excluindo os negros brasileiros, que tanto fazem pelo crescimento do Brasil, fora da ordem econômica, social, política, jurídica e religiosa.
Salve Zumbi de Palmares!
FERNADES, Florestan. O negro no mundo dos brancos / Florestan Fernandes; apresentação de Lilia Moritz Schwarcz. 2ª ed. revista – São Paulo: Global, 2007.
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