Comunicação

Bolhas digitais: quando a ficção se fantasia de realidade

Mariana Mascarenhas

Escrito por Mariana Mascarenhas - Redação A12

21 NOV 2022 - 09H01 (Atualizada em 21 NOV 2022 - 09H52)

Bloqueio de ruas e rodovias, confrontos físicos e verbais, incitação à violência: esse foi o cenário pós-eleição apresentado no Brasil. Quem pensou que o fim das eleições também acarretaria o término das manifestações mais acaloradas e radicalizadas, tanto no espaço digital quanto no real, se equivocou.

A derrota do atual presidente da República resultou em uma série de protestos, organizados por eleitores indignados com o resultado das votações para a presidência. Muitos manifestaram sua frustração com a propagação de inverdades, destinadas a colocar em dúvida a legitimidade das urnas eletrônicas – algo que já vinha ocorrendo muito antes da votação.

Na data de 31 de outubro, inclusive, um dia após a eleição, diversos grupos de apoiadores do atual presidente foram retirados do Telegram e WhatsApp. A ação ocorreu em razão de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o intuito de evitar a divulgação de mensagens destinadas a prejudicar a democracia do país, como a defesa de uma intervenção militar. Aliás, tal defesa esteve presente em diversos protestos realizados por caminhoneiros no bloqueio de estradas e outros manifestantes ao redor de quartéis.

Na manhã de 2 de novembro, o número de rodovias federais interditadas ou bloqueadas no Brasil chegava a 86, de acordo com boletim divulgado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). No entanto, tais bloqueios foram perdendo fôlego com o passar dos dias, principalmente em razão das punições determinadas por Moraes contra empresários e donos de caminhão, responsáveis por financiar o bloqueio de estradas e vias públicas. Tais medidas foram ampliadas para todo o território nacional no dia 11 de novembro e consistem na aplicação de multa de R$ 100 mil/hora aos donos dos veículos.

Leia MaisOuçamos a CNBB sobre os perigos da manipulação religiosa e fake newsAssim, o cenário caótico formado alguns dias após as eleições foi se abrandando, porém não deixou de se revelar assustador.

Afinal, pudemos acompanhar de tudo: um manifestante apoiado na grade de um caminhão em movimento, tentando impedir o motorista de seguir viagem; pessoas marchando nas ruas, não somente pedindo uma ação dos militares, como também fazendo gestos de apologia ao nazismo; outros deitados no chão, contorcendo-se, envoltos na bandeira nacional, entre inúmeras outras situações inusitadas.

Tudo isso que, aparentemente, parecia um caos desgovernado, já se desenhava em diversos grupos de WhatsApp e Telegram. Discursos de ódio e ameaça à democracia foram inflados em tais espaços, com a propagação maciça de inúmeras inverdades a respeito das eleições.

E, mesmo sem qualquer comprovação, tais fake news foram compartilhadas à exaustão, transformando mentiras em realidade, de maneira a ampliar ainda mais as bolhas de opinião já existentes. Inseridas nestas, muitos não veem a totalidade dos fatos e, paradoxalmente, são induzidos a não acreditar em nada daquilo que apresenta algum embasamento real.

Um exemplo claro de tal cenário está na comemoração de alguns manifestantes presentes nas ruas, quando uma fake news sobre a prisão do ministro Alexandre de Moraes começou a circular nos grupos virtuais. Nenhuma notícia fora declarada a respeito: Moraes seguia exercendo suas funções; mas, contrariando toda a realidade, tais manifestantes seguiram em alvoroço com a inverdade propagada.

A partir de tudo isso, podemos refletir sobre a força de tais bolhas fomentadas por fake news, que resultam no atual panorama. Tais bolhas não se formam de um dia para o outro, mas são resultado de construções imagéticas e textuais realizadas com o decorrer do tempo. Durante os quatro anos de governo do atual presidente, por exemplo, determinados discursos e imagens eram repetidos à exaustão, com o objetivo de influenciar os destinatários das mensagens.

Aqui, porém, não se trata de produzir um conteúdo unificado e padronizado para todos. Muito pelo contrário, para conquistar público, principalmente quando este ainda não está totalmente familiarizado com a mensagem enviada, é preciso adentrar em sua realidade e, utilizando do mesmo diálogo, moldá-lo para atingir o objetivo proposto de convencê-lo a respeito da informação passada. Dessa forma, apoiadores mais radicais do atual presidente começaram a formar grupos destinados a dialogar com cristãos, empresários, classes menos favorecidas e assim por diante.

Julia Raketic/ Shutterstock
Julia Raketic/ Shutterstock

Com cristãos, eles dialogam sobre o fechamento das igrejas, implantação do comunismo e outras questões que - em tese - podem ocorrer com a derrota do atual presidente nas eleições, mesmo que não haja comprovação alguma dessas questões. Muitos, com medo do que ouvem e veem, são influenciados por tais ideias e, quanto mais acessam mensagens semelhantes, mais são inseridos para dentro de tais bolhas.

Algo semelhante também ocorre com empresários, ao receberem mensagens sobre os perigos de um governo adversário que pode ampliar os benefícios sociais dos trabalhadores e, consequentemente, gerar mais encargos para os donos de empresa. Já com as classes menos favorecidas, o argumento utilizado é a respeito da questão de como o candidato adversário é capaz de subestimá-los ao oferecer benefícios, sem permitir que ascendam socialmente por sua própria capacidade.

Obviamente, muitos não são influenciados por tais discursos, pois estão atentos à totalidade dos fatos e à realidade como um todo. No entanto, a repetição textual e imagética é um instrumento poderoso para inserir uma parcela considerável de pessoas dentro das bolhas e impedi-las de ver o mundo real. É o que está acontecendo com muitos manifestantes que insistem em perturbar os demais cidadãos por meio de bloqueios de ruas e estradas, por exemplo.

Para muitos deles, o único resultado possível da eleição seria a vitória do atual presidente, por não estarem em contato com eleitores do candidato adversário, e assim tiveram a falsa sensação de que são a maioria. Algo, porém, nos chama atenção: a unidade de um discurso comum no interior dessas bolhas, o fato de que não devem aceitar nenhuma informação oriunda de fontes que não sejam aquelas propagadas no interior do grupo, exatamente por serem, segundo dizem, fake news.

Leia MaisConstituição Federal e a Intervenção MilitarCaos: os males das eleições e o medo socialAs faces brasileiras reveladas nas eleiçõesOutra questão trabalhada em tais grupos ou bolhas é o senso de pertencimento. Para isso, a imagem é utilizada intensamente, como vemos no uso maciço dos símbolos nacionais por seus membros extremistas, reforçando seu papel de 'salvadores da nação', sem contar também com o emprego do lema “Deus, pátria e família”, amplamente utilizado nesses grupos. Dessa maneira, ao usar camisetas ou bandeiras nacionais, muitos se projetam na figura do super-herói, que é percebido como tal pela capa e outros adereços utilizados.

Por isso, o uso da imagem é poderoso e convincente, como naquelas famosas séries ou filmes de ficção, de grande sucesso, que utilizam de símbolos como máscaras e uniformes para mostrar a ideia de pertença a um grupo. Muitos querem fazer parte daquilo e se projetam em seus personagens, comprando até mesmo a reprodução de tais símbolos.

A diferença é que ali se trata de um mundo fictício sem prejuízo algum ao mundo real e não há problema em admirar tais produções. O perigo é quando algumas pessoas não sabem distinguir os mundos real e fictício, apegando-se a inverdades construídas, na tentativa de impor uma nova realidade a todo custo.

Reflitamos a respeito!

Escrito por:
Mariana Mascarenhas
Mariana Mascarenhas - Redação A12

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Atua como Assessora de Comunicação e como Articulista de Mídias Sociais, economia e cultura.

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