Eu não sei se já contei a vocês, mas eu não sou brasileiro. Sou peruano, mas amo o Brasil como a minha segunda pátria, que me acolheu com os braços abertos há quase 18 anos. O tema de hoje é difícil: Quantas coisas poderiam ser ditas de São Francisco de Assis!
Eu vou puxar um pouco a água para o meu moinho para falar de um filho dele, franciscano e santo peruano: São Francisco Solano, falecido no ano de 1610. No dia do seu enterro, estava lá reunida toda a sociedade limenha e o vice-rei, marquês de Montesclaros, chamou tanto o superior dos franciscanos quanto o dos agostinianos para se ajoelharem diante do caixão do santo e depois se darem um abraço.
Era conhecida por todos a rivalidade entre as duas ordens e as disputas constantes em que se envolviam os seus membros, para escândalo dos cristãos e da sociedade como um todo, por verem homens religiosos, irmãos em Cristo, divididos dessa maneira. Nesse contexto, o abraço ao lado do caixão de São Francisco Solano foi um abraço de reconciliação. Dias depois, os agostinianos organizaram um banquete e convidaram os franciscanos, selando os frutos dessa reconciliação.
Essa história, que alguém contou para mim essa semana, me fez pensar no próprio São Francisco de Assis como um artesão de reconciliação, alguém chamado por Deus para “reconstruir” a sua Igreja. Essa reconstrução começa pelo coração humano, no qual Deus quis fundar a sua Igreja, e nas comunidades nas quais estamos inseridos, com os irmãos que compartilham a nossa vida, que têm um rosto e uma voz concreta, que trabalham conosco na missão evangelizadora, que celebram e cantam conosco o mistério da Redenção na Assembleia Eucarística.
Penso que é uma mensagem muito atual para cada um de nós, no contexto em que vivemos, de profunda divisão e conflito, a nível nacional, regional e mundial. É necessário, sim, que cada um de nós se envolva com o crescimento do Reino de Deus, mas é necessário que não esqueçamos o método ensinado por Cristo, da mansidão, da paciência, da humildade do pequeno grão de mostarda, que não cresce ao ritmo dos triunfalismos mundanos.
É necessário, sim, que nos envolvamos em política, que votemos com consciência, que façamos um discernimento sério, conhecendo as propostas dos candidatos e contrastando-as com a Doutrina Social da Igreja. É necessário também que, depois, avaliemos quanto do prometido foi realmente cumprido. Finalmente, é necessário que combatamos o câncer da corrupção, que está presente não apenas nas altas esferas, mas também no nosso cotidiano, nas pequenas opções que vamos tomando não visando o bem comum, mas o próprio interesse.
É realmente muito o que devemos fazer, em muitos âmbitos da nossa cultura. Mas, em tudo isso, a atitude tem que ser a da simplicidade, a da consciência da própria pequenez e, principalmente a do respeito às demais pessoas, por mais diferentes que possam ser as suas visões do mundo e das coisas.
Leia MaisTenho vontade de ir mais fundo na vidaÉ importante para nós, cristãos, conhecer a Doutrina Social da Igreja, interiorizar cada um dos seus princípios. É necessário que conheçamos a ordem objetiva de valores, acessível não só aos cristãos, mas também aos homens de boa vontade. Mas também é necessário que, ao defendê-los e promovê-los, sejamos com eles coerentes em nosso modo de agir. É importante o “quê”, mas também o “como”. O método assumido novamente é essencial e, me atreveria a dizer, está contido também como parte essencial do “que”.
Um dos filmes que mais gosto sobre a vida de São Francisco de Assis é “Irmão Sol, irmã lua”, do diretor Franco Zefirelli. Recentemente soube que também é um filme muito querido pelo Papa Francisco.
Uma das cenas que mais me impactou do filme foi o encontro de São Francisco com o Papa Inocêncio III. Com a sua pobreza, com a sua humildade, o pequeno frade de Assis comoveu o Romano Pontífice, que, iluminado pelo Espírito Santo, o alenta a seguir com sua missão, de construir a Igreja, de voltar aos valores centrais do Evangelho. Naquele momento, o que eram esses pobres frades diante da corte papal? Inocêncio III enxerga, no entanto, em São Francisco e seus irmãos, uma esperança para Igreja, uma pequena semente do Reino.
Que nós também construamos, desde o cotidiano, desde aquelas situações corriqueiras, pontes de reconciliação. Ou melhor, deixemos que Deus o faça, cooperemos com esse que é o seu desejo: que todos sejamos Um, como Um é Ele com seu Filho Amado e com o Espírito Santo.
Cada um de nós, desde seu lugar de serviço, desde a sua vocação particular, está também chamado a ser, como São Francisco de Assis, um construtor da Igreja, um artesão de reconciliação. Que possamos acolher esse dom em nosso coração e em nossas comunidades, para projetá-lo nas diversas esferas da vida social.
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