O crucifixo está presente no nosso dia a dia de muitas formas. O usamos como adorno, o colocamos em algum lugar da nossa casa, passamos por ele ao cruzarmos com uma capela no caminho do trabalho ou da escola. Mas essa realidade, que está tão presente para os olhos do corpo, muitas vezes passa desapercebida pelos olhos da alma.
Em outras palavras, mesmo sendo tão evidente que a cruz faça parte do nosso dia a dia, tentamos viver sem olhar direito para ela, afastando-a toda vez que chega perto demais e temendo que um dia não possamos contorna-la. E se olhamos para Jesus, vemos que sua atitude é outra muito diferente.
Eu tenho um crucifixo no meu quarto. E ao escrever esse texto o coloquei do lado do computador para poder olhar para ele enquanto escrevo. Para meditar e escrever. É muito interessante fazer esse exercício. O que primeiro vejo na cruz? Um homem morto. Uma das mortes mais cruéis que possam existir. E mesmo se não conhecesse nada da história desse homem morto, a figura ainda assim seria impactante. O que ele fez para chegar aí? Quem o colocou? Existe alguma coisa que justifique esse tipo de punição? Muitas perguntas surgem no interior enquanto se contempla a figura desse homem morto.
Mas sabemos quem é Jesus. É o próprio Deus que se faz homem para a nossa salvação. O mistério então se abre de tal forma que é impossível abraça-lo totalmente. Deus que se faz homem? Deus que morre? Deus que morre por mim? Tudo é muito misterioso. E se não podemos conhecer tudo desse mistério não é pela escuridão que o envolve. Porque o que o envolve é mais parecido com uma fonte infinita de luz. É como olhar para o Sol. O olho arde. É tanta luz que desviamos o olhar. Talvez por isso, no meu crucifixo eu coloco os ramos do Domingo de Ramos. Porque no meio de tanto mistério luminoso, a realeza de Deus parece sumir aos meus olhos. Os ramos me lembram que ele é Rei. Não um rei desse mundo, mas o Rei do Universo.
Leia MaisSão João Crisóstomo, o santo da "boca de ouro”E tudo isso está encerrado nesse símbolo da Cruz. Poderoso símbolo. Aliás, os vários símbolos da Igreja têm esse poder de, por meio de algo material, nos elevar até o mistério que não podemos delimitar. Tocamos o intocável. É realmente algo que nos eleva. E ao mesmo tempo que nos eleva, não nos tira do chão. Porque voltamos a ver o homem morto e o trágico desse acontecimento. Gostaríamos que não fosse assim. Que Deus não tivesse morto, que o pecado não nos afetasse, que viver não implicasse sofrer. E por isso preferimos fechar os olhos para a cruz, a dor e o sofrimento.
E esse é, talvez, o maior erro. Não se explica muito bem o porquê, mas o fato é que olhando para a cruz não vemos Jesus fugindo dela. Pelo contrário, o vemos literalmente pregado no madeiro. E sabemos que Ele foi parar aí por livre escolha. Ele que disse: “Ninguém a tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la” (Jo 10, 18). Que mistério tão grande. Enquanto nós lutamos com unhas e dentes para “ganhar a vida”, Jesus a entrega livremente. E nós que queremos segui-lo, por isso nos chamamos cristãos.
Talvez a cruz esteja aí para isso justamente. Para ser uma constante lembrança do ideal ao qual escolhemos nos lançar quando decidimos viver a vida cristã. O ideal do amor sem limites, da entrega da própria vida pelo outro. O ideal daquele que realmente acredita nas palavras de Jesus que disse: “Aquele que perde sua vida por mim, esse a encontrará”. Porque é muito claro que a cruz não é a palavra final da vida. Jesus ressuscitou e nós também queremos viver essa vida ressuscitada.
Mas essa vida ressuscitada só vem depois que formos crucificados com Ele. Se o grão de trigo não cai na terra e morre, não pode dar fruto.
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