PÁGINAS DE HISTÓRIA DA IGREJA
História Moderna – 09
Apesar de ter uma pequena população, com aproximadamente 4 milhões de habitantes, a Inglaterra tinha uma grande influência na Europa. Mantinha ainda a estrutura feudal, mas o governo era centralizado, constituído pela união dos reinos de Lancaster e York.
Eram estes os mais importantes órgãos de governo: Rei, Conselho Privado, Funcionários Provinciais, Administração da justiça e Parlamento (Lordes e Câmara dos Comuns).
A história da criação da Igreja Anglicana foi sempre muito mal contada, mas sabemos que o que realmente provocou o cisma foram razões políticas. Na origem do cisma e da criação de uma igreja reformada e da contenda entre a Inglaterra e Roma, no século XVI, está a “grande questão do rei”.
Os sucessores de Henrique VIII teriam que lidar com uma série de lutas religiosas internas. No governo de Eduardo VI (1547-1553), tentou-se implantar o calvinismo no país. Depois, com Maria Tudor (1553-1558), filha de Catarina de Aragão, ocorreu a reação católica. O casamento da rainha com o católico Felipe II, da Espanha, fez da reforma religiosa uma questão nacional. Em 1559, a rainha Elizabeth I renovou a soberania da coroa sobre a igreja e ratificou a liturgia anglicana, com a mistura de elementos do catolicismo e da doutrina calvinista reformada.
A reforma e a criação da igreja anglicana
Durante dois anos, o rei Henrique VIII lutou para que seu divórcio com Catarina de Aragão fosse decretado em Londres, enquanto ela brigou para que ele fosse negado em Roma. Em meados de 1529, o rei foi forçado a admitir a derrota.
Em julho, o papa proferiu a decisão em favor de Catarina, determinando que o caso fosse julgado em Roma. Para pressionar o papa, o monarca convocou o parlamento e ameaçou legislar contra o clero inglês e a autoridade do papa na Inglaterra.
Durante sete anos, seguindo o ritmo do acirramento da tensão entre Londres e Roma e das derrotas de Henrique VIII, o parlamento inglês foi pressionado e votou as leis que levaram ao cisma, em 1536, e à excomunhão de Henrique VIII, em 1538.
Essas leis transferiam para o rei os dividendos que o papado recebia em solo inglês, instituíam Henrique VIII como chefe supremo da Igreja da Inglaterra – que ele passava a ter o poder de reformar, combatendo a heresia – e encerrava qualquer ligação com Roma.
Outras medidas aumentaram o controle sobre a Igreja: a Proclamação Real de junho de 1534, que a obrigava a aceitar o rei como chefe espiritual, e a dissolução dos mosteiros (1536-1540), beneficiando o monarca com todos os bens e recursos eclesiásticos. Nenhuma das leis abordava questões teológicas.
Henrique VIII, sempre se declarara católico e chegara a se opor a Lutero (1521-1522). Mas, em 1536, foi preciso se aproximar dos huguenotes alemães, para conter Carlos V.
A corte era partidária da Reforma, mas a facção protestante deixou de controlá-la após a morte de Ana Bolena. Em 1539, o rei impôs a volta ao catolicismo.
Com a morte de Henrique VIII, em janeiro de 1547, Eduardo VI ascendeu ao trono. Muitos se questionaram sobre a natureza da religião então praticada na Inglaterra. Eduardo, como a irmã Elizabeth, foi educado na fé protestante, fato surpreendente, considerando-se o catolicismo declarado pelo pai de ambos.
Foi durante seu curto reinado (1547-1553), que a Inglaterra se tornou protestante.
Uma rainha católica
A guinada em direção ao protestantismo foi brutalmente interrompida pela morte de Eduardo VI, e pela ascensão ao trono da fervorosa católica Mary I, filha de Catarina de Aragão. Ela conclamou os súditos a aderir à fé católica, erradicar toda a legislação protestante de Eduardo VI e restaurar as ligações com Roma. No final de 1554, ela abriu mão do título de chefe suprema da Igreja da Inglaterra e impôs ao Parlamento a votação de uma lei restabelecendo a autoridade papal no reino.
Mas, em 17 de novembro de 1558, Mary I morreu sem deixar descendentes e sem que o catolicismo tivesse reconquistado os ingleses. Assim, coube a sua meia-irmã Elizabeth, filha de Ana Bolena, substituí-la. Pela terceira vez em menos de dez anos, o reino mudou de religião.
A Reforma Anglicana se consolida
Todos acreditavam que Elizabeth fosse protestante, mas ninguém sabia qual seria o grau de protestantismo que ela reintroduziria na Inglaterra. As duas grandes leis votadas pelo Parlamento, entre abril e maio de 1559 provaram isso.
O Ato de Supremacia restaurava a legislação de Henrique VIII (1533-1536), que levara ao rompimento com o papado, e também a promulgada por Eduardo VI em 1547. Em contrapartida, esse Ato Supremo fazia de Elizabeth a governante suprema da Igreja inglesa, e não seu chefe supremo. Era preciso arrebanhar os católicos moderados sem afastar os protestantes menos radicais.
Entre 1563 e 1571, os chamados Trinta Artigos fixaram os pontos da doutrina, estabelecendo que a Bíblia continha tudo o que é necessário para a salvação; que a ideia de purgatório e a veneração de imagens, relíquias e santos era contrária ao ensinamento de Cristo; e que somente dois sacramentos eram atestados pelo Evangelho.
Elizabeth era protestante, mas não uma militante da fé. Estava mais preocupada com a unidade do reino do que com a reforma religiosa. A partir de 1571, ela se declarou contrária a toda e qualquer mudança, no âmbito religioso, forjando assim o que seria chamado de anglicanismo.
Além de pela origem política e teológica, a emergência do anglicanismo se distingue do protestantismo no resto da Europa por outros fatos. A reforma inglesa foi imposta pela monarquia, mas com aceitação do Parlamento.
A reforma foi importada do exterior, por ondas sucessivas de exilados protestantes ingleses. E, apesar de todas as reviravoltas, a guinada para o protestantismo não se fez sob um banho de sangue.
As execuções por motivo de não conformidade religiosa foram relativamente poucas: cerca de 570, das quais 239 católicas, entre 1509 e 1603. O caso da repressão das revoltas populares foi diferente, pois esses levantes foram considerados como sedições e, por isso, reprimidos com extrema violência. Mas de modo geral, depois de esmagada a insurreição, a monarquia concedia o perdão aos revoltosos.
A Igreja da Inglaterra deixou de ser católica romana para ser católica reformada. Contribuiu decisivamente para que a reforma de Henrique sobrevivesse o Arcebispo de Cantuária, Thomas Cranmer, mentor teológico da reforma e elaborador do Livro de Oração Comum, que contém a Liturgia básica utilizada na Igreja Anglicana e que no reinado de Elizabeth se torna o líder máximo dos anglicanos.
O anglicanismo hoje
Ainda hoje, a igreja anglicana continua como a corrente religiosa predominante no Reino Unido, tendo uma posição de destaque dentro da constituição do país. Com a expansão marítima do país, a denominação se espalhou pelo mundo todo, havendo seguidores da igreja anglicana em boa parte dos antigos territórios que faziam parte do império britânico. O cristianismo de denominação católica segue como segunda religião mais importante.
Parece que aos poucos, debaixo de um necessário sigilo, longe dos olhos e ouvidos da imprensa que pode colocar tudo a perder, vai acontecendo um processo de reaproximação entre Roma e a igreja anglicana.
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