HISTÓRIA DA IGREJA 18
A lenda do Santo Graal
Durante a Alta Idade Média a vida de piedade era marcante em todos os cristãos. Por esta razão, eles começaram a cultuar homens e mulheres que haviam realizado grandes sacrifícios em nome de Cristo, conquistando a salvação eterna.
Os mártires sempre foram os mais cultuados desde as primeiras comunidades cristãs. Suas ações passaram a ser vistas como um código de conduta a ser seguido pela comunidade dos fiéis que quisessem alcançar também a santidade. Desta forma se desenvolveu o culto aos santos e mártires.
Porém, não bastava venerar de maneira abstrata estes heróis da fé. Parte de seus corpos ou objetos usados por eles em vida se tornaram importantes objetos de veneração. Um pouco mais de tempo e esse culto se volta para o próprio Jesus Cristo. Desta forma, as relíquias de Cristo passam a mobilizar o maior número de cristãos.
Qualquer objeto ou parte do corpo do Senhor passa a ser disputado entre as igrejas medievais. Durante a Idade Média, quando foram construídas as basílicas e catedrais, a capacidade de atrair fiéis e peregrinos se associa à quantidade e qualidade de relíquias expostas para veneração.
Os peregrinos e cruzados que viajavam à Terra Santa trazem objetos com os quais supostamente Jesus teve contato direto, alguns deles de procedência e autenticidade duvidosa passam a ser disputados. Parte do berço onde o Menino Jesus foi colocado se tornou propriedade da igreja de Santa Maria Maior, em Roma.
O feno que teria sido usado para cobrir o berço, por sua vez, foi reivindicado pelos fiéis da região da Lorena, na França. Enquanto isso, as ânforas utilizadas nas bodas de Caná espalharam-se pelas igrejas europeias. No total, 13 exemplares eram apresentados como autênticos, ainda que a Bíblia só fale de seis. Esses são apenas alguns exemplos das relíquias das quais algumas ainda hoje são expostas para a veneração dos fiéis.
Ao lado dessa multiplicação de relíquias surgem também algumas lendas, das quais a mais famosa é a do Santo Graal. Essas lendas vão sendo cantadas e contadas, passando de geração em geração, até chegar aos nossos dias.
O cálice onde Jesus bebeu
A Santa Ceia realizada na noite de Quinta-feira Santa foi a última reunião de Cristo com os seus apóstolos no cenáculo. Sua liturgia marcou a história do cristianismo, sendo celebrada todos os dias como memória do sacrífico redentor de Jesus, seguindo a ordem que ele nos deixou.
A narrativa dos evangelhos destaca o momento em que Cristo repassou o cálice com vinho para seus apóstolos, destacando a sua presença no pão e no vinho ali consumido. Morto no dia seguinte, o cálice que ele abençoou desperta a curiosidade por mais de dois milênios.
Conhecido como Santo Graal, ao seu redor vão surgindo várias lendas que nem sempre fizeram referência ao cálice utilizado por Jesus. Nos primeiros séculos da era cristã, alguns relatos faziam referência à tigela usada para depositar os pães usados na refeição. Outras lendas sugerem que o Santo Graal fosse uma vasilha onde um seguidor de Cristo teria recolhido parte de seu sangue durante a crucificação.
Ao longo dos tempos, outras histórias vão permeando o imaginário das pessoas até que, por volta do século XII, o escritor francês Chrétien de Troyes designou de “graal” o utensílio de mesa utilizado por Cristo. O relato do escritor francês passa a ser visto quase como “oficial” porque as referências usadas nos Evangelhos são bastante sucintas, não existindo nenhuma descrição especial dos cálices, talheres e vasilhas utilizados na Última Ceia.
Levando em consideração a vida simples de Cristo e seus seguidores e sendo o cenáculo um espaço “emprestado” os utensílios utilizados na reunião deviam ser de madeira ou cerâmica. A simplicidade dessas peças não despertaria o interesse das pessoas, mesmo dos seguidores de Cristo.
A falta de detalhes dos textos evangélicos originais, deu margem a variadas interpretações sobre a trajetória de Cristo e nos chamados textos apócrifos que não são canônicos há uma riqueza bem maior de detalhes diferente da contida nos evangelhos originais. Entre essas narrativas se destaca o Evangelho de Nicodemos que registra inclusive a narrativa do recolhimento do sangue de Cristo e a perfuração de seu tórax pela “Lança de Longino”.
Surge a Lenda do Santo Graal
A obra do escritor Chrétien fez com que a Lenda do Santo Graal ganhasse notoriedade e a partir dai vão surgindo outras descrições. Um poema inacabado chamado Percival, descreve uma liturgia sagrada observada pelo cavaleiro que dá nome à obra. Sua história foi sendo continuada e reinventada por outros escritores que valorizam ainda mais o “graal” que ganha um caráter miraculoso ao ser procurado para curar o Rei Artur.
As histórias sobre o “Santo Graal” e outras relíquias católicas perderam espaço com a Reforma Protestante dos séculos XV e XVI. Influenciados por seus líderes os reformistas protestantes repudiavam o caráter sagrado das relíquias católicas e, por tabela, o valor quase mágico dado ao Santo Graal.
Nos séculos XVIII e XIX as histórias envolvendo o Graal chamam novamente atenção sendo ligada agora à toda questão envolvendo a Ordem dos Templários. Essa ordem militar e religiosa, criada no século XII, tinha como principal tarefa proteger os cristãos peregrinos que se dirigiam à Terra Santa, sobretudo, a Jerusalém.
Um estudo feito na época afirmava que o cavaleiro Percival fazia parte da Ordem dos Templários. Outros estudos foram aprofundando essa questão, chegando a afirmar a existência de pelo menos dois “graais” fabricados isso sim, durante a Alta Idade Média.
Para além das pesquisas históricas, todas infrutíferas, surgiram até pequenas denominações religiosas que prestavam reverência ao Santo Graal. Os membros da “Ordem da Aurora Dourada” professam que as lendas sobre o “graal” escondem uma série de mensagens secretas que revelariam importantes bases da fé cristã.
Mais recentemente, filmes como o de Steven Spielberg e livros como “O código Da Vinci”, transformado em filme e “O Santo Graal e a Linhagem Sagrada” alimentam outras mirabolantes teorias sobre essa mesma relíquia.
O mais correto de se afirmar é que todas essas narrativas não passam realmente de lendas, até porque conhecedores que somos da estrutura e organização do grupo dos apóstolos e discípulos, não haveria entre eles ninguém com a iniciativa de guardar algum objeto utilizado por Jesus na Última Ceia, estando todos abalados com o episódio ligado à traição de Judas Iscariotes e aos fatos que ainda se sucederiam na noite de quinta e na Sexta-Feira da Paixão.
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