História da Igreja

A noite de São Bartolomeu

Em 1572, um incidente sangrento lançou os católicos contra os calvinistas da França, chamados huguenotes

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

23 JUL 2024 - 09H01 (Atualizada em 23 JUL 2024 - 09H52)

Em fins do século XV e inícios do século XVI aconteceu na Europa um movimento de reforma da Igreja que se espalhou por quase todos os países. Este movimento, encabeçado pelo frade Martinho Lutero e por outros reformistas, não começou da noite para o dia, pois já vinha se desdobrando há várias décadas. A hierarquia da Igreja, porém, não percebeu a sua urgência e necessidade.

O grande problema é que o movimento reformista que brotou no interior da Igreja foi sendo apropriado pelos reis e príncipes desta época, desejosos de se livrarem da tutela e da influência da Igreja, assumindo também as grandes rendas que a Igreja recebia. Assumindo esta característica política, o movimento foi sendo conduzido de tal forma que levou à violência e à guerra em várias partes do continente europeu.

Leia MaisQuais as diferenças entre o catolicismo e o calvinismo?Não há uma linha divisória clara entre as questões religiosas e políticas no período, e, muitas vezes, as contestações ao poder imperial ou dinástico assumiam também um caráter de contestação ao poder de Roma.

Dois episódios trágicos marcam este período de luta e de divisão religiosa e política. 

A máxima que passa a vigorar era “cuiús regio, eius religio”, ou seja, um determinado rei, ao assumir uma religião, obrigava todo o povo do seu reino a segui-lo. Desta forma, entre 1618 e 1648, aconteceria a Guerra dos Trinta Anos, que, em várias fases, envolveria a maioria das potências da época. Antes, porém, aconteceria ainda a tristemente célebre “Noite ou Massacre de São Bartolomeu”.

Chamado especificamente de Massacre da Noite de São Bartolomeu, este episódio ocorreu nos dias 23 e 24 de agosto de 1572, na cidade de Paris, recebendo este nome porque no dia 24 de agosto se celebra exatamente o apóstolo São Bartolomeu.

O incidente sangrento lançou os católicos contra os huguenotes, nome dado ao grupo de protestantes calvinistas da França. O massacre causou centenas de mortes e muitos cadáveres eram lançados nos rios. Por esse motivo, a população deixou de se alimentar dos produtos vindos das águas.

Reprodução/ Wikipedia
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Um atentado e uma carnificina

A partir de Martinho Lutero e a fixação das chamadas “95 teses” na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, o movimento foi ganhando várias ramificações, com novos iniciadores da reforma, como é o caso de João Calvino e do rei Henrique VIII, da Inglaterra.

Os protestantes franceses, diferentemente de outros países, não tinham o apoio da monarquia, que permaneceu fiel ao Papa. Ao longo dos tempos, a monarquia da França sempre se postou como defensora do pontificado. Por isso mesmo, os huguenotes eram discriminados e colocados à margem da sociedade.

Leia MaisAs consequências da Reforma ProtestanteIgreja na Idade Moderna: Fatores que impulsionaram a Reforma Protestante A ação contra os protestantes foi preparada pela Casa Real Francesa, tendo sido iniciada no mês de agosto e estendendo-se até outubro, começando pela capital, Paris, e atingindo outras cidades da França. Calcula-se que, neste período, tenha ocorrido o extermínio de cerca de 100 mil protestantes.

No ano de 1572, depois do casamento de Marguerite de Valois, irmã do rei francês Carlos IX, com Henrique de Navarra, líder dos protestantes huguenotes, foi selado um acordo entre os católicos e protestantes. 

Conhecido como Tratado de Saint Germain, ele foi selado para acalmar a rivalidade entre eles e, ao mesmo tempo, fortalecer o reino que passava por grandes dificuldades.

A rivalidade ganhou ares de calmaria, mas, na realidade, os conflitos ainda continuaram e o estopim aconteceu no dia 22 de agosto, quando um católico que obedecia às ordens de Catarina de Médici, mãe do rei francês, tentou matar, sem sucesso, o chefe dos huguenotes em Paris. O fato gerou ódio entre os protestantes e, na madrugada do dia 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, o ataque começou e muitos huguenotes foram surpreendidos e assassinados, a mando da família real.

Reprodução/ Wikipedia
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Causas da trágica movimentação

O povo, contudo, de maioria católica, estava descontente com a aliança do católico rei da França com os huguenotes.

Ao lado disso, Catarina de Médici detinha grande poder em suas mãos, porque o soberano, Carlos IX, era ainda muito jovem para assumir a autoridade máxima de sua nação. Ambiciosa e cruel, a mãe do futuro rei francês convenceu o filho a mandar eliminar o almirante e seus companheiros, a pretexto de deter um possível ataque dos protestantes.

A Casa Real perdeu, porém, o controle da situação, com o massacre se estendendo a quase todos os cantos do reino.

O evento que hoje tristemente é conhecido como Noite de São Bartolomeu, se prolongou por vários meses. A morte dos líderes dos calvinistas seria apenas uma das investidas dos católicos contra os huguenotes, culminando depois num episódio de maiores proporções.

Este episódio sangrento da história da França e da Igreja foi imortalizado na produção cinematográfica francesa A Rainha Margot, de 1993. O filme é baseado no livro de Alexandre Dumas, La Reine Margot, lançado em 1845.

As medidas católicas visando recuperar a força perdida. A ação catequizante, notadamente após estes episódios trágicos, a ação dos jesuítas e outras medidas reformadoras tomadas pela Igreja, fizeram com que Roma recuperasse parte dos seus fiéis, levando a uma posição de confronto com os luteranos e, principalmente, com os calvinistas, não contemplados por qualquer liberdade dentro do Império.

Da expansão da Reforma Protestante surgiriam novas igrejas também cristãs, mas que não deviam mais reverência ao papado.

Numa época em que cresce o número de conflitos em todo o mundo por causa da intolerância e do fanatismo religioso, este episódio tem muito a nos ensinar!

Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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