História da Igreja

A vivência da quaresma no período medieval

Pe Jose Inacio de Medeiros

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

22 MAR 2025 - 07H00

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Desde os primórdios da Igreja, a Quaresma foi considerada um período de grande austeridade e de preparação para a Páscoa, festa maior da cristandade. Os 40 dias que antecediam a Páscoa recordavam o período em que Jesus passou no deserto, jejuando e se preparando para a sua vida pública.

Por isso, eram recomendadas a prática do jejum, da oração e da esmola, com as pessoas e igrejas acrescentando outros atos, que foram sendo somados para bem marcar esse tempo litúrgico na Igreja, como por exemplo, a cobertura (velatio) das imagens e símbolos religiosos nos templos e lugares de culto.

A celebração da Quaresma ganhou um colorido próprio, seja no Oriente como no Ocidente, especialmente depois do século IV, quando a Igreja ganhou liberdade de propagação, com ares de oficialização.

Sua celebração preparava a celebração da Semana Santa, especialmente do Tríduo Pascal, com a recordação da paixão, morte e, sobretudo, da ressurreição do Senhor, mas, ao longo da história, a austeridade própria da Quaresma foi variando.

Alguns dos pais da Igreja, como São Leão Magno e São Jerônimo, por exemplo, já no século V, como forma de motivação dos cristãos, afirmavam que o jejum de 40 dias teria sido estabelecido pelos apóstolos.

Austeridade e recolhimento

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Existem estudos indicando que a prática do jejum antes da Páscoa foi se desenvolvendo gradativamente e que sua duração e intensidade variava, dependendo da Igreja local. Em sua História Eclesiástica, o escritor Eusébio de Cesaréia cita uma carta do século II, enviada por Santo Irineu ao Papa Vitor, questionando sobre qual o momento em que deveria ser celebrada a Páscoa (ou não) e como deveria ser a prática do jejum preliminar.

Antes do Concílio de Niceia (325), não existem, porém, escritos comprovados que falem explicitamente do jejum quaresmal obrigatório, e também não são encontradas menções à quaresma e ao seu modo de celebrar. Talvez o fato de a Igreja enfrentar duras perseguições em várias partes do Império Romano tenha dificultado a prática de um exercício comum uniformizado.

A palavra Quaresma — que deriva do termo grego ‘tessarakoste’, com o significado de “quadragésimo”, já sendo encontrada ao longo do século IV — foi desenvolvida em analogia ao termo ‘pentekoste’, do grego, que significa “50 dias”, de onde deriva a palavra Pentecostes.

Portanto, o termo “quaresma” se referia ao período de 40 dias, seguindo o exemplo de Moisés, de Elias e o do próprio Cristo, que passaram por uma espécie de provação no deserto se preparando para a missão. Outra referência ao termo pode ser das 40 horas que Jesus passou no sepulcro.

Sofrimento do corpo para preparação do espírito

Na Idade Média, período que contava com a ampla influência da Igreja sobre a vida quotidiana das pessoas e comunidades, com práticas religiosas bastante marcantes, o tempo da Quaresma não durava 40, e sim, 46 dias, incluindo 40 dias semanais e mais seis domingos.

Tanto a Quarta-feira de Cinzas como a Sexta-feira da Paixão, segundo algumas fontes históricas, eram dias do chamado “Jejum Negro”, não sendo permitida a ingestão de nenhum tipo de comida, exceto para os mais velhos e enfermos. Durante os 40 dias, o jejum e abstinência eram mais brandos, não sendo permitido comer qualquer tipo de carne, ovos e também a maioria dos produtos lácteos não eram permitidos.

A prática quaresmal do jejum era seguida de muitos atos religiosos e litúrgicos comuns ou comportamentais, como a prática do silêncio regular ou absoluto, que se multiplicaram neste período, ganhando maior ou menor relevância, dependendo do lugar e das formas como eram celebrados.

Na maioria dos feudos, reinos ou territórios europeus da Idade Média, a população, no geral, passava a Quaresma comendo pão, verduras, tomando cerveja e vinho (que não eram proibidos, já que eram considerados mais saudáveis que a água). Alguns faziam abstinência de carne até as três horas da tarde.Leia MaisA história da arquitetura romanaComo se celebrava e se vivia a Quaresma nos primórdios da IgrejaHistória de Roma: de capital do maior império a sede da Igreja

Posteriormente, foram sendo introduzidos alguns atenuantes no jejum quaresmal, sendo possível comer pequenas porções de alimento e líquido, para que as pessoas não ficassem tão fracas a ponto de desmaiarem ou ficarem numa condição de prostração e pudessem desempenhar o trabalho braçal, por exemplo.

Com o passar dos tempos durante a quaresma foram sendo introduzidas outras práticas penitenciais como a flagelação, a autocrucificação e outras formas de sofrimento corporais para se imitar os sofrimentos de Cristo e ao mesmo tempo fazer “sofrer o corpo, para libertar o espírito”, e em algumas circunstâncias a Igreja precisou intervir para evitar exageros e abusos.

Tudo, porém, era tudo muito mais difícil do que só se abster de chocolate ou refrigerante, como nos dias de hoje. Mas na verdade, se quiser mexer com as pessoas, basta pedir uma Quaresma com abstinência de celulares e redes sociais!

Escrito por:
Pe Jose Inacio de Medeiros
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista que atua no Instituto Histórico Redentorista, em Roma. Graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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