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História da Igreja

Pode uma guerra ser santa?

“Sim, hoje a minha esperança é que o apelo por uma trégua desencadeada pela linguagem popular olímpica comum, compreensível para todos, em todas as latitudes, possa ser aceito.” Papa Francisco

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

15 JUL 2024 - 13H56 (Atualizada em 17 JUL 2024 - 08H42)

Ao longo da história, guerras e batalhas tiveram como justificativa uma motivação religiosa. Aos poucos foi se desenvolvendo o conceito de Guerra Santa. Alguns personagens considerados santos(as) pela Igreja se destacaram como combatentes. Um dos exemplos mais contundentes é Santa Joana d’Arc, considerada “a heroína de França”.

O conceito de Guerra Santa não é exclusivo da Igreja Católica, fazendo parte do ideário de outras religiões. O islamismo ainda hoje chega a propor a “jihad”, como luta e empenho de cada pessoa e de cada nação pelo seu aperfeiçoamento, inclusive com a luta armada contra os inimigos da religião, se preciso for.

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Alguns elementos existentes na Igreja Católica justificavam a Guerra Santa com uma fundamentação teológica e ideológica usada pelos que a defendiam.

Santo Agostinho de Hipona considerava lícita a guerra contra o agressor injusto e também a intervenção armada contra os inimigos da Igreja.

Na liturgia da Igreja, no século VII, existia uma cerimônia de benção dos soldados e de suas armas quando partiram para o campo de batalha, e se celebrava uma missa pelo rei em tempos de guerra.

Com o tempo surgiriam os santos protetores da guerra e também a cerimônia de consagração dos cavaleiros, porque o ideal de cavalaria, tão presente na Idade Média, previa este espírito religioso com a defesa dos órfãos, viúvas e promoção dos valores da fé e da religião católica. Cada cavaleiro era um soldado de Deus, a serviço da Igreja.

Nos séculos posteriores a teologia passa a justificar a guerra contra os infiéis, hereges, cismáticos e pagãos, ganhando um ideal de cruzada, ou seja, se a guerra é santa, todo cristão devia se bater contra os inimigos da Igreja doando sua própria vida.

A pessoa, rei ou nação que se colocasse contra os princípios da fé cristã ou que ameaçasse a unidade da Igreja, automaticamente passava a ser considerado infiel, devendo ser colocado fora da Igreja e da sociedade que era, oficialmente, uma sociedade cristã. Neste tempo, a definição da Igreja como “militante” explicitava o significado literal do termo, pois a Igreja de verdade é aquela que luta!

As cruzadas como guerra santa contra os infiéis

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No ano de 1095, o Papa convocou a primeira cruzada com a finalidade de libertar a Terra Santa das mãos dos infiéis e, ao todo, seriam realizadas sete cruzadas oficiais e outras tantas sem esta conotação.

As cruzadas se tornam uma Guerra Santa, pregada e dirigida pelo papa através de seus enviados, tendo um caráter supranacional, visando defender a fé e a unidade da Igreja.

O papa diretamente ou através de seus legados concedia indulgências especiais e benefícios aos que participassem. O seu estandarte era levado pelo seu representante mesmo nos combates.

A cruzada era universal, a guerra Santa não, sendo mais restrita. Muitas guerras santas receberam o apoio do papa, mas não foram convocadas por ele. A cruzada se aliava também ao espírito missionário de dilatar o Reino de Deus, com características temporais.

A ideia da cruzada também foi de encontro à piedade e religiosidade da Idade Média, pois morrer por Cristo e pela Igreja era a suprema honra e garantia de salvação eterna.

As cruzadas não conseguiram cumprir o seu objetivo inicial, mas o conceito se difundiu, influenciando nas descobertas e colonização dos continentes periféricos do mundo.

Uma guerra santa com motivações politicas

As Guerras Santas da Idade Média tinham como objetivo a defesa do cristianismo, motivadas também por outros fatores que foram sendo acrescentados como o desejo de conquistar novas terras, conquistar fama e honrarias, buscar riquezas e expandir o poder político e religioso.

Depois das cruzadas ao Oriente aconteceu a cruzada contra os cátaros ou albigenses e a Reconquista da Península Ibérica aos mouros ganha esta característica. A Reconquista foi uma guerra de longa duração entre cristãos e muçulmanos, que culminou com a sua expulsão e a formação dos reinos cristãos de Portugal e Espanha.

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As guerras santas na Idade Média, além de serem extremamente sangrentas, resultando em milhares de mortes e destruição de cidades e vilas, foram responsáveis pela geração de preconceitos e conflitos entre religiões que ainda hoje persistem.

Uma guerra pode ser considerada santa?

“Histórias humanas de redenção e fraternidade das manifestações esportivas podem ser um canal diplomático original e um antídoto para pôr fim à violência e à guerra” Papa Francisco

Muitos usam argumentos filosóficos e teológicos para justificar afirmando que uma guerra é santa se a causa for justa como a defesa da família, da pátria ou recuperação de algo roubado.

Entre os séculos IX ao XI as guerras santas se multiplicam na Europa e alguns papas como Leão IV e João VIII, prometem a vida eterna a quem delas participarem.

Nos séculos X e XI se estabeleceu a chamada “Paz de Deus”, trégua entre os beligerantes, pensando na defesa das crianças, mulheres e idosos e também dos que eram injustamente condenados. Por ela, coisas, lugares ou pessoas se tornam permanentemente imunes.

A Trégua de Deus se limitava aos tempos de guerra ou era usada para coibir a violência em certos tempos, o que sem dúvida foi um avanço significativo.

E não podemos nos esquecer que a guerra santa tem um caráter simbólico usado por líderes políticos populistas, como vimos há poucos anos no Brasil, propondo uma cruzada contra os chamados “inimigos da pátria, da família e da propriedade”.

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No pensamento da Igreja, a guerra é sempre um erro, devendo ser evitada a todo custo, pois como afirmou o Papa Francisco, “numa guerra não há vencidos ou vencedores. Todos perdem!”

Nestes últimos dias o Papa tem se batido na defesa da chamada “Trégua olímpica”, ou seja, a cessação dos conflitos em vista das Olimpíadas/2024 que acontecerão a partir de julho na cidade de Paris. Mas como uma guerra sempre envolve muitos interesses, as pessoas e países dificilmente de dispõem a ouvir os apelos do sumo-pontífice.

Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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