No caixão, o corpo do bispo descansava sem adornos ou flores. Vestia túnica roxa e sobre o peito estava sua mitra, insígnia de seu serviço e autoridade. Nas mãos, um tercinho branco, simples, destes que costumávamos comprar em Aparecida (SP), como lembrança de uma visita à Casa da Mãe.
Leia MaisFalece dom Angélico Sândalo Bernardino, emérito da diocese de Blumenau (SC)Era 16 de abril de 2025, uma quarta-feira triste de despedida a Dom Angélico Sândalo Bernadino, 92 anos, bispo emérito de Blumenau, que falecera no dia anterior. Seu corpo foi velado na Paróquia Nossa Senhora Aparecida da Villa Zatt, na capital paulista, conforme seu pedido.
Uma missa de corpo presente foi celebrada pelo Cardeal dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, em uma igreja lotada, com gente de todo jeito e canto: autoridades eclesiásticas e políticas, gente simples e trabalhadora, jovens e idosos que se manifestavam em aplausos, testemunhos, lágrimas discretas, memórias divertidas.
Seu sepultamento aconteceu dia 17, na Catedral São Paulo Apóstolo, da diocese de Blumenau, onde foi bispo de 24 de junho de 2000 até 18 de fevereiro de 2009. O primeiro bispo daquela diocese.

Dias depois, na segunda-feira de Páscoa, recebemos a notícia da morte do papa Francisco, aos 88 anos, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) seguido de insuficiência cardíaca. A princípio, seu corpo foi velado na capela da residência Santa Marta, onde vivia sem grandes formalidades e fugindo de bajulações.
De lá, em procissão, seu corpo foi levado por entre corredores de fiéis até a Basílica de São Pedro, onde foi velado.
Leia MaisBispos de todo o mundo agradecem pelo serviço do Santo Padre à IgrejaCaixão de Francisco é fechado após demonstrações de oração e saudadeA simplicidade que foi vista na despedida de dom Angélico é vista também nos ritos de adeus a Francisco. O corpo do pontífice foi exposto aos fiéis em um caixão com uma estrutura de madeira com zinco. Os caixões de cipreste, chumbo e carvalho foram eliminados, de acordo com as modificações feitas pelo próprio papa em 2024, alterando o protocolo litúrgico Ordo Exsequiarum Romani Pontificis, ou 'Rito do Sepultamento dos Romanos Pontífices'.
O caixão de Francisco é ladeado pelos soldados de uniforme colorido da Guarda Suíça. Seu corpo veste túnica vermelha, calçados pretos, e a mitra sobre sua cabeça. Suas mãos, cruzadas, carregam um terço de contas pretas. Na mão direita, está seu anel de bispo, dos tempos de arcebispo de Buenos Aires.
Este texto carrega linhas enlutadas e se une a milhões de fiéis pelo mundo. É o que se vê pelas telas e jornais: imensas filas de gente que manifesta carinho e respeito, lamento e gratidão. Católicos e não-católicos, ateus, líderes mundiais registram a importância, o papel de Francisco — ao longo de seus 12 anos de papado — na busca pela paz, em defesa dos mais pobres e atingidos pelas mazelas do mundo.

A opção pela simplicidade em suas despedidas, no entanto, não são as únicas semelhanças possíveis de destaque e reflexão. Filhos do mesmo tempo, continente e Igreja, ambos se assemelham pela atuação pastoral nas periferias “geográficas e existenciais”, e pudera, ambos beberam do Concílio Ecumênico Vaticano II, que afirma, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, que o maior problema naquele tempo [e ainda hoje] — é a dissociação entre Fé e Vida (n. 43).
As Conferências do CELAM em Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida também apontam para um envolvimento maior dos cristãos nas questões sociais, políticas e econômicas por causa de sua fé, mas ainda assim persiste em grande parte do clero e dos cristãos leigos uma certa rejeição a esta questão.
Angélico e Bergoglio, de certo modo, também foram rejeitados por parte da Igreja e dos seus ao assumirem em seu pastoreio o modo de atuar conectando fé e vida. Ambos estiveram em Aparecida em 2007, participando da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Dom Angélico foi delegado eleito para essa conferência, e Bergoglio teve papel destacado na redação do documento final.
Fico imaginando se, entre uma conversa e outra, por entre o Santuário, uma oração e agradecimento à Mãe Aparecida, não teriam os torcedores do Corinthians e San Lorenzo, ter dado boas risadas com a alegria e o bom humor que ambos sustentavam. Testemunhar isso seria bonito.
Fato é que há registros sem fim sobre a presença de ambos nas periferias de São Paulo e Buenos Aires. À Agência France Press, padre Guillermo Torres disse que, como arcebispo, o papa Francisco visitava a favela “pelo menos cinco ou seis vezes por ano e, todo dia 8 de dezembro, presidia a multidão que se reunia na porta da paróquia para a festa da Virgem”. “Ele sempre disse que era uma igreja pobre para os pobres.”
Lançada em janeiro, a biografia Vida, a minha história através da História: A inspiradora autobiografia de Papa Francisco revela que Bergoglio tinha o costume de frequentar hospitais, presídios e favelas, o que lhe valeu o apelido de padre villero favelado (tradução livre). O termo é tomado como um elogio por Francisco. “Quando alguém me acusa de ser um papa ‘villero’, apenas rogo para que seja sempre digno disso”, escreveu.
“Como arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio fez uma verdadeira inversão de prioridades, levando sacerdotes para viverem nas comunidades mais pobres. De fato, o cardeal Bergoglio era um homem de proximidade com os pobres, com catadores de lixo, e muitos cristãos que tinham uma forte inserção na questão dos direitos humanos. Para Francisco, não há cristianismo sem que ele se envolva verdadeiramente com as questões sociais. É uma consequência direta da fé cristã”, contou à Agência Pública o doutor em ciências da religião Gabriel Marquim, que defendeu uma tese sobre o pensamento de Francisco na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Aldo Duzdevich, autor do livro Salvados por Francisco: Cómo un joven sacerdote se arriesgó para ayudar a perseguidos por la ditadura, revelou em sua obra que “Bergoglio salvou muito mais gente do que se pensava”, após ter recolhido 25 testemunhos de pessoas que foram resgatadas pelo papa Francisco, durante a ditadura militar na Argentina (1976–1983).
Duzdevich teve acesso a cartas, testemunhos e ações desconhecidas que Jorge Bergoglio realizou enquanto era provincial da Companhia de Jesus para esconder jovens de diferentes ideologias ameaçados ou para facilitar a sua saída do país.
No Brasil, durante a ditadura civil-militar (1964–1985), dom Angélico foi acompanhando de perto pelos órgãos estatais de informação. Um conjunto de documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI), localizados por esta reportagem, e sob a custódia do Arquivo Nacional, revelam um sistemático acompanhamento e registro das atividades de dom Angélico por sua atuação na formação lideranças das comunidades de São Paulo e junto aos trabalhadores.
Ensinando-os sobre seus direitos como cidadãos e batizados, foi intimado a prestar esclarecimentos sobre suas atividades e tornou-se alvo dos militares por denunciar as torturas e prisões arbitrárias, sendo visto como um bispo subversivo que precisava ser “controlado”.
“Foi apoio crucial para apoiar a Madre Maurina, torturada pela ditadura. Acompanhou com coragem a luta para punir os assassinos do operário cristão Santo Dias da Silva e do jovem geólogo da USP Alexandre Vannuchi Leme, morto pelos torturadores do DOICODI em São Paulo. Foi redator do corajoso jornal O São Paulo no enfrentamento da ditadura e da censura”, escreveu o teólogo Fernando Altemeyer Junior, professor da PUC-SP.
As trajetórias de ambos, suas publicações, semelhanças e especificidades, posturas e modos de defender a vida em dignidade, a natureza e toda criatura, merecem ser lidas e compartilhadas, a fim de que feito sementes, seus exemplos de humanismo, floresçam em nossos caminhos.
Ambos eram devotos de Nossa Senhora Aparecida, e rezamos para que ela os acolha no céu!
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