Igreja

O distanciamento da Igreja Católica em relação à maçonaria

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

22 NOV 2023 - 10H37 (Atualizada em 22 NOV 2023 - 15H38)

Wikipedia

Na segunda metade do século XIX aconteceu uma grave crise envolvendo a Igreja e o Império Brasileiro. O desdobramento em vários episódios trouxe sérias consequências, sendo uma delas o distanciamento ainda maior da Igreja Católica e maçonaria, que passa a ser objeto de mais críticas e condenações.

Leia MaisA12 esclarece sobre a proibição da maçonaria para os católicos A maçonaria, que já era uma instituição proibida para os católicos, passa a ser condenada com mais veemência e aos católicos continua sendo proibido sua adesão à maçonaria, pois se tal acontecesse, seria réu de graves penalidades.

A Questão Religiosa

Em 1872, a maçonaria organizou uma grande festa para o primeiro ministro Visconde do Rio Branco, na cidade do Rio de Janeiro. Ele era grão-mestre da ordem maçônica. Na ocasião, o padre Almeida Martins fez um discurso ao homenageado que foi reproduzido nos principais jornais da época.

Dom Pedro Maria Lacerda, último bispo do Rio de Janeiro do período imperial (1808-1890), condenou veementemente a atitude do padre e o obrigou a deixar a maçonaria. O padre se recusou, sendo então suspenso “A Divinis”, vedando a ele o exercício do ministério, o uso ordens sagradas ou que usufruísse de qualquer privilégio oriundo de seu estado clerical.

As lojas maçônicas e a imprensa liberal de todo o Brasil começaram uma campanha de difamação contra o episcopado, sendo que ela se tornou mais intensa em Pernambuco e no Pará.

Dom Vital de Oliveira era bispo de Olinda e Dom Macedo Costa era bispo do Pará. Antes mesmo do início desta crise já haviam começado um processo de reforma em suas dioceses, purificando as irmandades e confrarias, expurgando delas os que se declarassem maçons. Os bispos queriam ainda purificar o clero de seus membros de tendência liberal.

Aconteceu que várias confrarias e irmandades não obedeceram aos bispos, motivados então a tomar várias medidas saneadoras lançando sobre elas o “interdito”, proibindo suas reuniões e vedando o recrutamento de novos membros.

As confrarias recorreram ao poder civil a fim de suspender o interdito. Os dois bispos ganham 15 dias para suspender a determinação porque suas bulas não haviam recebido o Placet ou autorização imperial.

Mas os bispos se recusaram a voltar atrás, abaixando a cabeça ao poder civil, sendo presos, conduzidos ao Rio de Janeiro onde foram julgados e condenados a 4 anos de prisão, com trabalhos forçados. Mais tarde, o imperador mudou sua pena em prisão simples até que em 1875, foram anistiados, podendo voltar às suas dioceses.

Mas a cizânia já tinha sido lançada. A Igreja aos poucos foi retirando apoio que dava ao império que cairia em novembro de 1889, com a proclamação da república.

Para entender a questão

O pontificado do Papa Pio IX foi marcado pelo chamado ultramontanismo e pela luta contra o regalismo que justifica a interferência do poder civil na vida interna e na administração da Igreja. Em 1864, o mesmo papa havia condenado as sociedades secretas, entre elas a maçonaria.

Quando a Questão Religiosa começou o Brasil havia saído a pouco da Guerra do Paraguai, com o governo sentindo-se fortalecido, querendo mostrar o seu poder, porque neste tempo já cresciam as manifestações contrárias à monarquia que propunham a instauração da República.

Alguns problemas internos da Igreja ajudaram a complicar a situação. Entre eles são citados a desatualização dos estudos nos seminários, ainda baseados na Escolástica, no moralismo e no sobrenaturalismo, pela não aceitação das explicações das ciências aos fenômenos naturais.

O clero continuava padecendo de uma má formado e muitos de seus membros eram intolerantes ao pensamento contrário. Vários setores da Igreja eram fechados às mudanças, ficando na esfera da defesa e da passividade. O tradicionalismo da religião tinha como marcas mais fortes o ritualismo e o devocionalismo bastante superficial.

Flickr - Spencer Means
Flickr -  Spencer Means


A maçonaria mostra sua força

A Questão Religiosa representa a mais forte tentativa das autoridades civis dominarem a Igreja, com sua reação ao regalismo e aos excessos do poder civil. A maçonaria é de característica liberal-racionalista e sua ação baseia-se nos princípios do positivismo, contando com o apoio da burguesia radicada mais nas cidades e com forte presença entre a classe política e nos profissionais liberais.

A Igreja, por sua vez, era mais conservadora, tradicionalista, fundando sua ação na escolástica, sendo apoiada pela sociedade rural, tendo no campo sua base principal.

Depois da condenação de Dom Vital e de Dom Macedo Costa, vendo todos os desdobramentos, o imperador Pedro II enviou uma missão diplomática à Roma, conduzida pelo Barão de Penedo. Mas a crise estava armada, trazendo consequências que ainda hoje são sentidas.

Aos poucos a Igreja vai se distanciando e esfriando em seu apoio à monarquia. Os bispos condenados passam a ser vistos como mártires, estando hoje em processo de beatificação, provocando o renascimento do fervor religioso e adesão mais profunda à fé e à Igreja.

A Igreja se renova, se torna mais unida e dinâmica, buscando uma maior liberdade de ação, ao perceber que pode viver sem o apoio econômico do estado e por este tempo começa uma crítica mais intensa à Lei do Padroado e ao regalismo do estado. Mais tarde alguns segmentos da Igreja afirmarão que viviam numa “gaiola dourada".

Avaliando a questão com o distanciamento necessário percebe-se que na ocasião faltou unidade do episcopado, pois os dois bispos condenados lutaram praticamente sozinhosPor outro lado, o governo civil agiu com excesso, porque as confrarias eram organizações de Igreja, devendo recorrer antes de tudo ao metropolitano e não ao governo civil.

A ação e a influência da imprensa liberal contribuíram de forma errônea na compreensão dos fatos e na formação da opinião pública. Além do mais, falou mais alto o poder econômico e político da maçonaria.

E, por fim, é visível que este episódio ajudou a criar mais desconfiança e até mesmo preconceitos contra a maçonaria que, como organização, é muito antiga, tendo sido criada com outras finalidades que não a intransigência religiosa e o combate à Igreja, como veremos no próximo artigo.

.:: Rádio Aparecida esclarece a diferença entre seita e religião


Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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