Igreja

O papel da Igreja diante do caos climático e social

Karla Maria (arquivo pessoal)

Escrito por Karla Maria

07 MAR 2025 - 07H00

Piyaset shutterstock

Qual seria o papel da Igreja, ou melhor, daqueles que a compõem? Dom Vicente Ferreira, o bispo referencial da Comissão de Ecologia Integral e Mineração responde.

Nossas comunidades cristãs têm a séria missão de incluir essas realidades em seus processos de evangelização. Creio que toda catequese deve colocar o tema da ecologia integral como prioridade. O que está em jogo é uma nova mentalidade para a qual nossa fé cristã tem grandes contribuições. Somos criaturas privilegiadas porque ocupamos um lugar especial de cuidado. Mas também podemos nos sucumbir ao egoísmo destruidor”.

Dom Vicente sugere que toda paróquia reveja seus caminhos de evangelização a partir da ecologia integral, “propondo uma correta relação do ser humano com a criação. Na liturgia, nas pastorais sociais e ecológicas, nos materiais de formação, nas temáticas para as festas dos padroeiros, é possível criar consciência e construir ações concretas. A Igreja deve também interferir nas decisões políticas municipais, estaduais, nacionais e internacionais. É urgente romper equívocos como a separação entre oração e ação política, entre fé e vida, entre matéria e alma. Em sua encarnação, Jesus revelou a sacralidade de todas as coisas”.

Arquivo Pessoal
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Para seu colega dom José Reginaldo Andrietta, bispo de Jales e integrante da Comissão Episcopal para Ação Sociotransformadora, é necessário que cristãos vivam de maneira mais simples e solidária, mais atentos à preservação da criação e à promoção da justiça. “Nesse sentido, a quaresma torna-se um tempo de intensificar nossas práticas de oração, jejum e caridade, para que nossa conversão alcance o coração de nossas relações, de nossa forma de viver e de nos relacionarmos com o mundo”.

Em entrevista à jornalista Osnilda Lima da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a antropóloga e teóloga Moema Miranda, assessora da CNBB e uma das responsáveis pelo texto-base da Campanha da Fraternidade de 2025, reforça que ao propor esse tempo de conversão para a ecologia integral, a Igreja propicia que as pequenas iniciativas locais se somem a uma grande onda de transformação.

Arquivo Pessoal
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Atualmente, enfrentamos um desastre imenso, e nossas iniciativas, como diz o Papa Francisco, estão aquém do necessário. Mas é nesse 'multilateralismo de baixo'”, como o Papa chama, nessas múltiplas iniciativas que sozinhas parecem insignificantes, mas que juntas formam um mutirão, que a Campanha da Fraternidade pode contribuir.

Falando em prática, tanto a Campanha quanto dom Vicente apresentam alternativas possíveis a serem aplicadas no dia a dia, nas escolhas. “Não se pode ficar só no papel, no discurso. É bom que o pensamento seja orgânico, ou seja, pensar a partir da realidade. Por exemplo, a questão da reciclagem pode ser implementada num bairro, num município através das ações de uma paróquia. Para isso, o cristão católico tem que entender que a natureza é um santuário de todos. Se o rio está poluído, se o agrotóxico está adoecendo as pessoas, se há desmatamento, enfim, a presença do cristão deve interferir, claro”.

A quaresma também é tempo de dizer não à mentira, de não a propagar e, ao contrário, de combatê-la. É o que orienta o texto-base da Campanha da Fraternidade, em seu objetivo 6. “Apesar de a sociedade contar com dados científicos e os alertas proféticos das religiões, há grupos que promovem ideologicamente o negacionismo das mudanças climáticas (cf. LD, 5- 10). Dizem que elas não existem e por isso não devemos nos preocupar com elas. Isso gera confusão e dúvida entre as pessoas, dificultando a conversão ecológica, e a consequente prática de ações concretas para lidar com desafios climáticos”.

Mas como negar aquilo que faz o povo sofrer? As chuvas cada vez mais revelam a precariedade das cidades. “Guria, foi a coisa mais triste. Perdi tudo na minha casa. Ela está lá ainda para ser recuperada. O que passamos aqui no Rio Grande do Sul foi devastador”, disse a aposentada dona Lourdes Conceição, que teve sua casa em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre invadida pelas águas, entre abril e maio de 2024.

As imagens de famílias e animais sobre o teto das casas, sendo resgatados por botes e helicópteros, abrigados em escolas e ginásios nos deram a dimensão do impacto das águas. No site do governo do estado do Rio Grande do Sul, uma lista choca: a de número de mortos (183) e de desaparecidos (27), nos 478 municípios. O estado todo conta com 497 cidades.

As chuvas atingem de modo especial os mais pobres. Há seca demasiada, o calor está insuportável, e os que vivem nas periferias e que não tem saneamento? E os que vivem às margens dos rios, lagos e igarapés e ficam à mercê do movimento das águas? Portanto, sem dúvida, os malefícios dos maus tratos da natureza trazem consequências para todo mundo, mas mais drásticas e com mais sofrimento para os mais pobres”, disse dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, bispo da Prelazia do Marajó e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Cláudia Pereira
Cláudia Pereira


De modo corajoso, o texto-base da CF denuncia o extrativismo predatório, o derramamento de sangue e a criminalização dos defensores da Amazônia, que dão e deram suas vidas na defesa dos territórios dos povos originários e tradicionais, destacando as vidas e legados de irmã Dorothy Stang, Chico Mendes, padre Ezequiel Ramin, padre Josimo, Margarida Alves e irmã Cleusa Coelho.

Em memória e em campanha, eis o tempo de preservação, de conversão integral.

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Karla Maria (arquivo pessoal)
Karla Maria

Jornalista e escritora, autora de quatro livros que tratam sobre fé e direitos humanos, cada um a seu modo. É mestranda em História na Unesp. Foi finalista do Prêmio Vladimir Herzog 2024, é TEDx Speaker, mãe do pequeno João, antirracista e devota de Nossa Senhora Aparecida. (@karlamariabra)

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