Na segunda metade do século XIX, a Itália, ainda não Unificada tornou-se cenário da revolução de unificação dos estados Italianos. Foi durante o pontificado de Pio IX, diante deste contexto, que evidenciou-se as transformações do papel e a representatividade da figura papal.
Em 29 de abril de 1848, Pio IX fez um discurso a fim de esclarecer a natureza da política papal para o país. Foi uma ducha de água fria no entusiasmo superaquecido que cercara seus primeiros dois anos de pontificado. Na qualidade de “pai” de todos os fieis, declarou, que não poderia participar de uma guerra contra uma nação católica: não mandaria tropas contra a Áustria, que ocupavam reinos italianos. Condenou a idéia de uma Itália federal governada pelo Papado, instando os italianos a permanecerem fieis a seus príncipes.
Eamon Duffy, em sua Obra “Santos e Pecadores: a História dos Papas”, apresenta um choque entre a figura política e a figura espiritual do papado. De fato, durante este contexto, o Papa Pio IX se reafirma, apoiando-se na figura espiritual e na condição de porta voz dos interesses da Igreja, na posição de uma Itália fragmentada em que o domínio da Igreja se mantinha, o que demonstra o retorno à política papal de Gregório XVI (1831-1846).
Este discurso do Papa Pio IX faz com que o homem mais amado da Itália de um dia para o outro, se tornasse o mais odiado, o que vai comprometer a postura política do Papado, comprometimento este que é materializado com sua fuga de Roma, em 24 de novembro de 1848, à cidade Napolitana de Gaeta, paralela a uma grande revolução anticlerical liderada por Garibaldi e Mazzini.
Restava ao Papa a partir de então, preservar seu poder sobre os estados pontifícios, faixa de terra doada à Igreja por Pepino Breve, durante o Sacro Império Romano Germânico, pois se tratava de um desejo religioso de Pio IX salvar o prestígio político da Igreja. O Papa via seu poder diluir-se, quando na década de 1860, apesar das tentativas de defender o patrimônio de São Pedro, mantendo se serenamente obstinado, associando estas perdas ao sofrimento de Cristo Crucificado, estava disposto a tudo e não desistiria, porém, suas tentativas foram inúteis e vãs.
Toda essa luta pelo poder temporal dos Estados Pontifícios reflete ao Papa em toda a Europa um grande prestígio religioso, mas há aqueles que gostariam que a Igreja não considerasse de fato tão importante e vital este poder temporal, no sentido de que ela não dependesse de influências políticas para delimitar seus destinos e sua atuação apostólica e pastoral, bem como sua autonomia na eleição de um papa ou do episcopado.
Nestes conflitos ideológicos entre o poder temporal e o poder pastoral do Papado, surge o Ultramontanismo, movimento que devotava ao Papa uma profunda reverência, era marcado pelo crescimento da Devoção a Nossa Senhora. O processo de disseminação da reforma ultramontana se deu de forma decisiva, durante o papado de Pio IX. Dessa forma as orientações Tridentinas ganham vigor e espaço dentro de uma esfera de disputas diversas, tanto no plano pastoral como no plano temporal, disputas essas que irão marcar a Igreja do Século XIX:
Operação de cunho francamente bélico-espiritual e hierarquicamente verticalizada, onde o concurso do povo não se fez notar senão como elemento coadjuvante a quem cumpria obedecer, o ultramontanismo representou, em essência, a reação de uma Igreja que não mais encontrava em meados do século XIX uma saída para a torrente de acontecimentos políticos, sociais e econômicos que questionavam sua hegemonia desde a Revolução Francesa. (CÂMARA NETO, 2000, p.100)
O prestígio temporal do Papa como Chefe de Estado se enfraqueceu e há a necessidade de se manter o prestígio da figura do Papa como Pastor do Rebanho de Cristo, espaço profícuo para os “tentáculos” da reforma ultramontana, espaço esse muito restrito no Concilio Tridentino.
Assim sendo, associado às mudanças na liturgia, o Papa Pio IX proclama na Bula Papal Ineffabilis Deus, em 1854, o Dogma da Imaculada Conceição, antigo desejo de Gregório XVI, que se associa a Devoção Mariana popular à autoridade pontifícia. Outro Dogma que define uma postura papal junto aos fiéis, em 1856, é o Dogma do Sagrado Coração de Jesus, foco de uma devoção popular que unia em sua essência, a figura divina de Cristo à natureza humana. Pio IX insere esta devoção no calendário litúrgico oficial da Igreja Universal, na sexta-feira da semana seguinte à festa de Corpus Christi, alastrando tal devoção a todo o catolicismo mundial, tornou-se o Papa,em níveis mundiais, um ícone popular.
Pio IX promulgou a encíclica Quanta cura (1864) e seu famoso apêndice, o “Sílabo de Erros”. Suas oitenta proposições condenaram explicitamente, entre outras coisas, o protestantismo, a maçonaria, a liberdade de consciência, a liberdade de culto, a separação entre a Igreja e o Estado, a educação leiga e, em geral, o progresso e a civilização moderna.
Sua última grande realização foi o Concílio Vaticano I (1870), o qual, através do decreto Pastor aeternus, proclamou o controvertido dogma da infalibilidade papal, isto é, no exercício oficial do seu cargo:
A prova mais extraordinária, porém, quanto à independência da Igreja em tudo, excepto quanto à graça de seu divino Fundador e de seu divino Guia, foi o Concílio Geral do Vaticano (convocado para o dia 8 de dezembro de 1869). Nele se reuniu o episcopado de todo o mundo, em número jamais visto até então. Após definir de modo singularmente confortador a fé tradicional do catolicismo no valor da razão e de seus direitos no campo da religião, o Concílio passou a definir novamente a primazia universal do pontífice romano na Igreja de Cristo, declarando também que, no exercício de cargo como mestre supremo de toda a Igreja, ele goza da infalibilidade que foi prometida por Nosso Senhor à própria Igreja.
Não por coincidência, isso ocorreu no mesmo ano em que a Itália anexou os Estados Pontifícios, decorrente do processo de Unificação da Itália.
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