Igreja

Questões de bioética no campo da reprodução humana

Padre Luiz Gonzaga Scudeler, C.Ss.R.

Escrito por Padre Luiz Gonzaga Scudeler, C.Ss.R.

05 JUL 2021 - 13H48 (Atualizada em 05 JUL 2021 - 14H19)

O desejo de saber o que a Igreja aconselha sobre alguma proposta comportamental revela o anseio de ter uma orientação do Magistério eclesiástico. A opinião do Magistério é sempre de ordem ética e não técnica, embora essa também esteja sujeita à ética, por ser ação humana.

Os avanços no conhecimento sobre a reprodução dos seres vivos, em geral, e dos seres humanos, em particular, são extraordinários e devemos ser reconhecidos a Deus por nos ter facultado tais conhecimentos. Por outro lado, devemos louvar a Deus pela capacidade técnica que a humanidade alcançou para resolver algumas dificuldades no campo da transmissão da vida.

As três seguintes questões - O que a Igreja aconselha sobre gravidez assistida? O que a Igreja aconselha sobre inseminação artificial? O que a Igreja aconselha sobre doação de óvulos? - revelam para nós haver entre os casais situações em que a impossibilidade de gerar uma nova vida, o que, além de ter origem em múltiplas dificuldades, revela poder haver também dificuldades pessoais, como frustração pela impossibilidade constatada. Por outro lado, há o desejo de ter informações e orientações para discernir sobre a eventual possiblidade de se recorrer à engenhosidade humana para solucioná-las.

As nossas considerações não visam explicitar as técnicas nem as avaliar do ponto de vista científico, pois não é a nossa área. Queremos iluminar, à luz das razões éticas, a oportunidade e a conveniência de se recorrer a tais recursos técnico-científicos para resolver casos específicos de infertilidade e de impossibilidade de um casal gerar uma nova vida.

Vejamos isso por partes.

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O que a Igreja aconselha sobre gravidez assistida?

Segundo o Magistério da Igreja, todo casal cristão deve estar aberto para acolher o dom de poder transmitir vida a outro ser humano. A abertura a essa capacidade passa pela responsabilidade do casal, pois deve ser uma decisão consciente e livre o colocarem-se os atos dos quais possam resultar uma gravidez.

Por outro lado, por ser a gravidez um fenômeno que está intimamente ligado às condições de uma dupla natureza sadia, é desejável que o casal possa recorrer a exames médicos (ginecológicos e urológicos) para saber das condições genéticas do óvulo e do espermatozoide, bem como da compatibilidade sanguínea, para evitar, o quanto for possível, uma gravidez de um ser que, de antemão, talvez possa ser concebido com graves deficiências.

Esse recurso tem que ser visto como um grande dom que recebemos do Criador e, por isso, é desejável que um bom sistema de saúde possa disponibilizar a todo casal o acesso a tais recursos. Do mesmo modo, uma vez confirmada a fecundação, dá-se o processo de um longo período de nove meses em que a mulher deve ser igualmente acompanhada por médica ou médico ginecologista, para ser orientada nas diversas fases do que chamamos de gestação.

Leia MaisComo a Igreja permite planejar o número de filhos?Embora a gravidez não seja uma doença, ela necessita de um bom acompanhamento para que a saúde, seja do feto, seja da mãe, possa ser preservada e acompanhada para que se chegue ao feliz momento de se dar à luz ao novo ser. Deve se ter presente que a responsabilidade humana na transmissão de um novo ser não é apenas do casal, mas da sociedade que se organiza justamente para que os seus membros possam ter condições dignas de uma vida tranquila e serena. Ter cidadãos sadios e capazes de contribuir para o bem comum de todos é a razão de ser da vivência em sociedade.

Infelizmente, sabemos que não é isso que acontece em nosso meio. Contudo, como cristãos, devemos estar comprometidos para que essa meta seja atingida e todos os casais possam ter a devida assistência quando se dispõem a dar vida a um novo ser.

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O que a Igreja aconselha sobre inseminação artificial?

A inseminação artificial diz respeito à capacidade do ser humano em interferir no dom que os seres, de modo geral, e o ser humano, de modo particular, possui de se reproduzirem. Isso é, são capazes de transmitir vida para um outro ser.

Como processo natural, a transmissão de vida decorre da natureza própria de cada ser e, nesse sentido, é um dom da Criação. É igualmente dom da Criação a capacidade humana de não só conhecer o processo de transmissão de vida, como o de interferir, seja para corrigi-lo, seja melhorá-lo.

A inseminação artificial como procedimento que visa interferir no processo humano de transmitir vida a um outro ser humano, é um procedimento cuja ação se situa dentro da responsabilidade, tanto de quem domina a técnica como do casal que recorre a tal procedimento técnico para solucionar uma determinada impossibilidade de gerar um filho pelo método natural de transmissão da vida entre os seres humanos.

Para o Magistério da Igreja, a possiblidade de um casal recorrer à inseminação artificial para poder ter filho é sempre algo que deve ser assumido pelo casal quando a impossibilidade é constatada pelo médico. Portanto, se for um bem para o casal e cuja decisão de recorrer a essa técnica for bem ajuizada, parece ser um bem a ser legitimamente buscado.

A dificuldade se prende ao recurso da técnica a ser utilizada. Além de todo o aparato tecnológico utilizado e os recursos monetários que isso envolve, uma distinção é fundamental de ser feita: O material a ser manipulado é do próprio casal ou de doadores. No primeiro caso, se diz: fecundação homóloga e, no segundo, heteróloga.

Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que a fecundação homóloga é a que melhor se ajusta ao dom natural de transmissão de vida entre os seres humanos, pois melhor expressa o caráter unitivo que deve estar presente em toda fecundação humana.

Contudo, um casal cristão deve ponderar se os valores (materiais e espirituais) a serem empregados são realmente justificados, pois, ao mesmo tempo, em uma sociedade onde são realizadas tantas ações para evitar a gravidez, ou mesmo para eliminar alguma indesejada, isso nos faz pensar sobre as contradições do nosso agir humano.



O que a Igreja aconselha sobre doação de óvulos?

Cada vez mais, o ser humano vai adquirindo conhecimento mais aprofundado da fecundação e desenvolvendo técnicas que ajudam aqueles que desejam ter filhos e estão impossibilitados de realizar de forma normal tal desejo, por razões diversas.

Sem entrar no mérito das razões pessoais, a técnica que permite conservar óvulos (e também sêmen) não só se tem mostrado possível como efetivamente é posta em prática. Há clinicas que recolhem todo esse material e disponibilizam aos interessados e em condições de pagar o alto preço para dar vazão aos seus desejos.

Não há dúvida que, do ponto de vista ético, a capacidade humana de doar sangue, órgãos após a morte e, mesmo em vida, de algum órgão não vital pode ser visto como gesto de generosidade humana e cristã. Contudo, há reserva ética que se interpõe à doação de óvulos (e sêmen) para terceiros, a fim de que satisfazer a necessidade de alguém ter uma criança a quem chamar de filho.

A técnica de fecundação artificial trabalha não com um óvulo fecundado, mas com vários, para viabilizar o processo de uma ou várias gestações. Tais clínicas de fecundação artificial necessitam de óvulos para garantir que algum deles, fecundado, possa ser implantado no seio que, possível e viavelmente, o gestará. É de se supor, portanto, que se trata sempre de uma fecundação heteróloga, pela qual uma possível gravidez perde o caráter unitivo do casal, o que é desejável para todo o processo de transmissão de vida humana.

Leia MaisEstou grávida. E agora?Os óvulos e sêmen carregam propriedades genéticas próprias de cada ser que os produziu. Por isso, o processo é rigorosamente sigiloso e gratuito, para que não haja possibilidade de identificação dos doadores, mãe e pai biológicos da criança a ser nascida dentro desse contexto técnico, não natural.

Do ponto de vista da ética cristã, a geração de um filho é sempre um dom e, como tal, deve ser valorizado. A impossibilidade eventual de um casal não poder ter filhos deve ser vista também sob o mesmo prisma. Isto é, a capacidade reprodutiva é que essa capacidade não é um absoluto. Há de se aceitar as contingências do próprio ser, tanto quanto a capacidade reprodutiva quanto a sua real impossibilidade.

Uma vida humana, iluminada pela fé trinitária, há de se dizer: “O Senhor me deu, o Senhor me tirou! Louvado seja Deus em sua soberana gratuidade”! (Cf. Jó 1,21). Tal pensamento não é conformismo, mas reconhecimento de que tudo é GRAÇA.

Escrito por
Padre Luiz Gonzaga Scudeler, C.Ss.R.
Padre Luiz Gonzaga Scudeler, C.Ss.R.

Missionário redentorista, doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana – Pontifícia Universidade Lateranse de Roma e professor na Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG).

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