Notícias

Bento XVI: 45 anos de episcopado e uma vida toda de lições para os cristãos

O Papa emérito construiu uma história com lições de fé e amor à Igreja

Escrito por Lais Silva

07 JUN 2022 - 15H47 (Atualizada em 08 JUN 2022 - 15H28)

Shutterstock

Neste ano, Joseph Ratzinger, conhecido também como Bento XVI, completou 45 anos de episcopado. O Papa emérito, construiu uma história com lições de fé e amor à Igreja.

No dia 28 de maio de 1977, o então padre Joseph Ratzinger, de 50 anos, foi ordenado bispo na Catedral de Munique (Alemanha). Ele foi o primeiro sacerdote diocesano, depois de oitenta anos, que assumiu o governo pastoral da arquidiocese bávara. Seu lema episcopal foi “Colaborador da Verdade”.

E colaborar é um verbo que define a vida de Bento XVI na Igreja. O A12 entrevistou o Dr. Rudy Albino de Assunção, professor dos cursos de Filosofia e de Teologia, e que há quase duas décadas se dedica ao pensamento de Bento XVI, para entendermos melhor as lições que o Papa emérito já deixou para os cristãos.

Reprodução
Reprodução


O que podemos destacar da história do Joseph Aloisius Ratzinger como bispo?

A primeira coisa que precisamos recordar é que J. Ratzinger era, fundamentalmente, um sacerdote dedicado à teologia. Mas como a Providência não cansa de nos surpreender, Ratzinger viu-se na “obrigação” de aceitar o ministério pastoral de Arcebispo de München e Freising – diocese na qual estava incardinado – depois de quase duas décadas dedicadas à atividade teológica, por meio do ensino nas universidades de Bonn, Münster, Tübingen e Regensburg. Aqui, a comparação com Santo Agostinho, seu grande mestre, acaba por se impor.

Ambos foram “arrancados” do mundo da especulação teológica para a atividade pastoral direta e, ainda assim, não deixaram de produzir uma teologia profunda – talvez mais rica por conta do novo contexto. Ratzinger comparou a si mesmo a um animal de carga, de tração, um iumentum, como fez o próprio bispo de Hipona ao comentar o Salmo 73 (72), 22-23: dado que no brasão dos bispos de München e Freising está sempre o urso de São Corbiniano, primeiro bispo da diocese da qual se converteria em pastor (e o qual teria devorado o cavalo do bispo que se dirigia a Roma e que fora obrigado pelo Santo a ser transformar na sua nova cavalgadura), ele aplicou a si mesmo, à sua história, a imagem deste animal que é um instrumento nas mãos do seu patrão.

Daniele Souza
Daniele Souza

"O urso carregado, que para São Corbiniano substituiu o cavalo, ou melhor, que se tornou o seu burro de carga – contra a sua vontade –, não foi ele, e não é ele uma imagem daquilo que eu tenho que ser, e daquilo que eu sou?" (RATZINGER, Joseph. Lembranças da minha vida. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 139).

Creio, então, que a primeira lição de Ratzinger é aquela de buscar em tudo, em primeiro lugar, realizar a vontade de Deus, às vezes contra os nossos próprios projetos e ambições. Prova disso é sua saída da diocese depois de 5 anos apenas de ministério episcopal: João Paulo II o chamava – pela segunda vez – ao serviço em Roma, na Congregação para a Doutrina da fé, de onde não viriam só notícias boas, como ele antecipava profeticamente na época de sua despedida de sua amada Baviera.

A segunda lição é o amor à verdade. Como elemento de continuidade entre as funções de teólogo e de bispo no seu itinerário de vida, Ratzinger escolheu o seu lema episcopal a partir da terceira carta de João, versículo 8: Cooperatores veritatisColaboradores da verdade.

Num mundo em que a verdade é esquecida e negligenciada, Ratzinger recorda a capacidade do homem de chegar ao seu conhecimento e, ao mesmo tempo, a convicção de que a verdade plena está em Jesus Cristo, tal como o anuncia a Igreja.

Mas se olhamos para o seu ministério pastoral propriamente dito – que vai de maio de 1977 a fevereiro de 1982 – muitas outras coisas se impõem: Ratzinger defendeu vivamente a conservação e o crescimento da energia cristã que formou a (sua) Baviera – e a Europa como um todo – como a forma de conter as crises morais que assolam o Ocidente.

Consequentemente, colocou no centro de sua pregação a consolidação da fé e a reafirmação da identidade cristã contra um paganismo intraeclesial muito difundido, tocando em temas incontornáveis – mas então negligenciados – como a Eucaristia, os demais sacramentos, as vocações... O essencial, para dizer o mínimo.



Algo que se pode destacar é que, com sua preparação teológica, o arcebispo Ratzinger, ainda que marcado por evidente timidez, nunca deixou de ser uma presença corajosa nos meios de comunicação da época, sem medo de se colocar em polêmicas quando a “fé dos simples” estava em jogo (veja-se, por exemplo, o caso de perda da missio canonica do seu ex-colega Hans Küng, por sua negação da infalibilidade papal).

Por fim, algo que não pode ser deixado de lado depois do recente relatório de München sobre a gestão dos abusos de crianças e adolescentes naquele território, durante os diversos governos episcopais desde o cardeal Faulhaber, é o papel do próprio arcebispo Ratzinger na luta contra estes crimes-pecados.

Ainda que diversos meios de comunicação e certos setores e grupos eclesiais de hoje estejam muito interessados em manchar a imagem de Bento XVI, o que emerge de uma investigação séria é que o Arcebispo Ratzinger nunca encobriu abusos, mesmo que muitos dos seus assessores não tenham tomado as melhores decisões no tratamento destes casos. Muitas informações não chegaram sequer ao seu conhecimento.

É importante lembrar que só no fim do pontificado de João Paulo II e no início do pontificado de Bento XVI é que os abusos se tornaram um escândalo de grandes proporções, uma verdadeira crise pública que criou uma sensibilidade nova e um alerta permanente para estes comportamentos abomináveis, que já não eram mais tidos como casos episódicos, mas em certa medida, um mal “sistêmico”.

Assim, o próprio Bento XVI empreendeu uma luta frontal contra este mal, sobretudo enrijecendo a legislação canônica neste campo e encontrado pessoalmente as vítimas de abusos, em busca de purificação.

.::Bento XVI: O Papa teólogo   

Na sua opinião o que Bento XVI nos ensinou como Papa? O que de mais valioso podemos absorver para nossa vida como cristãos?
Shutterstock
Shutterstock

Creio que o que foi dito acima pode ser aplicado ao magistério de Bento XVI, pois ele levou para o seu pontificado as suas preocupações enquanto professor, arcebispo e cardeal.

Contudo, eu salientaria alguns pontos que emergem do seu pontificado, nos quais estão as suas prioridades: a centralidade de Deus na Igreja, mas também no espaço público, pois a exclusão de Deus e da Igreja destas zonas elimina as bases da sociabilidade, da política e põe o mundo em estado permanente de relativismo, deixando o mundo ao arbítrio dos detentores de poder ideológico e econômico.

Com isso, a importância do diálogo entre fé e razão: Bento XVI reforçava que o mundo não é fruto do acaso e da necessidade, mas da vontade de amor de uma Razão Criadora, de um Logos criador. Assim, por um lado ele pedia um alargamento da razão, que não pode ser reduzida à razão instrumental, positivista e, por outro, a centralidade da fé que deve ser anunciada em sua integridade e em toda a sua inteligibilidade (daqui nasce a teologia). 

Veja-se, por exemplo, o Ano da Fé (2012-2013), que buscava ao mesmo tempo retornar à letra do Concílio Vaticano II, à sua verdadeira hermenêutica – uma de suas prioridades máximas – e aos textos que expressam a fé comum da Igreja, como o Catecismo da Igreja católica.

Por derivação, podemos falar da preocupação de Bento XVI com a unidade eclesial, como se percebe no seu diálogo com os lefebvrianos e no seu cuidado com a vida litúrgica da Igreja, na qual a unidade eclesial encontra expressão e forma.

E por último – last but not least – o reforço que os pilares da Igreja são a Eucaristia e a Palavra de Deus. A Igreja é mais do que uma instituição, é um organismo vivo, a comunhão dos mesmo em torno do Pão da vida e da Palavra.

.::Bento XVI: O Papa pianista

O que a renúncia de Bento XVI pode nos ensinar? Como a coragem e o discernimento que ele deixou de ensinamento para a Igreja?

Para ser sintético: a mensagem central da renúncia é de que o que conta na Igreja não é o poder, o cargo, mas o serviço. E, acima de tudo, que a Igreja não é nossa, mas do Senhor. Ele governa a sua Igreja. Ele é o único insubstituível, se posso me expressar assim.

Quem é humilde, desapegado e não vê a Igreja apenas como um organismo político, mas como “Povo de Deus em virtude do Corpo de Cristo” na comunhão do Espírito Santo, sabe dizer: “Não consigo mais. Não tenho mais forças físicas”. Para mim, a renúncia de Bento XVI é a mais clara profissão de fé na providência divina.

Shutterstock
Shutterstock


add_box Leia mais:

.:: Bento XVI: A renúncia por amor à Igreja


Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Carregando ...

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por Lais Silva, em Notícias

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.

Carregando ...