Foi adiado para o ano que vem o projeto de lei que autoriza o funcionamento de cassinos, bingos e jogos online no Brasil (PL 442/1991). De acordo com o relator, senador Irajá Silvestre (PSD-TO), os vários tipos de jogos atualmente considerados ilegais teriam movimentado algo entre R$ 14,3 bilhões e R$ 31,5 bilhões em 2023. A estimativa considerou como base dados do ano de 2014 com a atualização da inflação.
De um lado, havia certa urgência para a votação da matéria (que não chegou a ser votada). De outro, havia pedidos de informações a ministérios e requerimentos para que o projeto de lei fosse encaminhado para três comissões. Com a retirada de pauta, Pacheco informou que o projeto aguardará as respostas do Ministério da Saúde e do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, que devem ser entregues em até 30 dias.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) expressou repúdio pela condução do tema no Congresso Nacional. Aprovado na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022, o projeto de Lei está em tramitação no Senado Federal desde então. Os Bispos do Brasil há mais de 40 anos alertam sobre os riscos e malefícios da prática dos jogos.
“Os jogos de azar, especialmente em uma sociedade desigual e em grande escala, como se configura a proposição parlamentar, podem contribuir ainda mais para o aumento da criminalidade associada, com destaque para as fraudes, a manipulação de resultados, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Ao lado desses aspectos, há razões éticas e morais para não permitir o avanço deste Projeto de Lei, sem contar os muitos impactos nas famílias e os desequilíbrios socioeconômicos que eles geram”, diz um trecho da nota da presidência da entidade.
Dados divulgados pela CNBB mostram como os jogos de azar e as apostas on-line já afetam a sociedade brasileira. Segundo o Departamento de Psiquiatria da USP, cerca de 2 milhões de brasileiros são viciados em jogos de azar. Em 2023, o Banco Central registrou que R$ 54 bilhões foram gastos em apostas on-line. Além disso, uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 86% dos apostadores têm dívidas.
O vício em jogos de azar pode se transformar em uma doença chamada jogo compulsivo, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Um exemplo é o caso de Janete Gonçalves Mendes, que perdeu tudo devido ao vício, mas conseguiu reconstruir sua vida com a ajuda da Fazenda da Esperança.
“O jogo vicia muito mais rápido do que qualquer droga química. Eu me viciei em cassino clandestino, é um vício silencioso que te leva exatamente tudo. Eu perdi tudo, saí sem nada, com dívidas enormes, mais de R$300 mil, sem ter esse dinheiro” Janete Gonçalves Mendes.
Diante disso, a Pastoral da Sobriedade oferece o Programa de Vida Nova: “Nós da Pastoral da Sobriedade estendemos as nossas mãos, abrimos os nossos braços para acolher aqueles que querem uma vida nova, uma transformação em sua vida”.
Edson Ribeiro, que atua como agente da Pastoral da Sobriedade, destacou que a compulsão por jogos é “um problema muito sério para muitas famílias”, já que pode criar uma dependência tão forte que as pessoas acabam acreditando que só podem ser felizes jogando.
“Pessoas que criam a dependência nos jogos acabam por prejudicar não somente a sua vida, como também a vida de seus familiares. Deixam de levar o sustento para casa, gastando todo o seu dinheiro com os jogos; ficam se endividando, trazendo risco para sua vida e para a vida dos seus”, diz Edson Ribeiro.
Por isso, a CNBB tem alertado para os prejuízos morais, sociais e familiares que essa prática traz. Em 1981, Dom Ivo Lorscheider, que era o secretário-geral da CNBB na época, levou ao Ministério da Justiça a necessidade de agir para “moralizar” os jogos e evitar medidas que incentivassem a prática no Brasil.
Dez anos depois, quando o Congresso Nacional começou a debater a reabertura dos cassinos, Dom Antonio de Miranda, bispo de Taubaté (SP), escreveu um artigo demonstrando sua tristeza com o “estado de decadência moral” do país. Ele disse que acreditar que os jogos de azar poderiam tirar o Brasil da crise econômica era um grande erro, pois o que o povo brasileiro realmente precisa é de estímulo para o trabalho produtivo, e não para a jogatina.
Em 1994, Dom Luciano Mendes de Almeida, então presidente da CNBB, participou de um importante simpósio sobre os jogos no Brasil. Lá, ele reforçou o porquê de a Igreja ser contra os cassinos. Ao ser questionado sobre a criação de empregos por meio dessa indústria, ele respondeu que não basta criar oportunidades de trabalho; é preciso garantir que esses empregos não tragam riscos morais para a sociedade.
“Os jogos de azar apresentam a ilusão de um ganho fácil, desfazendo o apreço ao trabalho honesto e sério. Resulta daí uma confusão na ordem de valores, lesando o horizonte de ideais da juventude e acarretando a ambição e a vontade de acumular riquezas em benefício próprio e exclusivo. Cresce, aos poucos, a atração descontrolada pelo lucro exorbitante, a vida fácil e até a corrupção”.
Numa nota da Presidência e da Comissão Episcopal de Pastoral de 30 de maio de 1996, a CNBB reafirmou valores morais e destacou os males dos jogos de azar:
– o ambiente envenenado dos cassinos, marcado pela bebida, a prostituição, o uso e o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro;
– a busca do ganho fácil, em lugar do trabalho honesto, como ideal de adultos e jovens;
– o desespero que toma conta de jogadores arruinados, com a consequência de distúrbios psíquicos e tentativas de suicídios;
– a dependência, verdadeira escravidão, do vício do jogo, não diferente de todos os outros vícios;
– a tentativa de ganhar hoje o que se perdeu ontem, no jogo, com o possível perigo de perder ainda mais;
– a ruptura da harmonia familiar, o medo e a insegurança que se instalam nos lares;
– a deseducação dos filhos por causa da ausência dos pais jogadores.
Naquela época, os bispos pediram que o governo concentrasse seus esforços em áreas como educação, saúde, moradia, trabalho com salários justos e segurança pública, em vez de liberar os jogos de azar. Eles acreditavam que esses são os verdadeiros pilares de uma cidadania digna.
Em 2009, a CNBB se manifestou sobre os bingos eletrônicos, alertando que legalizar essa prática traria de volta problemas que já haviam sido superados. Para eles, isso colocaria em risco a segurança e o bem-estar das famílias, além de explorar e viciar muitas pessoas.
Em 2022, quando o Projeto de Lei 442/91 começou a tramitar com urgência no Congresso, a CNBB publicou uma nota criticando essa decisão. Eles alertaram que os jogos de azar podem estar ligados à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. A nota também lembrava que o jogo de azar causa grandes prejuízos morais, sociais e, especialmente, familiares.
Para os parlamentares, a CNBB deixou claro que votar a favor dos jogos de azar seria, na prática, um desprezo pela vida, pela família e pelos valores fundamentais que a sustentam.
A CNBB tem destacado dois pontos importantes em suas reflexões sobre os jogos de azar. O primeiro é sobre a ideia errada de que legalizar os jogos aumentaria a arrecadação de impostos, criaria empregos e ajudaria o Brasil a sair da crise econômica – um argumento que já foi levantado há 40 anos. Para a Igreja, essa justificativa ignora o risco de os jogos estarem ligados à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, além de seguir a lógica de que “os fins justificam os meios”, algo que a Igreja rejeita.
O segundo ponto envolve os danos morais, sociais e familiares causados pelos jogos de azar, que podem se tornar uma compulsão, reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde. A CNBB alerta que o sistema dos jogos de azar, que gera muito lucro, acaba sendo mais cruel justamente para as pessoas que sofrem com esse vício.
No programa Igreja em Saída, Dom Ricardo Hoepers fala sobre o risco dos jogos e apostas
Fonte: CNBB
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