O ano de 2020 está quase chegando ao fim! Este ano tão atípico marcado pelo distanciamento social, pela interrupção das atividades presenciais, como as aulas e os espetáculos culturais, entre inúmeras outras questões. Com isso, em 2020, o nosso acesso ao mundo, por um bom tempo, se deu e ainda se dá pelo consumo das imagens virtuais de modo muito mais intenso.
Não que essas já não nos colocavam em contato com as diferentes partes do planeta no período pré-isolamento (se é que podemos falar em isolamento no momento atual, considerando o desrespeito de muitos cidadãos em burlar o distanciamento para realizar e/ou participar de eventos com aglomeração de pessoas, entre outras situações, mesmo em um cenário pandêmico ainda intenso), mas a questão é que, para muitas pessoas, a leitura de mundo passou a ser ainda mais influenciada pelas retratações imagéticas virtuais.
Como exemplos de indivíduos que passaram a ser ainda mais influenciados pelo meio digital, podemos citar as crianças e os adolescentes que transformaram os espaços de suas casas em “salas de aula” para o ensino remoto. Além disso, impossibilitados de sair, muitos tiveram seu momento de lazer restrito ao universo digital, o que acabou preocupando seus pais, pois, se em um momento pré-pandemia, estes já discutiam com seus filhos sobre o tempo de exposição às telas dos aparelhos eletrônicos, tais discussões só aumentaram durante a quarentena.
Leia MaisReligiosa de 100 anos é adepta a redes sociais e YouTubeAnsiedade x redes sociais: até quando faz bem?Além disso, o consumo excessivo das imagens virtuais pela garotada já vem preocupando há tempos pesquisadores dedicados a estudar os efeitos de tal excesso na mente de seus consumidores mais jovens.
Em outubro deste ano, por exemplo, o neurocientista francês Michel Desmurget lançou uma obra com informações impactantes a respeito, que já nos chama atenção pelo título: A Fábrica de Cretinos Digitais.
Na obra, Desmurget, que também é diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, apresenta uma série de dados concretos sobre os malefícios das telas nos chamados nativos digitais – termo criado pelo especialista em educação Marc Prensky para englobar todos aqueles que vieram ao mundo após 1980, já imersos em um universo tecnológico. Um dos estudos publicados ressalta que, pela primeira vez na história da humanidade, os jovens de hoje possuem um Q.I (Quociente de Inteligência) inferior ao dos seus pais, contrariando estudos anteriores que demonstravam um aumento do quociente de geração em geração, o chamado “efeito Flynn”.
Em uma entrevista para a BBC News, o neurocientista ressaltou não ser possível considerar o uso excessivo dos meios eletrônicos como único fator responsável por tal diminuição, mas que ele possui um impacto significativo no Q.I, podendo afetar a linguagem, a concentração, a memória, a forma de compreender o mundo, entre outros aspectos. Questionado sobre a causa de tais efeitos, Desmurget relacionou o consumo desses meios a uma interferência nas relações pessoais, dificuldade de socialização, perturbação do sono, impedimento da realização de outras atividades, entre outras alterações.
Na entrevista, o autor francês também afirmou, com base nos estudos publicados no livro, que o tempo de exposição às telas de uma criança de dois anos é cerca de três horas, de oito anos é cinco horas e de um adolescente é sete horas. Assim, Desmurget apontou que, antes de completar 18 anos, os jovens já terão passado o tempo correspondente a 30 anos letivos em frente às telas.
Sobre o consumo exacerbado das imagens digitais, é importante estarmos ainda mais atentos ao conteúdo produzido pelas redes sociais, de modo a encará-las sempre com um olhar crítico, algo cada vez mais desafiador. Um exemplo é o condicionamento das informações produzidas virtualmente de acordo com as escolhas feitas pelo internauta, ou seja, à medida que ele busca determinado assunto referente à sua crença, ele receberá mais informações não somente ligadas a ela, como, também, que a comprovem.
Dessa forma, cada internauta é inserido em uma espécie de bolha virtual, que o impede de enxergar a totalidade dos acontecimentos. Eis a relevância de uma visão crítica e questionadora de todas as informações enviadas ou que, simplesmente, aparecem como sugestão de visualização em nossas redes sociais.
Ao pensarmos nos consumidores virtuais mais jovens, o pensamento crítico deve ser estimulado ainda mais intensamente, desde a infância, considerando que tais internautas já nascem cercados de uma enxurrada de informações imagéticas, tornando-se difícil filtrá-las. Esse, inclusive, foi um dos temas centrais de um documentário exibido pela Netflix, neste ano, chamado O Dilema das Redes. A produção exibiu depoimento de profissionais que trabalharam no aprimoramento de plataformas como Facebook, WhatsApp, Instagram e Youtube e que contaram como elas utilizam de estratégias para influenciar a opinião do público sem que ele perceba.
A repercussão foi tamanha que, de acordo com um levantamento feito pela empresa de análise e pesquisa em big data, Decode, as buscas por “desativar / excluir facebook” aumentaram em 250% no Google entre 9 e 29 de setembro. Já os termos “excluir Instagram”, “desativar notificações” e “desativar temporariamente” tiveram um aumento de busca pelos brasileiros em 100%, 110% e 120% respectivamente.
Houve quem considerasse um exagero tal reação, e talvez até seja, pois, a questão se concentra em lidar com o problema, desenvolvendo o pensamento crítico. Afinal, o condicionamento de opiniões pode gerar consequências desastrosas, especialmente quando distorce os fatos, minimiza a ciência e compara a atual pandemia a uma gripezinha que, somente aqui no Brasil, já matou mais de 180 mil pessoas. Logo, não se trata do perigo causado pelas redes sociais, mas daquele ocasionado pela falta de senso crítico.
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