É interessante notar que Francisco, diferentemente de seus predecessores (Papa João Paulo II e Bento XVI) que comentaram e valorizaram esta nova área do conhecimento humano denominada 'bioética', até muito recentemente, tratando de questões eminentemente bioéticas, não utiliza o neologismo 'bioethics' na sua argumentação. Um exemplo claríssimo é a sua belíssima Encíclica Laudato Si.
Ao denunciar os efeitos deletérios da 'tecnocracia' e a necessidade de se superar 'o antropocentrismo', propor a necessidade de uma 'conversão ecológica' para chegarmos a 'uma ecologia integral', estamos diante de uma questão e argumentação de atualidade bioética.
Vejamos aqui o discurso que ele fez aos participantes da Assembleia Plenária do Pontifícia Conselho da Cultura, no final de 2017 (18/11/2017) que se reuniu no Vaticano para discutir sobre 'O futuro da humanidade – novos desafios para a antropologia'. Dialogou-se a respeito das inovações tenocientificas que visam redesenhar a natureza humana (medicina genética), o ser humano, entre o cérebro e a alma (neurociências) e a possibilidade de se viver numa sociedade de maquinas autônomas e pensantes (inteligência artificial).
Como reagir a estes desafios que a revolução tecnocientifica provoca para a vida humana? Francisco aponta que devemos cultivar inicialmente uma atitude de gratidão para como “os homens e às mulheres de ciência pelos seus esforços e pelo seu compromisso a favor da humanidade”.
Afirma o Papa Francisco que “A ciência e a tecnologia ajudaram-nos a aprofundar os confins do conhecimento da natureza e, em particular, do ser humano. Mas elas sozinhas não são suficientes para dar todas as respostas. Hoje compreendemos cada vez mais que é necessário haurir dos tesouros de sabedoria conservados nas tradições religiosas do saber popular, da literatura e nas artes, que tocam profundamente o mistério da existência humana, sem esquecer, aliás voltando a descobrir, os tesouros contidos na filosofia e na teologia”.
Nesta perspectiva o Papa lembra a Encíclica Laudato si’: «Torna-se atual a necessidade imperiosa do humanismo, que faz apelo aos distintos saberes [...] para uma visão mais integral e integradora», de maneira a superar a trágica divisão entre as ´duas culturas´, a humanista-literária-teológica e a científica, que leva a um empobrecimento recíproco, e a encorajar um diálogo mais profundo também entre a Igreja, comunidade de crentes, e a comunidade científica” (No. 141).
Leia MaisCirurgia plástica: beleza estética x saúde e vidaEm busca do 'direito à beleza'Quem milita no âmbito da reflexão bioética, vai perceber imediatamente que esta perspectiva de integração e diálogo inter, multi e transdisciplinar dos saberes e proposto também por Van Rensselaer Potter (1909-2001) considerado “um dos pais da bioética mundial, com a sua clássica obra Bioética Ponte para o futuro. Já em 1970 falava de que esta seria a razão de ser e objetivo desta então nova área do conhecimento humano chamada por ele de “bioética”, que o ser humano para além do conhecimento necessita de sabedoria, ao defini-la numa perspectiva “cósmico-ecológica” como sendo “a ciência da sobrevivência humana”.
O Papa Francisco não fala em bioética mas lembra de três princípios da tradição e do ensino social da Igreja para afrontar esta complexa realidade:
1) A centralidade da pessoa na sua inaliável dignidade, como “guardião amorosa da obra do criador” e que deve ser tratada como um fim e não como um meio;
2) O destino universal dos bens, que diz respeito também aos do conhecimento e da tecnologia. O progresso científico e tecnológico, os seus benefícios devem servir para toda a humanidade e não somente a poucos. Além disso, as grandes decisões sobre a orientação e investimentos da pesquisa científica devem ser tomadas pelo conjunto da sociedade e não ditadas apenas pelas regras do mercado ou do interesse de poucos.
3) Nem tudo o que é tecnicamente possível ou realizável é por isso mesmo eticamente aceitável.
Conclui o Papa afirmando que “a ciência, como qualquer outra atividade humana, sabe que tem limites a respeitar, para o bem da própria humanidade, e precisa de um sentido de responsabilidade ética. A verdadeira medida do progresso, (...) é aquela que visa o bem de todo o homem e do homem todo”.
Francisco não usa o neologismo” bioética” ao refletir a respeito de questões bioéticas. Muitos se perguntam: Por que? Teria a bioética sido cooptada ideologicamente? Já que estamos diante de uma pluralidade de paradigmas bioéticos, por que não aproveitar o momento e afirmar o modelo de uma bioética de inspiração crista? (continua)
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