O Papa Francisco simplesmente não utiliza o já consagrado neologismo “bioethics” (bioética) na comunidade cientifica internacional, ao refletir e dialogar sobre questões eminentemente éticas e bioéticas, como do extraordinário progresso técnico cientifico no âmbito das ciências da vida e da saúde. Emblemática, neste sentido, é a sua extraordinária Encíclica Laudato Si.
Temos indícios claros que este silêncio em relação ao termo ”Bioética” tenha sido quebrado no final de junho de 2018, quando o Papa Francisco, num discurso aos participantes da assembleia plenária da Pontifícia Academia para a Vida (25 de junho de 2018), tratou diretamente do tema bioética global, ou seja, “a vida humana no contexto do mundo globalizado”.
:: Leia o primeiro artigo: O Papa Francisco e a bioética
Neste seu pronunciamento, o Papa reconhece a existência e necessidade de uma bioética global. Como esta nova área do conhecimento humano ainda não tem uma definição consensualizada e não existe ainda uma descrição de seu campo temático, do que lhe diz respeito, Francisco aponta uma agenda clara. Afirma o Papa:
“Esta nova visão da bioética, que se situa no campo da ética social e do humanismo planetário, com forte inspiração crista, se comprometerá com mais seriedade e rigor de desencadear a cumplicidade com o trabalho sujo da morte precoce. (...) Esta bioética não se moverá a partir da enfermidade e da morte para decidir a respeito do sentido da vida e definir do valor da pessoa”.
Segundo Francisco, esta visão de bioética global "se moverá a partir da profunda convicção da irrevogável dignidade da pessoa humana, assim como Deus a ama, em cada fase e condição de sua existência, na busca de formas de amor e de cuidado que devem ser dirigidos frente sua vulnerabilidade e sua fragilidade”.
Consequentemente, esta bioética global terá, como tarefa específica, desenvolver a perspectiva da ecologia integral, que é própria da Encíclica Laudato si (Cf. no.16). “A intima conexão entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que, no mundo, tudo está conectado, a crítica ao novo paradigma e as formas de poder que derivam da tecnologia, ao convite em buscar outros modos de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta de um novo estilo de vida”.
Em segundo lugar, esta bioética deverá “cultivar uma visão holística da pessoa”. Trata-se de articular sempre com maior claridade todas as uniões e as diferenças concretas em que habita a condição humana universal e que nos implicam, a partir de nosso corpo que, visto como dom de Deus, nos situa em relação direta com o ambiente e na relação com os demais seres viventes. "Aprender a acolher o próprio corpo, a cuidá-lo e a respeitar seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana”, afirma o Papa.
É necessário, para tanto, “proceder num cuidadoso discernimento das complexas diferenças fundamentais da vida humana”, bem como de todas as condições difíceis e de todas as passagens delicadas e perigosas, que exigem “uma sabedoria ética especial e uma resistência moral corajosa”. Estes temas de ética e da vida humana devem encontrar uma colocação adequada no âmbito de uma antropologia global e não serem confinados entre as questões-limites da moral e do direito. É necessária uma conversão em relação à “centralidade da ecologia humana integral”, isto é, de uma compreensão harmônica e global da condição humana.
Por fim, afirma o Papa que “a bioética global, nos incita à sabedoria do discernimento profundo e objetivo a respeito do valor da vida pessoal e comunitária, que deve ser custodiada e promovida também nas condições mais difíceis. A perspectiva de uma globalização que, quando deixada somente à sua dinâmica espontânea, tende a aumentar e aprofundar as desigualdades, exige uma resposta ética em favor da justiça. O prestar atenção aos fatores sociais, econômicos, culturais e ambientas que determinam a saúde entre neste compromisso”.
Além disto, esta bioética global estaria aberta a uma dimensão transcendente de uma cultura da vida. Trata-se de olhar para ”a questão séria” do destino último do ser humano e da vida. A vida humana ultrapassa a si própria para além da morte. Existe um horizonte infinito e misterioso a ser levado em conta.
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