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“Dai-lhes vós mesmos de comer”

Em entrevista, Frater redentorista fala sobre a ação social realizada nas ruas da capital paulista

Escrito por Mário Pereira

12 MAI 2023 - 17H20 (Atualizada em 15 MAI 2023 - 08H33)

Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.

O auge da pandemia de Covid-19 e o consequente aumento da fome motivou a Comunidade do Juniorato Redentorista, em São Paulo, a promover uma ação solidária batizada de “Dai-lhes vós mesmos de comer (Mc 6,37)”, no coração da capital paulista. Leia MaisReflita sobre a pobreza voluntária que fala Santo AfonsoBispo destaca o “impulso missionário” da Congregação RedentoristaAmor pelos pobres e abandonados guiou Santo Afonso

Inspirados pela súplica do Papa Francisco, de uma “Igreja em Saída”, os junioristas estimularam outros fiéis a se comprometerem com este verdadeiro mutirão.

As comunidades Santa Ângela e Santo Antônio, da área pastoral São Paulo Apóstolo, de Heliópolis, bem como os Oblatos de Maria Imaculada (OMI), se colocaram à disposição nesta empreitada de solidariedade.

A ação acontece semanalmente, às quintas-feiras, com a produção e distribuição de 150 a 200 marmitas, além da entrega de garrafas de água.

Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
São produzidas de 150 a 200 marmitas por semana


O animador da Ação Social, Fr. Jefferson Lucas, C.Ss.R, compartilha, em uma entrevista exclusiva, sobre a realidade encontrada pelos junioristas nestes dois anos em praças e viadutos de São Paulo, em um processo que ele chama de “ânsia profunda por justiça”.

O missionário redentorista ainda destaca os desafios a serem superados pelo grupo e traça um paralelo com a Campanha da Fraternidade de 2023, cujo tema era “Fraternidade e fome”.

Confira a entrevista com o Fr. Jefferson Lucas:

Como surgiu a ação social e quais congregações ou grupos sociais auxiliam vocês para a ação?

A ação social à serviço dos irmãos em situação de rua, surgiu como resposta criativa aos anseios do Papa Francisco, por uma Igreja samaritana à serviço da vida e da promoção da dignidade humana, estando em estado permanente de “saída”. Foi no dia 4 de março de 2021, estando a pandemia em seu auge, que os junioristas redentoristas, se propuseram a iniciar este trabalho evangélico.

Aos poucos, fomos tendo a confirmação de que estávamos no caminho certo, pois, outros grupos também se movimentaram e juntaram-se a nós. As comunidades Santa Ângela e Santo Antônio, inseridas em nossa área pastoral São Paulo Apóstolo, de Heliópolis, deram seu 'sim' e responderam com generosidade e dedicação. ]

Destaque também, importante, para a participação dos Oblatos de Maria Imaculada (OMI), que também se colocaram a caminho, neste trabalho de mutirão.

Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Junioristas contam com a colaboração de leigos de outras comunidades


Com o tempo, nossa ação social estruturou-se, adquiriu uma identidade, atraiu novas parcerias e ampliou sua visão e trabalho. Atualmente, a ação foi batizada com a passagem bíblica de Marcos 6,37, no qual Jesus, movido pela compaixão, reage à fome daquela grande multidão ordenando aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Nesta mesma perspectiva, também nós, discípulos de hoje, nos colocamos.

A realidade da fome, revela a face perversa e perigosa da humanidade: a inumanidade. O encontro com os feridos, excluídos e que estão à margem, possibilita-nos despertar deste sono cruel e que nos mantem paralisados no egoísmo. O encontro com os crucificados torna-se revelador.

Quais são os principais desafios para manter a ação?

Quando penso nos desafios, atrevo-me a olhá-los para além dos muitos pedidos e doações, que costumeiramente necessitamos fazer, para manter a ação. Boa parte daquilo que nós produzimos, advém da generosa doação das pessoas simples de nossas comunidades. Concretiza-se na prática o famoso provérbio: “O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada”.

Olhar para a realidade da fome no Brasil, provoca-nos enquanto cristãos ou pelo menos deveria nos provocar. Penso, que o maior desafio está no deixar-se sensibilizar, ou, utilizando uma terminologia bíblica: ter compaixão, que podemos traduzir por uma ânsia profunda por justiça.

Na realidade desumana em que vivemos, o maior desafio para nós é nos convertemos na imagem daquele Samaritano, que agiu por compaixão. A existência de “um povo crucificado” leva-nos a reação mais necessária: viver a misericórdia – principio estruturante de toda vida de Jesus. Os desafios materiais são superados pela partilha, assim como no texto bíblico que nos inspira, o coração petrificado, fechado em si mesmo, necessita de uma conversão que toque as realidades, esquemas mentais e afetivos. Converter-se ao princípio misericórdia é reproduzir na vida a prática de Jesus.

Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Fr. Jefferson (de camiseta cinza) fala durante momento de oração


Quais são as ações promovidas pelo grupo de junioristas? 

A ação social acontece semanalmente, às quintas-feiras, o que logo nos faz recordar a Jesus naquela ceia com os seus amigos. O movimento eucarístico, que se atualiza na partilha e na solidariedade, leva-nos a um encontro com os que sofrem e que clamam por nossa presença.

É certo que a realidade desumana provocada pela fome, corre o risco de nos paralisar, deixando-nos inertes, sem reação para a brutal realidade. Da solidariedade de muitos e das mãos generosas de nossos irmãos e irmãs, produzimos cerca de 150 a 200 marmitas, além da entrega de garrafas de água. Entre as demais doações estão: roupas, materiais de higiene, e cobertores, que destinamos a outros grupos, que também nos ajudam neste grande trabalho em rede.

Sabemos que são muitos os irmãos em situação de rua passando pela exclusão e violência. O sofrimento, que semanalmente encontramos pelas ruas de São Paulo, seja nas praças famosas da Sé ou do Brás, no Pateo do Collegio ou, por debaixo dos viadutos, leva-nos a uma interiorização de todo sofrimento.

Temos consciência de que a mudança sonhada passa por outras dimensões de nossa esfera social. Mesmo assim, seguimos nosso percurso, motivados pela construção de uma fraternidade sem fome.

Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Fr. Gabriel Rijo C.Ss.R.
Ação adquiriu uma identidade e atraiu novas parcerias e ampliou sua visão e trabalho


Qual o paralelo que você faz entre a ação promovida pelos junioristas e o tema da CF 2023?

Não é a primeira vez que a CF aborda tal temática. Em outras duas oportunidades, a Igreja, preocupada com a realidade da fome, se dedicou a refletir e a buscar saídas para o enfrentamento de tal desafio. É certo que agora temos diante de nós um cenário ainda mais assustador.

A fome é resultado do acúmulo, da insensibilidade, do pecado da ganância – as mesas fartas, incapazes de partilhar, tornam-se um escândalo para nossa fé cristã. A Campanha da Fraternidade nos ajuda a pensar nas causas estruturais dos problemas sociais. A fome é consequência da distribuição desigual da terra e também do desperdício.

Alberto Andrade - A12
Alberto Andrade  - A12
Campanha da Fraternidade de 2023 trouxe como tema "Fraternidade e Fome"


Um país como o Brasil, qualificado como um dos maiores produtores de alimentos do mundo, vê seus filhos assolados pela fome, esta, que afronta diretamente para todos os princípios fundamentais do ser humano. A fome, nos dizeres do Papa Francisco, para a humanidade não é somente uma tragédia, mas uma vergonha.

Valho-me, por fim, da sabedoria conciliar, sempre inquietante e atual, do Vaticano II, para reanimar às nossas comunidades na concretização de ações em rede, agindo sempre pelo espírito cristão que nos permeia: “alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o (Gs, 69)".

Que nossas ações possam gerar vida – passo essencial para nos humanizarmos plenamente.

.:: Reflita sobre a pobreza voluntária que fala Santo Afonso ::. 

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