Em algumas partes do mundo moderno, as pessoas, embora rejeitando a pertença a qualquer denominação religiosa, mesmo assim utilizam a linguagem religiosa para expressar uma busca de sentido na vida. Um sociólogo contemporâneo descreve a situação da Europa Ocidental como um “acreditar sem pertencer”. Pode-se perceber um anseio por algo mais na vida, uma busca de sabedoria, um interesse por novas formas de espiritualidade, uma paixão pela justiça, um apreço pela beleza e pelo valor essencial das relações interpessoais. Os confrades redentoristas que estudam as tendências contemporâneas na literatura, no cinema, na arte e na música vislumbram nessas expressões culturais uma persistente busca de uma experiência de algo parecido com a redenção. Diversas expressões de religiosidade popular manifestam um anseio e uma busca semelhantes.
A fome de redenção se exprime também em mudos clamores e em anseios inconfessados. Podemos ouvi-los no desamparo e na frustração dos marginalizados, dos excluídos e dos assim chamados “novos pobres”. Uma percepção muito difusa da fragmentação da vida moderna, na qual os vários aspectos da vida parecem tão desconexos um do outro, também provocam um real mal-estar e uma tímida esperança de alívio. As pessoas angustiadas, solitárias e sofredoras de todos os tipos têm a vaga sensação de que “está faltando alguma coisa”; de que deve haver um modo melhor de se viver.
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Não obstante seja verdade que muitas pessoas possam sentir fome de alguma espécie de redenção, essa necessidade não leva obrigatoriamente à busca de um Redentor. Com frequência a resposta é procurada num tipo de autorredenção, como se comprova pela variedade de programas de autoajuda que não estão ligados a um Redentor. Procura-se alívio para as ansiedades da vida moderna também mediante o recurso ao folclore, à magia ou à superstição.
Para darmos testemunho da abundante redenção dentro da inspiração carismática de Afonso de Ligório, não temos outra escolha senão fortalecer nossa vida com o Redentor. Já que o nosso Fundador uniu fundamentalmente nossa própria raison d’être com a missão de Jesus Cristo, a missão de Jesus é o modelo segundo o qual julgamos a nossa. Devemos estar convencidos de que crer em Jesus Cristo é esperar como ele esperou; que seguir Jesus Cristo é continuar e prolongar na história sua missão, e amar como ele amou, a ponto de dar nossas vidas; que segui-lo é permitir que sejamos cativados por ele e pela causa de sua vida.
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Afonso nos convida a redescobrir o Deus de Jesus Cristo, um Deus que está apaixonadamente enamorado da humanidade; um Deus que ouve os clamores dos pobres e que não fica indiferente perante a injustiça. Deus revelou-se a si mesmo como Boa Nova para os empobrecidos, dignando-se cumular da plenitude de Deus os seres humanos (Ef 3,19), por causa do autoesvaziamento solidário de Cristo (Fl 2,5-11). Assim, a proclamação da abundante redenção na tradição redentorista não é primeiramente nem principalmente a apresentação de fórmulas de fé ou de códigos de moral; é um convite a uma relação pessoal com um Deus apaixonado, um Deus de amor que em troca deve ser amado. Para Afonso é muito o que está em jogo.
Uma de suas orações lamenta que o mundo está “cheio de pregadores que pregam a si mesmos [e não Jesus Cristo], ao passo que o inferno está cheio de almas”. Todavia, com uma insistência que questiona a nossa antiga reputação de pregadores do “fogo e enxofre”, Afonso sustenta que as conversões baseadas no medo do castigo divino não são duradouras. Por isso, durante as missões o principal dever de cada pregador é acender em seus ouvintes o fogo do amor divino. Embora não usemos mais a linguagem do enxofre para conquistar a atenção de nossos ouvintes, poderíamos, porém, perguntar-nos se a nossa pregação tem se tornado insípida ou superficial quanto ao conteúdo. Usamos toda a criatividade e paixão à nossa disposição a fim de pregar Jesus Cristo Redentor numa linguagem que o povo, especialmente os pobres abandonados, é capaz de entender hoje?
Se a nossa missão perde seu centro em Jesus Cristo, sua luz se extinguirá e ela se tornará insípida; será como o sal que não serve para nada e tem de ser jogado fora.
Creio que reconhecer a missão da Congregação no mistério de Jesus Cristo traz importantes consequências para nós. Essa identificação deve provocar uma real admiração e respeito por nossa vocação de colaboradores, companheiros e ministros de Jesus Cristo na grande obra da redenção” (Const. 2), porque participamos de um impulso que encontra sua origem no mistério da Santíssima Trindade. O planejamento pastoral, que deve dar atenção a metas, objetivos, planos de ação e avaliação, deve também ser fruto de oração contemplativa, de meditação e lectio divina, pois aí estamos lidando com coisas sagradas, e não simplesmente utilizando princípios de gerenciamento. Ao procurarmos tornar mais evidente por meio do dom de nossas vidas o impulso divino para a humanidade inteira, jamais podemos cessar de buscar e questionar. Não há espaço para a autossatisfação ou para a complacência burguesa em nossa vocação. Lembram-se da história que Afonso conta a respeito de um eremita que certo dia encontrou um príncipe na floresta? O príncipe lhe perguntou o que ele estava fazendo lá. O eremita respondeu com uma pergunta: “Senhor, o que estais fazendo neste lugar solitário?” Quando o príncipe lhe respondeu que estava caçando animais selvagens, o eremita replicou: “E eu estou caçando Deus” e prosseguiu seu caminho.
:: A presença redentorista no Brasil
Se é verdade que muitos de nossos contemporâneos estão em busca do divino ou, pelo menos, de algum sentido último em suas vidas, imaginem o vigoroso testemunho de nosso trabalho pastoral e de nossa vida comunitária como lugares onde as pessoas estão “caçando” Deus! E acabam sendo redentoramente “caçadas” nos laços amorosos do nosso Deus que, em Jesus Cristo, é sempre para a Liberdade que nos atrai. Creio que hoje a Congregação é chamada a exprimir a inspiração carismática de Afonso num dinâmico processo de solidariedade. Solidariedade é compaixão, pois ela nos compromete com a luta histórica dos pobres e fracos deste mundo e nos associa aos que estão abandonados e sem esperança. A solidariedade nos chama a dar “atenção especial aos pobres, aos mais fracos e oprimidos”, já que “a evangelização deles é sinal da obra messiânica” (Const. 4). Jesus não apenas escolheu identificar-se de modo especial com os marginalizados (Mt 25,40) mas, em sua encarnação e em seu mistério pascal, Deus expressa solidariedade radical e irrevogável com os seres humanos.
Não podemos perder de vista o fato de que somos peregrinos que partilham uma promessa e um sonho. A solidariedade, que Deus estabeleceu no Redentor, já está agindo numa espécie de luta que culminará na consumação da Criação, e assim nossa visão não é cerceada pelos limites do tempo presente, e nós rejeitamos o cinismo bem como a veleidade. Deus está fazendo novas todas as coisas e somos convocados para trabalharmos juntos enquanto mantemos nossos olhos fixos num novo céu e numa nova terra que é prometida por intermédio de Cristo.
No Santíssimo Redentor,
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