Jesus morreu crucificado. “Depois de o crucificarem, dividiram suas roupas, e ficaram sentados ali montando guarda”, afirma Mateus (Mt 27,35-36). O evangelista João dirá, por sua vez: “Ali o crucificaram, e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio” (Jo 19,18).
A crucificação era reservada aos piores criminosos da época e o Império Romano a decretava para os estrangeiros rebeldes. A morte de Jesus na cruz tem causas históricas. Os judeus (casta sacerdotal) o consideram blasfemo e os romanos (Herodes e Pilatos), subversivo.
A morte de cruz de Jesus é consequência de sua pregação do Reino de Deus: paz, justiça, liberdade, fraternidade, pois são todos filhos de Deus. Sua práxis questionou a religiosidade judaica da época e os abusos do reinado do imperador. Jesus viveu para Deus, o Pai, e para os outros, impulsionado pelo Espírito Santo.
Na cruz se revela, portanto, a consequência de uma vida que desafiou a sociedade e a religião, marcadas pelos desvios do poder econômico e religioso. Renunciando ao exercício do poder-dominação, Jesus, o Filho de Deus, fez de sua vida um dom, em não buscar vantagens pessoais.
Não devemos ver a morte de cruz de Jesus como desejada por Deus, para sanar a dívida que o ser humano contraiu pelo pecado. Nesse caso, o Pai desejaria a morte injusta do Filho, vingando-se sobre um inocente a ofensa sofrida pelos pecados do ser humano.
Jesus não se torna, na Cruz, bode expiatório, aquele sobre quem Deus Pai descarregaria a sua cólera vingativa por causa dos pecadores.
Por outro lado, o pecado do ser humano, enraizado nas estruturas sociais, políticas e religiosas, provoca a morte de Jesus. Seu gesto não é o preço que Ele paga para aplacar a ira do Pai. Quando o apóstolo Paulo afirma que na cruz Jesus é maldito (cf. Gl 3,13), não está dizendo que Deus, o Pai amoroso de Jesus, o tenha tratado como maldito. A maldição dos que pendem da cruz é prescrita pela Lei Judaica, não por Deus (cf. Dt 21,23). E o Pai não deseja a morte de Jesus como se fosse um destino predeterminado de antemão.
No extremo do sofrimento na cruz, no entanto, Ele se sente abandonado pelo Pai. Sem se desesperar, mesmo abandonado, permanece firme na confiança no Pai que o enviou para salvar o mundo. Para o evangelista Marcos, o grito de Jesus na cruz expressa o abandono de Deus: “Meu Deus meu Deus, por que me abandonastes?” (cf. Mc 15,34).
Mas esse não é um grito de desespero, pois Jesus está rezando o Salmo 22, que termina num ato de confiança. Segundo Lucas, Jesus termina sua vida rezando o Salmo 31, que traduz sua entrega confiante nas mãos do Pai: “Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito” (cf. Lc 23,46).
Para o autor da Carta aos Hebreus, o sacrifício de Jesus na cruz, como síntese de toda sua vida, reconcilia a humanidade com Deus, uma vez que ele se entregou a favor de todos, tornando vãos os sacrifícios da era pré-cristã, que pretendiam alcançar a benevolência de Deus através do sacrifício de animais e outros objetos (cf. Hb 9, 11s).
Cruel foi o sofrimento de Jesus na cruz, o mais importante, porém, foi a entrega solidária de sua vida para salvar a humanidade do pecado, da injustiça e da morte.
A cruz revela, portanto, o pecado do ser humano e o amor insensato, louco, de Deus (Santo Afonso), porque ama até ao extremo da morte. Em Jesus, que morre na cruz, Deus se solidariza com o ser humano até às profundezas de seus abismos para recuperá-lo e lhe dar vida plena, participação na própria vida do Filho.
Leia MaisDescubra o que está representado na Cruz RedentoristaA Cruz é chave da Redenção do mundoO julgamento de Deus sobre a humanidade pecadora não é condenatório, mas salvífico.Segundo o Papa Francisco, “o perdão é o sinal mais visível do amor do Pai, que Jesus quis revelar em toda a sua vida. Até nos últimos momentos de sua existência terrena, ao ser pregado na cruz, Jesus tem palavras de perdão: ‘Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem’”.
Jesus, injustiçado pelos poderosos, em solidariedade com os pecadores, entrega-se por todos e faz desse seu gesto final a síntese de sua vida em prol da multidão. “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para dar sua vida para resgatar a multidão” (cf. Mc 10,45).
A cruz se torna, assim, sinal da condescendência de Deus que deseja recriar sua amizade com os seres humanos. A revelação e salvação de Deus chegam ao seu ápice na cruz. Ele se comunica ao ser humano como amor e benevolência, salvando-o do pecado, da morte e da injustiça, para recriar sua comunhão com ele e estabelecer o reino da fraternidade e da paz.
O Pai não fica indiferente à oferta do Filho, mas o acolhe nessa oferta, arrancando-o do absurdo e conduzindo à plenitude o que Ele pretendeu com sua vida e morte. O Pai dá razão ao crucificado, tornando-o vitorioso pela ressurreição. Deus, o Pai de Jesus, sempre o sustentou, em todos os momentos de sua vida, atuando, através dele, a favor da humanidade.
De fato, Jesus foi aquele que expressou plenamente Deus na história, realizando seu plano de salvação. Ressuscitado, em sua humanidade glorificada, Ele envia o Espírito Santo sobre a Igreja e o mundo. É pelo Espírito que os seres humanos são inseridos no mistério pascal de Cristo e tornam atual seu projeto salvífico pelo serviço desinteressado aos outros, mormente aos mais necessitados.
A cruz de Cristo sintetiza o conteúdo da fé cristã, pois a Igreja prolonga no mundo a graça que nos chegou através dela e o Espírito Santo a universaliza, fazendo-a chegar a todos os seres humanos, de um modo só por Deus conhecido (cf. Gaudium et Spes, 22).
*Este artigo foi publicado originalmente na Revista da Província, edição número 270.
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